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Esquema 5 Conexões telefônicas entre executores e mandante

6.2 ATUAÇÃO POLICIAL 153 

6.2.2 Do conhecimento dos casos à investigação 156 

A investigação efetiva de um caso de sequestro como qualquer outra infração de natureza criminal é condicionada ao seu conhecimento após à ocorrência, sendo que o conhecimento tardio pode, em alguns casos, por em causa ao processo investigativo.

Em Moçambique o registro de ocorrências criminais é comumente feito nas esquadras80 da polícia, sem prejuízo, embora em pouquíssimos casos, de serem feitos em outros locais, como nas direções da PIC, no Ministério Público e no tribunais. Na presente abordagem nos concentraremos sobre os casos registrados pelas autoridades policiais e as linhas gerais que norteiam as investigações.

Entretanto, uma das constatações foi que, além da denúncia ou queixa nas esquadras, o conhecimento dos casos de sequestros por parte das autoridades policiais tem sido frequentemente através dos meios de comunicação de massa (jornais televisivos, impressos e notícias radiofônicos), como ficou evidente em muitas declarações dos investigadores da PIC que trabalham com os casos.

Existem alguns casos que são denunciados nas esquadras, mas são muito poucos (Inv. 2).

P – E como é que que vocês têm tomado conhecimento da maioria dos casos?

R – Temos acompanhados através de notícias na televisão, na rádio e algumas vezes também nos jornais (Inv. 2).

Por conta dessa configuração, alguns investigadores afirmaram ter mudado a sua rotina.

Agora eu quase não perco os telejornais, já que os jornalistas são os que facilmente obtêm essas informações, para além de que as vítimas não têm denunciado nas esquadras (C.C).

80 Equiparam-se às delegacias no caso do Brasil, porém uma das grandes diferenças é que as

esquadras em Moçambique estão à cargo da Polícia da Ordem e Segurança Pública, enquanto no Brasil as delegacias estão a cargo da Polícia Civil.

[...] normalmente quando despego, tenho comprado todos os principais jornais da praça e quando estou em casa passo uma vista de olho. Também tem casos que encontramos informações nesses jornais (C.C).

Estes enunciados sugerem que não é apenas a rotina das vítimas e seus familiares que muda após experienciarem crimes violentos (CALDEIRA, 2000), sobretudo os sequestros (BORGES, 1997; RIGHT, 2009), mas também a rotina dos que têm competência de investigar esses casos também pode mudar em função da configuração do fenômeno. A exiguidade do registro de ocorrências de casos de sequestros diretamente nas esquadras da polícia ou nas direções da PIC num contexto caracterizado pela ocorrência sistemática dos casos obrigou a mudança da rotina dos investigadores da PIC.

O hábito de ler jornais entre os investigadores da PIC não foi apenas constatado nos enunciados, mas também a observação sistemática do local de trabalho permitiu constatar esse cenário. Era comum que alguns investigadores se apresentassem no local de trabalho com jornais comprados durante o percurso casa – trabalho, os quais eram partilhados entre eles, incluindo o pesquisador, durante os pequenos momentos livres. De igual modo, jornais comprados após o final da atividade laboral diária durante o percurso trabalho – casa com informações pertinentes eram trazidos no dia seguinte para partilhar com os outros colegas. A internet é outro veículo de informação considerado de extrema importância pelos investigadores para aceder informações sobre a onda de sequestros. Os note books de alguns investigadores, embora pessoais, encontravam-se constantemente conectados à rede de internet, pois eles acreditavam que por via dela, e através das redes sociais, como o FACEBOOK ou jornais eletrônicos, é possível ter a facilidade de acesso às informações pertinentes sobre a ocorrência de casos de sequestros e outras informações pertinentes sobre o fenômeno.

O menor registro das ocorrências policiais dos casos estava associado com aquilo que os investigadores denominam por “silêncio das vítimas ou falta de colaboração”. No entanto, esse silêncio ou falta de colaboração não deve ser estranhado, uma vez que estudos baseados em informações empíricas (BEST, 1982; BORGES, 1997; RIGHT, 2009;) constataram que os autores desse tipo de violência exercem uma série de ameaças para que as famílias das vítimas não reportarem à polícia e, em alguns casos, exige-se também o afastamento da

imprensa. Esse cenário foi igualmente constatado nos enunciados dos informantes do presente estudo, como está demonstrado no capítulo cinco.

