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Quanto à eleição da própria morte, a estratégia do paternalismo débil, proposta pelo presente autor, mostra para estes casos problemáticos uma simplicidade: não seria necessário ponderar a autonomia individual frente a outros princípios como, por exemplo, o do carácter sagrado da vida, princípio de não danar, ou os deveres profissionais dos médicos ou da administração penitenciária. Só haveria que julgar se a eleição da própria morte é suficientemente voluntária. Requer-se aqui a aplicação do padrão mais exigente de medição da vontade, pois trata-se de

uma decisão absolutamente irrevogável73. Para averiguar se a decisão é completamente

voluntária, no casos dos presos, uma proibição absoluta de auto-destruição estaria justificada pela fundada suspeita de que o ambiente prisional não permitiria com suficiente certeza saber se as decisões são completamente voluntárias. Outro caso diferente é o dos doentes nos hospitais. A favor de uma proibição absoluta nestes casos de doentes muito graves, descartados os argumentos do tipo da “ladeira escorregadia” (a eutanásia voluntária levaria, lógica ou empiricamente, à eutanásia involuntária), existem fundamentalmente os seguintes argumentos: um que apela aos mesmos princípio do paternalismo débil, de acordo com o qual a petição de eutanásia nunca é suficientemente voluntária e um segundo, muito mais plausível, que considera que mesmo quando num caso particular a eutanásia está plenamente justificada, outras considerações que não têm a ver com o caso particular entrariam em jogo, de maneira que fariam vencer a balança a favor da proibição absoluta74. Sobre o primeiro argumento do pedido nunca ser suficientemente voluntário, existem quatro formas principais

72 Feinberg,Joel: ”Legal paternalism”, cit., p.14.

73 Ainda que exigente não deve ser intransponível, para se respeitar verdadeiramente a autonomia individual. 74

57 em que este se apresenta, tomando por modelo um paciente que sofre graves incapacidades físicas, encontrando-se numa cama de hospital, com as respetivas faculdades mentais intactas: assumindo que se uma pessoa deprimida decide morrer, esta petição prova que a depressão prejudicou o respetivo juízo e, em consequência, o seu pedido não será completamente voluntário; como reflexão de uma incapacidade para tomar decisões; como argumento de quanto mais razoável e lúcido o pedido, mais o indivíduo tem capacidades intelectuais suficientes para continuar a sua vida e o de que quando se leva o paciente a atingir o seu objetivo, a própria morte, este experimenta a sensação de uma batalha ganha, mas se pode experimentar satisfações tem uma razão para viver. Estas ideias exigem ao paciente uma prova impossível, de tal modo que a possibilidade de voluntariedade ficar-lhes-ia praticamente vedada. Estes argumentos baseiam-se na construção de um dilema lógico, no qual estas ideias são válidas para uma conclusão, mas não como base para um regra que regule o que pretendemos, dado que se admite esta petição mas fixam-se condições para a sua aceitação que são logicamente impossíveis de cumprir.

Para Feinberg, a averiguação da voluntariedade deverá depender de um teste independente do conteúdo da eleição, sob pena de se não respeitar a autonomia individual.

O segundo argumento fundamental em apoio da proibição absoluta - o que prescinde dos méritos individuais do caso -, geralmente apresenta-se na forma de uma analogia com a pena de morte: “é preferível que dez pessoas culpadas escapem do que uma só inocente sofra”. Da mesma maneira, seria preferível que não se pratique a eutanásia em casos em que estaria justificada porque a decisão do paciente é suficientemente voluntária, do que se pratique em casos em que não estaria justificada porque a petição não é suficientemente voluntária ou porque, na realidade, não existiu qualquer petição. Para o autor, esta analogia é incorreta porque no caso dos condenados à morte a salvaguarda dos interesses dos inocentes faz-se à custa de permitir um benefício gratuito aos culpados. No caso da eutanásia, a salvaguarda dos interesses dos que verão injustamente encurtadas as suas vidas faz-se à custa da impossibilidade de um dano aos que verão frustrados o seu desejo de morrer, um dano que nos casos típicos de eutanásia não pode ser julgado como diminuto e de escasso valor. Não pode demonstrar-se que o número provável de inocentes mortos constituiria um mal maior que o provável número de indivíduos erroneamente mantidos com vida.

Alguns autores que abordam esta temática consideram que o direito à vida (modo como a maioria dos Tribunais vê a questão da eutanásia) é um direito obrigatoriamente irrenunciável ,

58 como que um dever de viver e não um direito de morrer (posição dos “paternalistas”). Os “pais fundadores” consideram que o direito à vida é discricional e não obrigatório: o direito a morrer seria simplesmente o reverso do direito a viver. Da mesma maneira, quando não está nas minhas mãos matar-me, poderia renunciar ao direito à vida, liberando uma pessoa do seu

dever de não me matar75. O ”extremo antipaternalista” considera também que o direito à vida

é discricional, mas vai mais além ao afirmar que não só a vida mas também o direito discricional à vida é alienável, desde que a eleição seja completamente informada, bem pensada e não coagida, isto é, completamente voluntária. O autor situa-se entre a segunda e a terceira posições acima descritas, sendo que a última comporta a virtude de se opor completamente ao paternalismo.

75 Tal não se confunde com alienar o direito em si mesmo , ou seja , deixar na mão dos outros matar-me ou não, esteja eu ou não de acordo. O direito em si mesmo, em oposição àquilo em que o direito consiste, é inalienável.

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IV “Teoria Geral” (esboçada) sobre o paternalismo jurídico estatal