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Distinção entre opinião geralmente aceita e tópico

No documento Dialética em Aristóteles e Direito (páginas 104-107)

V. Possibilidades de aplicação da metodologia dos Tópicos no Direito

2. Distinção entre opinião geralmente aceita e tópico

Outra distinção fundamental para a aplicação da dialética aristotélica ao Direito é entre opiniões geralmente aceitas (ἔνδοξα) e tópico (τόπος). Acreditamos que esses

376 Lembrando que o objetivo dos Tópicos é encontrar um método para se raciocinar a partir de opiniões

geralmente aceitas, sem entrar em contradição. Além disso, o método é útil às ciências filosóficas, por possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto. Entendemos que essa utilidade de percorrer aporias também se dá em outros assuntos, como, nesse caso que analisamos, no Direito Penal.

Tóp. I, 1 100a 18-25; Tóp. I, 2 101a 35-40.

377 “(...) a refutação é uma prova da contraditória de uma tese dada, de modo que uma ou duas provas da

contraditória constituem uma refutação.”Arg. Sof. 9 170a 35-170b3. E também: “Se, contudo, formularmos a proposição fundando-nos em grande número de casos e ele não tiver uma objeção a fazer, podemos exigir que a admita, pois em dialética uma premissa é válida quando se assegura assim em vários casos e não se apresenta nenhuma objeção contra ela.”Tóp. VIII, 2 157b 30-35. ARISTÓTELES. Tóp. Dos arg... Op. cit., p. 138 e 167.

conceitos já foram claramente explicados nos capítulos anteriores, mas acrescentaremos alguns comentários para fins de aplicação prática.

Conforme os Tópicos, os problemas dialéticos a serem levados para o debate, ou seja, os temas ou proposições originárias, são construídos a partir das opiniões geralmente aceitas, as quais podem ser extraídas também de tratados escritos. Eles são construídos a partir das opiniões e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com “sim” ou “não”, tais como: “É animal o gênero do homem ou não?” As opiniões são o conteúdo a ser debatido, os τόποι são apenas formas. Os τόποι apresentados nos Tópicos são usados como ferramentas para o questionador. A partir deles ele pode construir as premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor. Por exemplo, o primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se, na proposição, foi atribuído como acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira. A partir desse exame, o questionador pode formular premissas. É assim que funcionam os τόποι dos Tópicos. Com exceção dos τόποι do preferível, os τόποι dos Tópicos, na sua maior parte, servem para verificar as relações de predicação e a correção das definições.

Os τόποι da Retórica, que Aristóteles define como sendo os lugares onde os entimemas se enquadram, têm um padrão mais argumentativo, ou persuasivo. Pois servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso. Os τόποι dos Argumentos Sofísticos são úteis para táticas de refutação. A melhor ideia para se fazer de τόπος é a de forma, meio, molde ou ferramenta, ainda que ele tenha a forma de um exemplo que tem um conteúdo. Mas o importante a se destacar, como já foi dito, é que o conteúdo propriamente dito, que está presente numa proposição dialética ou argumento retórico, é uma opinião geralmente aceita (ἔνδοξα). São essas opiniões que caracterizam o domínio da dialética e da retórica, sendo a noção de tópico (τόπος) apenas instrumental. Portanto, as leis, os pontos de vista jurídicos, os princípios de Direito, os precedentes, os entendimentos jurisprudenciais, os conceitos jurídicos, os provérbios jurídicos, que representam um conteúdo a ser discutido, não são τόποι na visão aristotélica. Conforme expusemos no capítulo sobre os τόποι, o τόπος era uma tática a ser lembrada, e isso, por si só, não configura um método ou uma arte, pois, nesse sentido, um catálogo telefônico também poderia ser chamado de “tópica”. Por mais que muitos tópicos sejam úteis e interessantes por oferecerem padrões que servem como base para a construção de argumentos, o estudo isolado dos tópicos não se confunde com a dialética, assim como o estudo dos bisturis não se confunde com a ciência da cirurgia. Por isso, consideramos que

o uso do termo “tópica”, sem o conhecimento do contexto ao qual os tópicos se aplicam e do método ao qual pertencem, pode ser enganador. A tentativa de se aplicar instrumentos de um método descrito há mais de dois mil anos requer cuidados especiais, e o primeiro é buscar uma noção geral do seu contexto.

Quanto à aplicação dos τόποι dos Tópicos ao Direito, os que são construídos em função dos predicáveis, que representam grande parte da obra, não são muito significativos para os argumentos jurídicos. De certo modo, em todos os assuntos, é possível identificar gêneros, propriedades, e também distinguir aspectos essenciais ou acidentais de algo. Por exemplo, na teoria do negócio jurídico, há a distinção entre elementos essenciais e acidentais do negócio. Também existem, no Direito, vários gêneros de coisas, e há coisas com propriedades, mas não da mesma forma que na teoria dos predicáveis de Aristóteles, cuja transposição, para o Direito, seria muito artificial. Do mesmo modo, não consideramos muito aplicáveis os tópicos sobre os predicáveis na esfera da opinião geral que o Direito incorpora, nem mesmo os τόποι sobre a definição, pois as definições dos Tópicos seguem o modelo de se determinar o gênero ao qual o objeto pertence, e acrescentar a diferença específica. As definições atualmente utilizadas no Direito não seguem esse padrão. Os τόποι da Retórica também consistem em sugestões diversas, tais como voltar contra o oponente a acusação que ele havia feito,378 examinar os diferentes sentidos dos termos,379 examinar as razões que aconselham ou desaconselham a fazer alguma coisa,380e examinar pontos contraditórios.381 Como nossa dissertação não abrange estritamente o estudo da Retórica, trouxemos da obra apenas algumas informações e traçamos comentários gerais. Mas, mesmo de modo geral, consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retórica para fins ilustrativos e históricos. Como τόποι a serem efetivamente aplicados, atualmente, na argumentação jurídica, julgamos mais conveniente pesquisar, com base nas teorias modernas de argumentação, quais são as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito e catalogá-las como tópicos jurídicos, distinguindo se são formas aplicáveis à opinião ou se são aplicáveis aos assuntos especificamente jurídicos.

Os τόποι dos Tópicos que poderiam ser aplicados atualmente são os que tratam de linguagem e lógica, tais como verificar se os termos estão sendo compreendidos no

378 Ret. II, 23 1398a 2-5. 379 Ret. II, 23 1398a 27-30. 380 Ret. II, 23 1399b 30-33. 381 Ret. II, 23 1400a 15-18.

sentido em que foram empregados,382verificar a extensão do significado do termo,383verificar se uma definição foi formulada com termos anteriores e inteligíveis do que o que corresponde ao objeto a ser definido,384e os tópicos relacionados aos vícios de raciocínio, os quais descrevemos no capítulo anterior. Esses são aplicáveis a qualquer tipo de discurso, não só aos debates dialéticos. A correção lógica e linguística, como clareza, precisão no uso dos termos, e ausência de vícios de raciocínio, é pertinente à linguagem de modo geral, portanto, necessária em qualquer campo, seja filosófico, científico, literário ou comum.

No documento Dialética em Aristóteles e Direito (páginas 104-107)