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do Estado desenvolvimentista no espaço metropolitano

Jeroen Klink Após um longo silêncio, presenciamos a retomada do debate sobre as re- giões metropolitanas. De forma geral, as discussões apontam dois paradoxos. O primeiro deles, também conhecido da literatura internacional, enfatiza que, apesar do papel primordial nas estratégias de desenvolvimento nacional em função de elas concentrarem potencialidades econômicas e déficits sociais, as áreas metropolitanas ainda carecem de um arcabouço institucional adequado para nortear o seu planejamento e gestão (OECD, 2001). O segundo parado- xo, que emergiu na última década, refere-se ao cenário brasileiro. O recuo da intervenção estatal que marcava os anos 1990 foi interrompido por um au- mento da atuação governamental em áreas como a política industrial, tecno- lógica e espacial. Quanto às áreas metropolitanas, presenciamos também uma retomada da atuação estatal no campo de regulação e financiamento (OLIVA, 2010). Isso culminou na maior disponibilidade de financiamentos subsidiados para programas de habitação e desenvolvimento urbano como os Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) e Minha Casa Minha Vida (PMCMV), e na consolidação de um arcabouço nacional, a partir da aprovação do Estatuto da Cidade, para a elaboração dos Planos Diretores Participativos.

Esse segundo paradoxo emerge da contradição de este ambiente ma- croinstitucional favorável não ter melhorado a governança das regiões me- tropolitanas brasileiras. Esta última continua marcada por estruturas institu- cionais fragmentadas, pela falta de coordenação entre agentes, gerando uma trajetória dos territórios metropolitanos que combina dinamismo econômico com profundas contradições socioespaciais e ambientais (MARICATO, 2011). Neste capítulo, argumentamos que referidos paradoxos devem ser ana- lisados no contexto do esvaziamento do próprio conceito de governança me- tropolitana. Mais especificamente, a literatura hegemônica tem utilizado três lentes para analisar o tema (ROJAS et. al., 2005).

A primeira delas considera que existe uma escala “natural” e ótima para o planejamento e a gestão dos serviços de interesse comum nas metrópoles,

sendo o desafio diminuir e corrigir os descompassos entre a região funcional e administrativa (OECD, 2001; MACHADO, 2009; GARSON, 2009). A segunda é que a colaboração entre stakeholders públicos e privados representa o motor subjacente à provisão de bens públicos em espaços metropolitanos (MAGA- LHÃES, 2010). A terceira, por fim, e considerando que as áreas metropolitanas concentram oportunidades econômicas e desafios socioambientais, a “boa” go- vernança objetiva à articulação simultânea de crescimento econômico e o di- reito à terra, aos serviços urbanos e ambientais e, em última instância, à cidade. (MINISTÉRIO DAS CIDADES; ALIANÇA DAS CIDADES, 2010).

Argumentamos que nenhuma dessas três lentes serve para avançar na análise dos impasses na trajetória da governança metropolitana brasileira des- de a década de 1970.

Em primeiro lugar, e baseamo-nos numa literatura sobre a natureza das escalas no mundo contemporâneo, não há nada inerente à escala (metropoli- tana) que combina elementos de arranjo/rigidez e de fluidez/movimento. Tal escala é contestada e construída (de forma material e por meio de estratégias dis- cursivas) por agentes sociais em busca de seus interesses. Essa perspectiva gera uma compreensão teórica mais clara do dilema da governança “colaborativa” em áreas metropolitanas brasileiras (VAINER, 2002; BROWN; PURCELL, 2004; MACKINNON; SHAW, 2010). Em segundo lugar, no Brasil ocorreram trans- formações na atuação do Estado desenvolvimentista no espaço metropolitano desde suas formas tecnoburocratas centralizadas e homogeneizadas, no período 1964-1985, o seu reescalonamento e desestruturação, nos anos 1990, e sua ree- mergência, a partir da década de 2000. Entretanto, argumenta-se aqui que, ape- sar das transformações verificadas, e diferentemente do fordismo espacial com forte viés redistributivista que vigorava nos países centrais, o Estado brasileiro sempre privilegiou o crescimento econômico seletivo em alguns espaços-polo, sem que isso gerasse muita irradiação nos espaços periféricos. Em terceiro lu- gar, durante a última década, a atuação do Estado desenvolvimentista na escala urbano-metropolitana passou a ser mais complexa e contestada. Nesse sentido, a governança metropolitana “no modo conhecido” esvaziou-se, e transformou-se em uma arena na qual um conjunto de agentes públicos e privados têm lançado mão de estratégias frequentemente conflitantes. Mais especificamente, a escala metropolitana transformou-se em arena privilegiada de embates em torno de projetos contraditórios da reforma urbano-social e do direito à cidade, da com- petitividade urbano-regional e da modernização ecológica e gerencial.

