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As que não são ditas de um subjacente, nem estão em um subjacente 2 As que são ditas de um subjacente, mas não estão em um subjacente.

Bases Ontológicas do Fundacionalismo, parte I: uma análise deflacionária

1- As que não são ditas de um subjacente, nem estão em um subjacente 2 As que são ditas de um subjacente, mas não estão em um subjacente.

3- As que não são ditas de um subjacente, mas estão em um subjacente. 4- As que são ditas de um subjacente e estão em um subjacente.

Os entes de tipo 1, denominados “substâncias primeiras” (πρῶται οὐσίαι), são indivíduos pertencentes à categoria da substância: e.g. um homem particular (ὁ τίς ἄνθρωπος), como Sócrates ou Churchill, ou um cavalo particular (ὁ τίς ἵππος), como Bucéfalo ou Secretariat. Não julgamos que Aristóteles tenha promovido uma análise fina do conceito de substância ou de substância primeira em Categorias. Os exemplos, contudo, indicam que Aristóteles reconhece como substâncias primeiras algo como “objetos vivos, concretos e individuais” (Ferejohn 1991, p. 81) ou “particulares concretos e familiares ao senso comum” (Loux 1991, p. 23). Estes jamais desempenhariam a função de predicado em relações predicativas de nenhum dos dois tipos mencionados. Já os entes de tipo 2 consistiriam nos gêneros e espécies das substâncias primeiras, que não estão nelas, mas que delas são ditas, como homem ou animal tomados universalmente. O tipo 3 compreenderia entes individuais em categorias não-substanciais, como “um conhecimento particular de gramática” ou um “branco particular”. Estes podem desempenhar função de predicado em relações predicativas do gênero estar-em, mas jamais em relações do tipo dizer-se-de. Por fim, o tipo 4 de entidade comporta universais em categorias não-substanciais, como, por exemplo, a cor em geral, que tanto está em um subjacente (e.g. um corpo individual), como também é

dita de uma cor em particular (e.g. uma instância da cor branca).

É bem verdade que, pelo mero uso dos conceitos de dizer-se-de-subjacente e

estar-em-subjacente, Aristóteles não foi capaz de promover um estudo elaborado dos

quatro tipos de entidades aqui catalogados. Em particular, a noção de substância, importante na distinção entre predicações genuínas e não-genuínas, não foi suficientemente esclarecida por meio desta catalogação. Não obstante, a tetracotomia de Categorias 2

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estabeleceu dois importantes princípios para a ontologia da predicação. Primeiramente, termos que designam substâncias primeiras jamais desempenham função de predicado, ao passo que termos nomeando os demais entes desempenham tal função em ao menos um dos dois tipos mencionados de relação predicativa. Em segundo lugar, Categorias 2 nos indica que todo predicado pode ser reconduzido, em última instância, a uma relação predicativa com uma substância primeira (Categorias 5, 2b 3-6).Logo, ainda que não suficientemente esclarecedora, a distinção entre “ἐν ὑποκειμένῳ εἶναι” e “κάθ’ ὑποκειμένου λέγεσθαι” nos coloca diante, mais uma vez, do primado da categoria da substância sobre as demais, primado este que ancorava a teoria das predicações genuínas em APo I 22. Todavia, convém analisar um outro papel expositivo que a distinção entre dizer-se-de e estar-em possui no tratado das Categorias. Verificaremos, assim, se esta doutrina das categorias acaso não opera de algum outro modo na teoria da predicação dos Analíticos.

Ackrill (1963, pp. 78-81) argumenta em favor da tese de que Aristóteles se vale (não só em Categorias, mas, ao menos, também em Tópicos I 9) de dois métodos distintos para a obtenção da lista das categorias, os quais, ele parece crer, produziriam os mesmos resultados. O primeiro destes métodos consiste em tomar um objeto qualquer x pertencente à categoria da substância e elencar o conjunto das questões mais básicas que podemos formular acerca dele: “o que é x?”, “como é x?”, “quanto é x?”, “onde está x?”, etc. Cada uma dessas perguntas corresponderia a uma categoria da lista almejada (substância, qualidade, quantidade, lugar, etc.). Cada categoria, por sua vez, compreenderia os entes oferecidos como resposta às respectivas perguntas. É importante notar que a procedência deste método pressupõe que estas diversas perguntas digam respeito a um item substancial, de tal modo que sua execução de alguma forma já requer a habilidade intuitiva de distinguir substâncias de outros seres (ver Ferejohn 1991, p. 85). Caso as questões concernissem, por exemplo, uma entidade matemática, ou uma Forma platônica, perguntas do tipo “quando?” ou “onde?” perderiam sentido e, por isso, não seriam enumeradas, tornando incompleta a lista das categorias produzida.

Já o segundo dos métodos consiste em tomar a primeira destas perguntas (“o que é?”) e aplicá-la a qualquer entidade y, seja ela da categoria da substância ou não. Prossegue-se, então, considerando o item dado como resposta à pergunta “o que é y?”, seja

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ele z, e perguntando, também a respeito deste, “o que é z?”, e assim sucessivamente. Por exemplo, se perguntarmos: “o que Sócrates é?”, a resposta será: “um homem”. Deve-se, então, perguntar em seguida: “o que é um homem?” A resposta será: “um animal”. Aristóteles acredita que esta sequência de perguntas encontrará, como resposta final, um item conceitualmente simples, acerca do qual a pergunta “o que é?” não mais se aplica: “uma substância”. Esta resposta última designará a categoria sob a qual recaem todos os itens oferecidos como respostas na sequência de questões empreendida. O mesmo procedimento deve, então, ser feito com outros tipos de entidade. Direciona-se a pergunta “o que é?”, por exemplo, a uma determinada instância da cor branca. Nas respostas, teríamos algo como “cor”, “qualidade sensível” e assim sucessivamente até obtermos finalmente “qualidade”.41 Ao proceder assim com todos os tipos de entes, obteríamos uma

lista completa de categorias que deveria, em tese, corresponder à lista obtida pelo primeiro método.

As relações predicativas dizer-se-de e estar-em desempenham papéis distintos nestes dois métodos. No primeiro deles, produzem-se várias perguntas concernindo uma dada substância, das quais uma tem como resposta uma predicação de tipo dizer-se-de (a pergunta “o que é?”), enquanto as demais são respondidas com predicações do tipo estar-

em. Vimos que, no primeiro método, as questões relativas às categorias não-substanciais só

ganham sentido na medida em que o objeto das perguntas for da categoria da substância. Ou seja, este próprio requisito do primeiro método de aquisição das categorias já espelharia a mencionada dependência ontológica dos demais entes em relação às substâncias. Este fato levou intérpretes a reconhecerem, na doutrina das categorias de Aristóteles, o seguinte princípio categorial (ver Furth 1988, p. 14; Ferejohn 1991, p. 82):

PC 1: Se A está no subjacente B, então, A e B são de categorias distintas e B é substância.