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Distorções do Crescimento Urbano Associadas à Tragédia dos Comuns

CAPÍTULO IV – ESTUDOS DE CASO EM ÁREAS URBANAS

4.1 DILEMAS AMBIENTAIS EM ÁREAS URBANAS: UMA NOVA FACE DA

4.1.3 Distorções do Crescimento Urbano Associadas à Tragédia dos Comuns

A vida e o meio ambiente abiótico constituem um sistema acoplado, sendo que uma mudança em qualquer um deles acarretará consequências sobre o outro. Nos últimos duzentos anos, o meio ambiente global passou a ser afetado significativamente pelo ser humano. Nas últimas décadas, com o surgimento de novas tecnologias, o impacto desta ação se tornou grave, a ponto de essas influências humanas acarretarem sérios riscos ao nosso ambiente, evidenciados pelas enchentes, furacões, poluição das águas, ondas de calor, depleção da camada de ozônio. A conservação dos grandes equilíbrios naturais e o uso adequado das novas tecnologias disponíveis em diversas áreas são desafios a serem equacionados, uma vez que estão ligados à própria sobrevivência da espécie humana (OLIVEIRA, 2006). Nas áreas

urbanas, os efeitos do uso inadequado dos recursos ambientais são potencializados em decorrência da concentração populacional existente.

Segundo Mendes e Grehs (2006), a poluição e degradação dos recursos ambientais representam externalidades negativas decorrentes da economia de mercado que comprometem a sustentabilidade no espaço geográfico envolvido. A crescente incidência de alagamentos, congestionamento de veículos e demais impactos ambientais negativos nas cidades, especialmente em áreas metropolitanas, constitui dilema que não tem sido adequadamente enfrentado pelas políticas governamentais. As forças econômicas, que num primeiro momento representam benefícios e bem-estar ao cidadão urbano, intensificam alterações do uso do solo com modificações geomorfológicas, impermeabilização do solo e modificações do ciclo hidrológico local, que se expressam como degradação ambiental, pelo fato de não ser considerada a bacia hidrográfica como unidade de planejamento territorial (MENDES; GREHS, 2006). Este fato pode ocasionar o esgotamento da capacidade de suporte do meio natural onde as estruturas estão inseridas, bem como da infraestrutura disponibilizada pelo poder público municipal, o que acarreta prejuízos a todos os usuários da bacia hidrográfica.

Os mesmos autores afirmam que a alocação de terras pelo mercado, nos dias atuais, é ineficiente, uma vez que os preços da terra não refletem seu custo de oportunidade. A utilização de terras urbanas gera custos e benefícios que não são captados no sistema de mercado. Este fato, associado à elevada densificação de áreas com a infraestrutura saturada, acaba ocasionando impactos negativos, considerados de responsabilidade do órgão governamental, como o aumento da incidência de cheias em áreas urbanas, devidas principalmente à impermeabilização das superfícies e ao rápido sistema de drenagem implantado em novos loteamentos e condomínios. Citam como exemplo desta problemática a bacia do Arroio da Areia na cidade de Porto Alegre, onde estão localizados os loteamentos Projeto Hermes e Parque Germânia, ambos próximos do divisor da bacia, como mostra a Figura 9. É fácil imaginar que a implementação destes grandes projetos pode desencadear a ocorrência de uma “tragédia dos comuns” aos futuros moradores e aos usuários da região, uma vez que, com a concepção destas áreas de uso comum, as vazões pluviais e de esgotos domésticos serão incrementadas em diversas ordens de grandeza, promovendo a ocorrência de cheias em pontos da bacia relacionados ao acesso dos usuários. Somado a isso, a infra- estrutura de comércio e serviços existente se tornará saturada pela excessiva demanda de consumidores, que terão o acesso à compra de bens, relacionados à sua rotina, dificultando, além de um maior tempo de viagem, até seus destinos.

Fonte: elaborado pelos autores. Figura 9 - Macrodrenagem da Bacia do Arroio da Areia, em Porto Alegre-RS.

No caso do Projeto Hermes, estimou-se aumento de vazões geradas pelo Projeto da ordem de 3,5 (três vezes e meia) em consideração às vazões originais (atuais), decorrentes única e exclusivamente das águas pluviais. Acrescente-se a estes volumes parcela da vazão dos esgotos, da ordem de 450 m3/dia, gerados dos 12 edifícios a serem implantados. Face às peculiaridades geológicas desta área – onde incidem diversas fraturas e falhas geológicas, que polarizam e controlam o fluxo das águas subterrâneas, aflorando sob a forma de “olhos d’água” – deve ser ressaltada uma contribuição extra às tubulações da drenagem pluvial mesmo na ausência de chuvas. A atual rede de águas na Bacia do Arroio da Areia é deficiente em várias posições. Em consequência disto, os canais, bueiros e poços de visita extravasam, causando inundações em vários pontos da bacia.

No mesmo trabalho é simulado um congestionamento na Av. Assis Brasil, uma via expressa que liga o centro de Porto Alegre a vários bairros periféricos e que está parcialmente situada na bacia hidrográfica em questão. Nos dias chuvosos, a estrutura de drenagem não suporta a vazão acarretando extravasamento de águas das galerias pluviais, constituindo as inundações urbanas. Essas incidências implicam diminuição da velocidade do tráfego e, consequentemente, um maior tempo de viagem. Como se observa na Figura 10, até um determinado volume de tráfego (no caso do exemplo, de 400 veículos por hora), o aumento do volume de tráfego não interfere no tempo e no custo de viagem. A partir desse volume, é considerado um custo de oportunidade, ou seja, o custo causado pela renúncia do ente econômico e os benefícios que poderiam ser obtidos pela oportunidade renunciada ou pela

renda gerada em uma aplicação alternativa. Também são considerados os custos de depreciação e utilização do veículo. Ao somatório desses dois custos, denomina-se “custo social de viagens”, que é aumentado em mais de 500 % quando o volume de tráfego sobe de 400 para 2000 veículos por hora. Os autores ainda fazem referência a uma curva de demanda em que para cada volume de tráfego há uma hipótese de os motoristas pagarem para transitar na via. Este acréscimo nos custos representa as externalidades econômicas causadas por enchentes urbanas e seus efeitos no custo dos tempos de viagem. Esse exemplo permite visualizar a ocorrência da “tragédia dos comuns” nos dias atuais em grandes centros urbanos.

Fonte: elaborado pelos autores.