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A última seção da proposta metodológica, na qual elencamos os movimentos que guiam a análise propriamente, fundamentamos na obra de Suzana Kilpp (2003, 2010, 2018), autora do que é conhecido como a metodologia das molduras. Agregamos os apontamentos de Montaño (2015) acerca das especificidades para a aplicação do método na internet. Ao investigarmos quais os territórios de experiência e de significação do YouTube e como essa plataforma produz sentidos identitários, dissecamos molduras e moldurações em busca de ethicidades, emoldura- mentos e imaginários – conceitos abordados na problematização. Operamos, no entanto, em sites na internet, mídias que ultrapassam as concepções iniciais da dissecação, que é proposta por Kilpp (2003) na sua tese.

4.2.1 Dissecar (n)a televisão

Em primeiro lugar, destacamos que o exercício de dissecar, como trabalhado por Kilpp (2003, 2010), é um conjunto de atividades de ordem técnica, que permite a análise de material audiovisual televisivo. A mídia televisão é caracterizada, dentre outras propriedades, pelo fluxo contínuo de informações, qualidade que sobrecarrega nossa capacidade sensorial e impossibilita um estudo aprofundado dos seus elementos. A ideia, então, é que interrompamos o movimento, esse fluxo televisivo, para que possamos analisar as imagens com tempo – isto é, para que, uma vez paradas, possamos esquadrinhá-las com cuidado.

Precisamos reconhecer, porém, que intervimos na natureza dos materiais. Por isso, nesse primeiro momento, o seu exame continua incompleto. Assim, depois dessa interpelação inicial, temos que devolver o fluxo aos objetos, para que os vejamos também em movimento, porque a sucessão de imagens é o seu devir original e precisa ser averiguada. Como trabalhamos em um site, nosso caso é outro, ligeiramente diferente.

4.2.2 Dissecar (n)a internet

É evidente que a dissecação é pensada para o estudo da TV e das lógicas televisivas. Já que a dinâmica de uso da internet é diferente, recorremos aos apontamentos de Montaño (2015) sobre a aplicação do método na mídia. Outrossim, lembramos que os receptores dos conteúdos, nesse caso, são usuários ativos, interagentes que percorrem plataformas e materiais audiovisuais e que os colocam em movimento. Dessa forma, ao invés de “estancar” o fluxo de informações,

pode ser produtivo acelerá-lo ou realizar montagens com as páginas encontradas, realçando os elementos e as suas relações com os demais.

O desejo de esconder as técnicas que compõem as imagens, para que elas pareçam como “janelas”, transparentes, é anterior à invenção da fotografia. Dissecar os materiais nos auxilia a desvelar esses segredos. Conforme mencionado, Kilpp (2003, 2018) identifica e nomeia os dois conjuntos de elementos que configuram a ilusão: as molduras, os territórios de experiência e de significação das mídias; e as moldurações, as decisões técnicas e estéticas. As análises, contudo, não se encerram nesse ponto, pois desejamos autenticar ethicidades, que, por sua vez, dão a ver imaginários midiáticos e criam sentidos identitários a respeito dos objetos. Logo, ultrapassamos os conteúdos dos materiais e seguimos em direção às suas características gerais, que perpassam, inclusive, o funcionamento da plataforma.

Destacamos, por último, como ambas as seções da proposta dialogam. *

Relacionamos esses métodos no esforço de compor uma imagem dialética que responda como o YouTube produz sentidos identitários. Embora apareçam separadas, nós conectamos e entrelaçamos as concepções de Benjamin e Kilpp. O itinerário consiste em:

1) Realizar flâneries para a identificação de molduras do YouTube, propondo passagens a serem exploradas. As primeiras flâneries, mais experimentais, não estão documentadas; registramos apenas o percurso final, para otimizar a leitura do texto.

2) Dissecar materiais nas passagens identificadas, para autenticar ethicidades e imaginários à procura de sentidos identitários. Na etapa, nós “jogamos contra” o YouTube, testamos e tensionamos as suas molduras para evidenciá-las.

3) Iluminar uma imagem dialética que dê a ver as montagens do YouTube como construtor de sentidos identitários e como “usina de reciclagem de restos culturais”, citando Kilpp (2003), que convoca sentidos de diversas áreas da cultura e os sobrepõem, em operações midiáticas oriundas da plataforma. Essa imagem não é única e nem definitiva, mas uma proposição possível, atualização de um virtual com potências ainda latentes.

