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2 DO DIREITO À EDUCAÇÃO: UMA POSSIBILIDADE DE DIÁLOGO

No documento EDIÇÃO COMPLETA (páginas 179-181)

Este artigo surge a partir da problematização do princípio jurídico da afetividade no âmbito das relações sociais entre pais e filhos e a possibilidade da receptividade do afeto no campo educacional e nas relações sociais entre professores e estudantes. Tanto o Direito quanto a Educação, mesmo com suas particularidades, possuem elos de ligação no que se refere à presença do afeto.

Neste processo, para buscar caminhos inovadores, é conveniente olhar para além dos limites de cada área do conhecimento e refletir sobre possíveis diálogos que superem a disci- plinarização estipulada pela produção epistêmica moderna.

A ciência moderna, ao impor a ordem, cria a desordem, o caos. Ao doutrinar por este primado, acaba por enxotar outras percepções que precisam ser consideradas. Neste sentido,

A mudança de hábitos, valores, representações, conceitos, pré-conceitos e atitudes es- tão, muito fortemente, relacionados a questões que não se limitam apenas ao campo da razão, do raciocínio, do intelecto. Enfim, da produção do conhecimento científico. Nossas representações de mundo, bem como seus desdobramentos em ações cotidianas são, em última instância, um processo de construção complexa que envolve as dimensões huma- nas na sua totalidade e complexidade (BARCELOS, 2005, p. 50).

A Razão produz determinismos que não suportam valores e representações, que es- capam ao aprisionamento da cientificidade moderna, mas dialogam com as concepções de mundo presentes no universo complexo que afeta o cotidiano das pessoas em suas múltiplas interfaces.

Ao estabelecer fronteiras vigiadas entre as disciplinas e regulá-las, o conhecimento foi fracionado de forma a reprimir e evitar a comunicação entre áreas do conhecimento. Como consequência, há restrição para a produção do conhecimento. A respeito, segundo Bauman:

Todos os governantes e cientistas protegem zelosamente seus territórios de caça e, as- sim, o seu direito de estabelecer propósitos. Por serem os territórios de caça reduzidos ao tamanho dos seus poderes coercitivos e ou intelectuais, com os propósitos estabeleci- dos na medida dos territórios suas batalhas são vitoriosas. Os propósitos são alcançados, o caos é enxotado e a ordem é estabelecida no território (1999, p. 20).

Outro fator que ocasiona este cenário reside na ordenação do conhecimento em dis- ciplinas, por meio da adoção da razão da Ciência moderna sobre a compreensão do conhe- cimento, inclusive com a carência de diálogo com outras ciências. Esta Razão linear, que dis- ciplina o conhecimento, não permitindo trocas produtivas e desconsiderando o processo de modificação dos contextos, acaba por restringir o alcance do resultado sobre os aspectos in- vestigados.

Sendo um conhecimento disciplinar, tende a ser um conhecimento disciplinado, isto é, segrega uma organização do saber orientada para policiar as fronteiras entre as discipli- nas e reprimir os que as quiserem transpor. É hoje reconhecido que a excessiva parcelari- zação e disciplinarização do saber científico faz do cientista um ignorante especializado e que isto acarreta efeitos negativos (SANTOS, 2009b, p. 74).

O conhecimento jurídico constata, ao considerar apenas aspectos específicos do Direi- to, que há lacunas sobre possíveis soluções aos questionamentos chamadas a responder. As- sim como outras áreas, passa a movimentar-se em busca de respostas, escapa da razão da modernidade, reconhece seus limites e abre suas fronteiras ao diálogo com outras áreas do conhecimento.

A fragmentação do saber ocorrida na Modernidade levava à constante busca das diferen- ças e destacava as distâncias, enquanto na Pós-Modernidade a característica integradora se faz presente nas aproximações. Os paradigmas propostos são complexos e fundamentados por ambigüidades, contradições e incertezas [...] (MARTINS; CASTELLANO, 2003, p. 64).

O conhecimento a ser produzido em busca da complexidade negada exige um movi- mento do observador sobre suas próprias concepções, em geral com raízes no olhar que a ciência produz e reproduz. É indispensável ir além e considerar os processos humanos em sua dinâmica de movimentos de (re)construção e (re)criação.