Após o conhecimento de um caso de sequestro através da imprensa ou outro mecanismo diferente da denúncia dos familiares da vítima às autoridades policiais, os investigadores normalmente dão início ao processo de investigação com uma peça de expediente denominada “informação” na qual é relatada toda informação detalhada sobre o caso e é dirigida a um inspetor da PIC, a quem compete a tarefa de indicar os procedimentos ulteriores, sendo um deles a localização dos familiares da vítima para obtenção de informações consideradas pertinentes. E é nesse ponto onde reside um dos grandes obstáculos com vista ao esclarecimento dos casos.

Depois de termos a informação, nós procuramos aproximar a família da vítima para mais detalhes sobre o sequestro (C.C.)

Quando tomamos conhecimento através de jornais, normalmente o senhor inspetor orienta primeiro localizar a família das vítimas para temos informações mais detalhadas sobre o caso (Inv. 4).

Obviamente, os casos conhecidos através da imprensa ou outros mecanismos diferentes da denúncia na esquadra ou na direção da PIC são os que apresentam maiores dificuldades no processo investigativo no que tange à disponibilidade de acesso de informações detalhadas sobre os casos junto às famílias das vítimas.

As famílias das vítimas não querem colaborar com a polícia. É normal agente ter uma informação de sequestros e quando localizamos, eles simplesmente não nos atender (Inv. 2).

Teve um caso que a gente tomou conhecimento pelo jornal. [...] Eu sai, fui na esquadra mais próxima, sai de lá com mais dois colegas para a casa. Sabes [risos], quando chegamos lá, fomos atendidos com o guarda da casa. Sabes o que disse? [risos]: patrão disse que não quer ver polícia aqui. Daí fechou o portão e deixou-nos lá [...]. É complicado, sabes (Inv. 3).

Consta que em meados de 2013 houve uma orientação segundo a qual os investigadores não deviam pressionar as famílias das vítimas no sentido de obterem informações consideradas pertinentes para o processo investigativo, pois, constatou- se que a recusa de colaborar era uma prática comum daquelas pessoas.

Não obstante, o silêncio ou falta de colaboração dos familiares das vítimas com as autoridades policias não exclui ou diminui a responsabilidade investigativa

do Estado visando ao esclarecimento dos casos e responsabilização dos autores. O sequestro em si durante o período em estudo não era tipo legal de crime, porém, alguns atos praticados configuram crimes públicos cuja promoção criminal não depende da vontade dos ofendidos, nos termos do n.o 1 do artigo n.o 160o do Código do Processo Penal moçambicano.

Deste modo, os investigadores da PIC não têm outra possibilidade senão continuar trabalhando, independentemente das famílias das vítimas aceitarem ou não colaborar com eles, embora nas investigações, o insucesso das investigações tenha sido frequentemente associado à este silêncio. Essa alegação na verdade não foi compartilhada pelo Conselho Islâmico de Moçambique, de acordo com Abdul Carimo, numa entrevista concedida ao jornal “O País”, do dia 2 de fevereiro de 2012, que na ocasião era presidente da organização:

[...] o argumento da PRM de que em nenhum momento recebe queixas formais das famílias dos sequestrados ou não colabora não tem razão de ser, nem dignifica as próprias autoridades policiais. Tratando-se de um crime público, a polícia não devia ficar a espera de uma queixa de família para iniciar o processo investigativo, porque nenhuma família pode ter a coragem de submeter uma queixa ou colaborar com a polícia quando o seu familiar estiver nas mãos dos criminosos (O PAÍS, 02/02/2012, PÁG. 14).

Esta “chamada de atenção” sugere um sentimento compartilhado não apenas no seio dos membros da comunidade islâmica de Moçambique, mas também, nos seio de toda comunidade asiática, que até então constituíam os alvos preferenciais dos sequestradores e, portanto, vítimas potenciais.