5 PASSAGENS DE UM FLÂNEUR

Durante a investigação, realizamos passeios pelo YouTube e identificamos certas coisas da plataforma que parecem potentes. São ferramentas, mecanismos e páginas que expelem con- teúdos diversos e de diferentes maneiras. Entendemos esses elementos enquanto passagens, que podem ser tensionadas e dissecadas junto dos materiais que delas emergem. Desse modo, au- tenticamos ethicidades, imaginários e, em especial, molduras no site.

Posto que o ambiente que desbravamos não é físico e não nos permite atravessá-lo com os próprios pés, demanda aparatos técnicos para o seu acesso. Destacamos os equipamentos utilizados durante a pesquisa. Trabalhamos com um MacBook, notebook da Apple, no qual empregamos o navegador de internet Chrome1, disponibilizado gratuitamente pela Google – hoje, o software mais usado para navegação web2. Esse não é o mesmo navegador que usamos para atividades corriqueiras, o Safari, nativo dos Macs, pois não desejamos que nosso histórico online, ao ser considerado por algoritmos do YouTube, interfira nos resultados desta pesquisa. Também por isso, embora tenhamos uma conta Google, não fazemos o login e recorremos a janelas anônimas – modo de navegação que desconsidera o histórico do programa e tampouco registra novos passos. Disfarçamo-nos, pois queremos entrar na plataforma e perambular pelos seus territórios da maneira mais discreta possível. Cobiçamos agir como alguém na multidão, um usuário dentre tantos outros, e passar – ao máximo – incólume pelos algoritmos de perso- nalização do site, para investigar as suas molduras com um olhar estrangeiro. Somente assim é possível tensionar certos mecanismos.

Para capturar as telas, operamos com uma ferramenta nativa do MacBook e, para editar as imagens, com o Adobe Photoshop3. Modificamos essas imagens para destacar elementos que

merecem a nossa atenção, com a finalidade de guiar a leitura dos materiais e tornar as análises compreensíveis ao leitor. Por vezes, realizamos a sobreposição de imagens e intervenções mais drásticas nas capturas de tela, para realçar, exata e pontualmente, quais os pontos que estamos referenciando na dissertação, ideando, outra vez, a inteligibilidade dos conteúdos.

De antemão, salientamos as passagens que identificamos e exploramos nos próximos capítulos. Sublinhamos, uma última vez, que organizamos a dissertação assim para otimizar sua leitura, tornando-a menos repetitiva e mais clara, destacando as montagens. Trabalhamos com:

1 Disponível para download em: <https://www.google.com/chrome/>. Acesso em: 29 jan. 2019. 2 Disponível em: <https://www.w3schools.com/browsers/>. Acesso em: 29 jan. 2019.

1) A página inicial, as suas configurações e os seus links. 2) A barra de busca, as suas variáveis e os seus resultados. 3) Os canais e as páginas dispersas, imprevistas.

4) A lista de vídeos mais vistos e novos materiais.

Essas são as quatro passagens que assinalamos no YouTube e que também são vistas – mesmo que com diferenças pontuais – em outras plataformas, sites, aplicativos e tantas outras ethicidades nas quais a internet se atualiza. Poder-se-ia argumentar que tratamos de três portais, inclusive, porque a terceira passagem também é trabalhada a partir da barra de busca. No caso, contudo, fomentamos o acaso, o imprevisto, a dispersão. Dessa maneira, consideramos melhor distinguir bem os dois itens, porque são frutos de modos de agir desiguais – se não opostos – e, sobretudo, porque propõem diferentes valores culturais. Primeiro, percebemos o gesto da busca, com a dinâmica da pergunta e da resposta. Depois, há a exploração sem rumo, a flânerie, que é um modo de navegar pela web.

Vale ressaltar que até mesmo este percurso produz sentidos, e que as passagens remetem umas às outras. Na página inicial, por exemplo, encontramos tanto a barra de busca quanto listas com os vídeos mais vistos do momento e materiais realçados pelo acaso, por conta de um e outro termo. Já na barra de busca, que está na página inicial e em todas as demais, nós podemos pesquisar e achar materiais ao acaso, inclusive digitar incorretamente e esbarrar em outros re- sultados; contudo somos capazes de filtrar para ver as listas ou os conteúdos mais acessados. Por fim, os números de visualizações empurram os vídeos às listas dos “mais”, que identifica- mos na página inicial e na barra de busca. A infinidade de links, onipresentes em todas as pági- nas, convida o usuário à deriva, a andar distraído pelo YouTube.

Dito isso, seguimos para o atravessamento dessas passagens e para a exploração desses territórios midiáticos, para autenticar ethicidades, molduras e imaginários.

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