O movimento entre as áreas do conhecimento estabelece outras possibilidades de dire- ções, pois, ao invés de prezar por suas características e preservá-las pelo distanciamento, se propõem a aproximações, diálogos e interfaces para a produção do conhecimento de modo dinâmico em relação à temática de estudo. Para colaborar, Santos assevera:

Os fatos observados têm vindo a escapar ao regime de isolamento prisional a que a ciên- cia os sujeita. Os objetos têm fronteiras cada vez menos definidas; são constituídos por anéis que se entrecruzam em teias complexas com os dos restantes objetos, a tal ponto que os objetos em si são menos reais que as relações entre eles (2009b, p. 56)

O diálogo intercultural entre o Direito e a Educação apresenta-se como uma alternativa ao olhar do pesquisador. Preliminarmente, contudo, convém desenvolver o conceito de inter- culturalidade. Com o intuito de elucidar, lembra Fleuri:

[...] o adjetivo “intercultural” tem sido utilizado para indicar realidades e perspectivas in- congruentes entre si: há quem o reduz ao significado de relação entre grupos “folclóri- cos”; há quem amplia o conceito de interculturalidade de modo a compreender o “di- ferente” que caracteriza a singularidade e a irrepetibilidade de cada sujeito humano; há ainda quem considera interculturalidade como sinônimo de “mestiçagem” (2003, p. 17).

Para além da discussão sobre diferenças étnicas e culturais, este adjetivo também tem relação com a reflexão dialógica entre culturas diferentes e identidades diversas, inclusive en- tre áreas do conhecimento distintas para, por meio de situações comunicativas, apresentar respostas aos mais diversos contextos de estudo.

Convém explicar, neste estudo, o motivo da escolha por uma discussão intercultural ao invés de uma abordagem interdisciplinar. A interdisciplinaridade remete a um padrão de frag- mentação do conhecimento e de demarcações em prol da ordem e especialização prezadas pela ciência moderna.

As áreas do conhecimento, contudo, constituem um conjunto uno e dinâmico, o qual não suporta o aprisionamento em modelos estanques, nem linhas de fronteira, pois se comu- nicam, interligam e realizam interfaces em prol de um conhecimento universal. Diante disto,

as áreas do conhecimento necessitam ser compreendidas como campos dinâmicos de cul- turas complementares pertencentes a um todo e não reduzidas a disciplinas, que deixam la- cunas em suas abordagens.

A discussão intercultural permite que cada uma das áreas do conhecimento supere sua “zona de conforto intelectual” (BARCELOS, 2013, p. 19), com discussões isoladas e desgasta- das, para buscar novas respostas a problemas relativos aos mais diversos temas, entre eles a afetividade. O mesmo autor complementa:

Basta de retornos, de retomadas, de releituras e de resgates que, ao fim e ao cabo, tem se mostrado como variações sobre o mesmo tema, sem variação alguma. Ou seja: mais uma cópia disfarçada e acanhada do que já existe. Entendo que muitas destas tentativas de releituras e de retomadas mais têm servido como uma busca de refúgio no sentido de manutenção de uma “zona de conforto intelectual” que uma tentativa real de superação de nossas fragilidades e de enfrentamento dos grandes desafios educacionais contempo- râneos (BARCELOS, 2013, p. 19).

O diálogo entre áreas do conhecimento, inclusive entre o Direito e a Educação, permite novas alternativas e, principalmente, novas perguntas em busca da superação de espaços va- zios e carências. Outras alternativas devem ser buscadas para que seja respeitado e incentiva- do o movimento dinâmico das esferas da vida social.

O futuro a ser alcançado pressupõe o diálogo entre áreas do conhecimento e entre cul- turas científicas diversas que, apesar de suas singularidades, possuam, assim como a socie- dade, pontos de convergência sobre temas de estudo. Os dias vindouros urgem de conversas que sejam capazes de enunciar possibilidades a problemas que a ciência moderna, ao frag- mentar o conhecimento, deixou como promessas não cumpridas.

No documento EDIÇÃO COMPLETA (páginas 179-181)

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