Ilustramos tais embates e a restruturação do Estado desenvolvimentista no espaço urbano-metropolitano por meio de três debates contemporâneos

sobre a governança metropolitana, isto é, os referentes ao Estatuto da Me- trópole, ao sistema de governança da água e ao fortalecimento dos arranjos institucionais que norteiam as áreas metropolitanas.

O ponto de partida analítico deste capítulo é que a pesquisa hegemônica sobre a governança metropolitana chegou a um impasse e requer uma refor- mulação de paradigma com base em uma aproximação entre teorias sobre a variedade do capitalismo, o reescalonamento e a reestruturação das espa- cialidades do Estado, de um lado (BRENNER, 2004), e os estudos urbanos e regionais brasileiros, de outro.

Não encontramos muitos trabalhos que exploram as relações imbricadas entre a literatura sobre regimes de atuação e organização territorial do Estado e o reescalonamento, de um lado, e os estudos críticos sobre a geografia e historia do desenvolvimento urbano e regional brasileiro, de outro (BRANDÃO, 2011; SOUZA, 2013). Os trabalhos que investigam possíveis sinergias epistemoló- gicas dessas vertentes para estudar o espaço e a escala urbano-metropolitanos são mais escassos ainda, particularmente comparados com a Ásia (PARK et. al., 2012). A contribuição deste capítulo é apontar a especificidade do reescalona- mento e da reestruturação do Estado desenvolvimentista em comparação com as transformações que ocorreram no keynesianismo espacial na Europa e nos EUA, mas também analisar as implicações para o debate sobre a (re)produção do espaço e da escala metropolitanos no Brasil contemporâneo.

Após esta introdução, estruturamos este capítulo em quatro seções. A primeira resume a literatura sobre a reestruturação e o reescalonamento do Estado no espaço metropolitano. A próxima discute as especificidades do processo de reescalonamento e reestruturação do Estado desenvolvimentista brasileiro em relação às transformações que aconteceram no keynesianismo espacial e no fordismo Atlântico (Europa/EUA). Explora ainda a potencialidade desse arcabouço teórico para lançar luz sobre as dimensões estruturais do processo de esvaziamento da governança metropolitana brasileira desde os anos de 1970. A terceira seção prioriza a análise da escala urbano-metropolitana e proporciona argumentos “construtivistas” complementares acerca da natureza da governança metropolitana brasileira e mostra que um projeto político estruturado em torno da reforma urbana e social e o direito à cidade na metrópole são constantemente contestados por uma agenda política moldada por interesses que se organizam em torno de projetos alternativos, particularmente os da modernização administrativa e ecológica e da competitividade. Com base nos três debates contemporâneos relacionadas com a agenda metropolitana, mencionados acima, ilustramos os

embates entre esses projetos e mostramos que “a governança no modo que conhecemos” esvaziou-se. Na última seção, discutimos algumas implicações da tese do esvaziamento da governança metropolitana, tanto para a agenda de pesquisa quanto para a política urbano-metropolitana no país.

Governança, escalas e regimes de atuação e organização territorial do Estado.

A partir dos anos 1980, as pesquisas sobre a organização e atuação territo- rial do Estado, nas múltiplas escalas, e o processo de reestruturação produtiva cresceram exponencialmente. A abordagem geográfica e histórica de Harvey sobre a emergência de um regime empresarial de governança urbana montou a cena para a elaboração de uma agenda de pesquisa crítica sobre os processos de reestruturação no atual estágio do capitalismo mundial (HARVEY, 1989).

Não apenas influenciada pelo materialismo geográfico e histórico de au- tores como Harvey e Lefebvre, mas também pela teoria de regulação e por uma teoria de Estado estratégico-relacional (JESSOP, 2000), a abordagem de Brenner (2004), sobre os regimes de organização e atuação territorial do Esta- do e de desenvolvimento, aprofundou a compreensão das transformações na governança e na produção do espaço.