A reclamação da polícia relativa ao silêncio das famílias das vítimas se fundamenta pelo fato dela utilizar frequentemente o rastreio de conexões telefônicas como o principal mecanismo de investigação. A alínea a. do n.o 1 do artigo 19o da n.o 17 da lei n.o 16/2013, de 12 de agosto atribui competência à PIC de proceder à interseção e gravação devidamente autorizada, pela autoridade judicial competente, da conversação e imagem ou qualquer outro tipo de comunicação, no âmbito da investigação criminal.

Todavia, até o final de trabalho de campo não foi constatado nenhuma interseção e gravação de voz durante o processo de investigação criminal. O único exercício constatado foi à requisição junto das operadoras de telefonia, todas as

ligações e duração das respectivas chamadas de um determinado número de telefone, em determinado espaço temporal, suspeito de ter sido utilizado pelos sequestradores em um determinado caso. Partindo de um número de telefone, normalmente da família da vítima é possível ter acesso a todos os números com os quais se estabeleceu alguma conexão e, desta forma, chegar-se às pessoas com as quais se interagiu telefonicamente. Por outro lado, os aparelhos de telefone móvel têm a capacidade de memorizar todos os chips neles introduzidos e com os quais se estabeleceu alguma ligação. Os esquemas dessas conexões elaborados pelos investigadores da PIC, frequentemente apresentam as seguintes características: Esquema 5. Conexões telefônicas entre executores e mandante.

Fonte: Extraído do esboço do Inv. 2

Esquema 6. Conexões telefônicas entre executores, coordenador e mandante.

Fonte: Extraído do esboço do Inv. 2

Os esquemas apresentados nas tabelas anteriores mostram os resultados das investigações de conexões telefônicas de dois grupos diferentes que

Legenda : Relação presumida : Relação comprovada Legenda : Relação presumida : Relação comprovada Indivíduo A Indivíduo D Indivíduo C Indivíduo B Indivíduo A Indivíduo F Indivíduo B

desencadearam sequestros. No primeiro esquema, os resultados alcançados em dois planos mostram a interação confirmada ao nível dos três executores e entre esses com o possível coordenador ou mandante não se confirmou nenhuma interação com cada um dos executores. De igual modo, no segundo esquema ficou provada a interação ao nível dos executores. A outra interação igualmente provada foi entre um suposto coordenador com apenas um dos executores do sequestro. Finalmente, não foi provada a interação entre o suposto mandante e o suposto coordenador.

A não constatação de uma interação efetiva entre os mandantes e os executores dos sequestros é uma constante observada em quase todos os casos sob investigação. Este dado evidencia que ao nível dos mandantes se evita uma interação através de contato telefônico com os membros encarregados da execução dos sequestros. Essa realidade revela que os métodos de investigação dos casos de sequestros necessitam ser cada vez mais aprimorados de modo a se chegar aos verdadeiros mandantes desse tipo violência.

Embora apresente algumas vantagens, o mecanismo de rastreamento de chamadas telefônicas como método de investigação apresenta algumas limitações, principalmente quando os sequestradores racionalizam mais as suas ações. Ora vejamos, se os aparelhos de telefone móvel e os respectivos chips forem adquiridos especificamente para serem utilizados na coordenação e execução de um determinado sequestro e posteriormente descartados, torna-se quase impossível encontrar qualquer conexão de chamadas telefônicas que conduza a localização dos autores. Este fenômeno constitui um dos grandes problemas enfrentados pelos investigadores da PIC ao longo das suas investigações, pois se constatou que muitas vezes, todos os números de telefones e os respectivos aparelhos celulares utilizados em determinados casos de sequestros se encontravam fora de uso, não existindo qualquer conexão com qualquer número ou aparelho celular operacional.

6.3 CORRUPÇÃO

O estudo de Caldeira (1997) revela que no período de 1995 a 1996, 29 pessoas, que correspondiam a 11% do número total dos sequestradores, no Estado do Rio de Janeiro eram policiais no ativo. Este achado mostra o quão esse tipo de atividade ilícita, por coincidência, altamente lucrativa pode facilmente cooptar