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4. DA REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO ESTRITO

4.2. DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA E REGULAÇÃO ECONÔMICA

4.2.2. Do desenvolvimento

perspectivas de regulação econômica que vão desde a intervenção estatal, marcante nos serviços públicos e no desenvolvimento de atividades econômicas em sentido estrito pelo Estado, até a regulação específica da atividade econômica stricto sensu desenvolvidas pela iniciativa privada, a defesa da livre concorrência. Até o presente capítulo, percebe-se a inexistência de alguns dos pressupostos para a aplicação no mercado estudado da primeira modalidade de intervenção estatal. Como atividade econômica stricto sensu, desenvolvida por agentes econômicos privados, a prestação do serviço de transporte de cargas, segundo o arcabouço teórico estudado, sujeita-se à segunda ferramenta de regulação econômica, a defesa da concorrência, normatizada pelo Direito Antitruste, o qual abrange o controle de condutas e controle de estruturas.

Passa-se a analisar com mais vagar o desenvolvimento desse segundo aspecto da regulação específica com o fito de mostrar sua conformidade às qualidades das atividades econômicas em sentido estrito.

empresas, é um agente econômico racional maximizador de bem-estar, relacionando-se à ideia de Estado Liberal já exposta (FRAZÃO, 2017, p. 79-80).

A racionalidade econômica dos agentes de mercado reflete-se no uso da matemática para compreensão da realidade. Pareto, como representante deste movimento, “propôs-se a elaborar uma teoria do equilíbrio entre os interesses dos agentes econômicos, a serem verificados em razão das utilidades que a transação econômica trazia para cada um” (FRAZÃO, 2017, p. 82). O Direito da Concorrência, nessa perspectiva, poderia autorizar a existência de monopólios e cartéis com o fito de obter um volume maior de utilidades, se comparado a um modelo atomizado de produção e circulação de bens e serviços.

Os parâmetros de medição de utilidade baseados na racionalidade dos agentes econômicos relacionam-se, de forma profunda, com as bases da análise econômica do direito. Richard Posner, entusiasta dessa seara, utiliza os critérios de Kaldor-Hicks para formular a teoria de que

a maximização da riqueza ou eficiência é obtida quando os bens e recursos estão nas mãos daqueles que estariam dispostos a pagar para possuí-los, de forma que haverá eficiência e maximização do bem-estar social quando os ganhadores puderem compensar os perdedores, ainda que não venham fazê-lo. (FRAZÃO, 2017, p. 84)

A análise da visão adotada por esse movimento teórico é importante para a compreensão de que a economia neoclássica, na medida em que se preocupa com a eficiência, não preocupa-se com critérios de igualdade e distribuição. Desse modo, os critérios econômicos não devem ser considerados de maneira isolada para a aplicação da legislação antitruste (FRAZÃO, 2017, p. 86). Verifica-se, assim, que a posição neoclássica não carece de valor, contudo, mostra-se incompleta, pois existem valores os quais não estão ligados à eficiência econômica e que necessitam ser considerados no momento da elaboração da política regulatória (CUNHA, 2018, p. 621):

A correção de falhas de mercado e a busca por eficiência econômica se justificam em virtude de uma decisão política de priorização de resultados economicamente eficientes, o que não deve ser naturalizado ou tido como verdade científica (CHANG, 1997; PROSSER, 2006). Ou seja, não significa que outros princípios e valores, inclusive de ordem social, moral, histórica ou cultural, também não possam integrar programas regulatórios (FEINTUCK, 2010). Como esclarecem Lodge e Wegrich (2012, p. 25): “regulação diz respeito à competição entre valores

e, portanto, argumentos de falhas de mercado não devem gozar de superioridade sobre outros tipos de argumentos”. (CUNHA, 2018, p. 621)

De modo sucinto, pode-se concluir que para a teoria neoclássica, a eficiência enquanto fundamento da teoria antitruste, é o “fator central a definir a licitude, ou não, do poder no mercado” (SALOMÃO FILHO, 2008, p. 143).

Consoante o que já foi exposto, na década de 1980, com o retorno do neoliberalismo, as ideias da economia neoclássica do final do século XIX ressurgiram sob novas perspectivas. Houve um intenso rechaço à intervenção do Estado na seara econômica, sob o argumento de que tal atuação pode ser desastrosa. Como a economia era vista como ciência capaz de prever comportamentos adotados pelos agentes racionais, surgiram ferramentas capazes de realizar prognoses as quais legitimavam a excepcional intervenção do Direito Antitruste. Uma dessas ferramentas mais famosas foi a Efficient Market Hypothesis (EHM) (FRAZÃO, 2017, p. 87-89). A discussão travada sobre o movimento de desregulação como ferramenta de redução da intervenção estatal aqui se insere.

Passado esse momento histórico, os pilares do neoliberalismo foram questionados após a crise de 2008, fazendo com que houvesse a necessidade de uma reconfiguração entre direito e economia. Tratar-se-á desse novo movimento a partir deste parágrafo.

Abandona-se a ideia de que os agentes econômicos são dotados de racionalidade intrínseca, evidenciando a necessidade de atuação do Estado no campo econômico com o objetivo de frear as consequências trazidas por alguns atos irracionais (FRAZÃO, 2017, p. 92-95). Frazão sintetiza a quebra com a ideia de homo oeconomicus:

As disfunções percebidas após a crise de 2008 confirmam o fato de que a ideia de mercado livres pode possibilitar práticas iníquas e malignas, até porque as pessoas nem sempre sabem o que é bom para elas e nem sempre escolhem o que realmente querem, motivo pelo qual decisões disfuncionais são comuns. Eis o lado preocupante da mão invisível: quando os mercados são completamente livres, não há apenas liberdade de escolha, mas também liberdade de fraude (phishing), cabendo ao governo corrigir tais disfunções. (FRAZÃO, 2017, p. 95)

O afastamento da ideia de racionalidade econômica faz crescer outro movimento no campo regulatório: o da re-regulação. O movimento adquiriu duas perspectivas diferentes. A primeira perspectiva refere-se ao processo ocorrido nos Estados Unidos, após a desregulação. Com o aumento da competição nos mercados desregulados e a

aplicação de leis antitrustes, houve a entrada de inúmeros concorrentes e a necessidade de uma nova visão sobre regulação. A segunda perspectiva da re-regulação refere-se àquela ocorrida no Japão e na Europa. Após a privatização de empresas estatais, surgiu a necessidade de criação de regras as quais condicionassem a situação (ABRANCHES, 1999, p. 28). Nesse sentido:

O quadro regulatório de mercados onde prevaleciam monopólios e monopsônios estatais, não é implementável em um mercado privado, a menos que se deseje que empresas privadas se comportem como se fossem estatais, o que geraria mais custo social e ineficiência, do que se permanecesse o controle estatal. A privatização requer, portanto, uma reforma completa do aparato regulatório, compreendendo a desregulação, ou seja, o desmonte e a descontinuação do aparato regulatório existente, e a re-regulação, a criação de um novo sistema regulatório. É neste caso que se aplicam as estratégias minimalistas com máximo sucesso. E este é o caso do Brasil. (ABRANCHES, 1999, p. 98)

O processo de privatização cria a necessidade de que se acompanhe o desenvolvimento da atividade econômica, uma vez que deve-se evitar a prática de condutas anticompetitivas e a formação de estruturas econômicas não caracterizadas pela livre competição (ABRANCHES, 1999, p. 41). Nesse sentido, o Direito da Concorrência surge para conduzir esse novo momento histórico. Sérgio Henrique Abranches (1999, p. 42) afirma que o modelo concorrencial adotado no Brasil “coincide em grandes linhas com o modelo regulatório geral, que vem sendo adotado na maioria das reformas regulatórias mundo afora”.

No Brasil, o fenômeno da re-regulação pode ser estudado quando se analisam as políticas regulatórias do transporte aéreo brasileiro. Identificou-se um processo de re-regulação, iniciado em 2003, caracterizado pela interferência estatal no mercado, com o fito de “controlar o que foi chamado ‘excesso de capacidade’ e o acirramento da

‘competição ruinosa’ no mercado (OLIVEIRA, 2007, p. 139). No Brasil, o

(...) período de re-regulação, uma fase em que pedidos de importação de novas aeronaves, novas linhas e mesmo de entrada de novas companhias aéreas voltaram a exigir estudos prévios de viabilidade econômica, configurando-se uma situação semelhante ao do período regulatório típico; a grande diferença, nesse caso, foi que não houve interferência na precificação das companhias aéreas, ou seja, não houve re-regulação tarifária (OLIVEIRA, 2007, p. 139-140).

Com fundamento no que fora exposto até o presente momento, percebe-se que a desregulação e a re-regulação fazem parte de uma série de movimentos pendulares da atuação do Estado.

Sinteticamente, pode-se afirmar que o termo desregulação, apesar da ideia inicial, não se refere ao contrário de regulação, pois, geralmente, “nos setores desregulados, cria-se uma regulação até mais forte e presente que a regulação existente anteriormente”

(RACHED, 2009, p. 132).

Mencionados os parâmetros econômicos possíveis de serem utilizados para a aplicação do Direito da Concorrência ao longo de seu desenvolvimento, conclui-se que essa espécie de regulação não pode ser reduzida a uma mera análise de eficiência.

Contudo, considerar a defesa da concorrência como ferramenta de política econômica, fazendo com que as normas jurídicas venham a ser interpretadas conforme razões de conveniência política levam a outro reducionismo (FRAZÃO, 2017, p. 97).

O equilíbrio entre análise de eficiência e política econômica como parâmetros para a defesa da concorrência materializa-se em um dos impasses do Direito Antitruste moderno: apesar das economias de escala gerarem preços de consumo mais baixos, essas economias são mais propensas ao comportamento abusivo do uso do poder de mercado (HOVENKAMP, 2005, p. 85):

Se a política antitruste for orientada pelo "princípio do bemestar do consumidor" -isto é, se seu objetivo principal for maximizar a produção e reduzir os preços do consumidor –, então torna-se necessária certa tolerância quanto às grandes empresas. Encontrar o equilíbrio adequado entre as eficiências resultantes das economias de escala, por um lado, e nossa confiança quanto à grandeza e algumas de suas consequências anticompetitivas, por outro, é um problema que está difundido na atual política antitruste. (HOVENKAMP, 2005, p. 85, tradução nossa)18