A vertente francesa da teoria de regulação (BOYER, 1990) ficou conhe- cida pela contribuição, nos anos de 1970 e 1980, com o debate sobre a reestru- turação do fordismo nos países centrais. Entretanto, essa vertente foi também objeto de uma crítica em relação a sua interpretação funcionalista da história e dinâmica capitalista, enquanto “o desenvolvimento capitalista deve ser visto como um sistema intrinsecamente impulsionado pelas crises e pelas contra- dições, dependendo das relações conflituosas entre as e dentro das classes so- ciais” (AMIN, 1994, p.11).

A teoria estratégico-relacional do Estado de Jessop, representando uma espécie de “intruso familiarizado” com a escola parisiense de regulação que, ao mesmo tempo permaneceu enraizada dentro de uma perspectiva neomarxista, enfatizou “as relações inerentemente antagônicas e contraditórias do capital”, de acordo com as quais “o capital representa uma relação social constituída de forma incompleta no mundo real, do modo que a sua reprodução depende, numa maneira instável e contraditória, das condições extraeconômicas que mudam.” (JESSOP, 2000, p. 323-325). A teoria de Estado relacional-estratégico também proporciona uma perspectiva mais refinada em relação à noção marxista clássica de “determinação econômica

em última instância” e as relações entre estrutura e superestrutura, pois se utiliza do conceito de estratégia para mediar entre a instância econômica e não econômica e entre estrutura e agenciamento (MACKINNON; SHAW, 2010). Nesse sentido, o conceito de “projeto estatal” refere-se à organização interna e aos arranjos institucionais através dos quais o Estado organiza-se e mobiliza-se. O conceito de “estratégia estatal” remete à atuação do Estado, por meio de regulação e investimentos, para mudar a dinâmica econômica e social da sociedade (JESSOP, 2000).

O arcabouço teórico utilizado por autores como Brenner complementa a perspectiva estratégico-relacional sobre o Estado de Jessop por meio da inser- ção de uma dimensão explicitamente espacial. Pois, projetos Estado-espaciais remetem à organização territorial do Estado em termos de limites geográfi- cos de atuação do Estado, de tendências à centralização/descentralização e à homogeinização/diferenciação. Estratégias Estado-espaciais referem-se “à atuação territorial concreta do Estado, seja por meio de uma política urbana e regional explícita, seja por meio de impactos espaciais indiretos de outras políticas e programas” (BRENNER, 2009, p.49).

Esse programa de pesquisa estruturado em torno da estatalidade e espacia-

lidade do desenvolvimento gerou uma tese centrada na transformação do cha-

mado keynesianismo espacial para um regime competitivo e reescalonado de organização e atuação territorial do Estado (BRENNER, 2004; 2009). O primei- ro regime concentrou-se nos objetivos de redistribuição de renda, de infraestru- tura e patrimônio, assim como na geração de um grau de coesão socioespacial para o país. Tais objetivos seriam viabilizados a partir de um esforço coordena- do na escala nacional. O segundo regime é marcado por arranjos institucionais customizados e descentralizados, com um papel de destaque para projetos e estratégias que pudessem desencadear competitividade urbano-regional.

De acordo com autores como Brenner, os regimes espaciais competitivos e reescalonados aumentaram as instabilidades e disparidades inter-regionais na Europa por meio de crescimento de estratégias empresariais competitivas na escala local/metropolitana.

A teoria de regimes espaciais e estatais também influenciou os de- bates sobre governança metropolitana no cenário do fordismo Atlântico (BRENNER, 2003).

Inicialmente, esse arcabouço gerou uma leitura, geográfica e histórica, crítica das múltiplas trajetórias institucionais metropolitanas, ancorada em uma interpretação do processo dinâmico e contraditório da reestruturação produtivo-econômica e das transformações na organização e atuação

territorial do Estado. Mais particularmente, durante o keynesianismo espacial, as regiões metropolitanas enraizavam-se em um projeto nacional de polos de desenvolvimento (no modo de Perroux), que se irradiava para, assim, garantir certo grau de coesão socioespacial na economia nacional. Dentro dessa perspectiva, arranjos institucionais homogêneos para as áreas metropolitanas, coordenados na escala nacional, proporcionavam eficiência coletiva e economia de escala no planejamento dos serviços de infraestrutura de interesse comum. Regimes reescalonados e competitivos desmoronaram tais fundamentos da governança metropolitana no keynesianismo espacial e desencadearam um esgotamento em prol de regimes fragmentados e neolocalistas de governança regional-metropolitana.

Posteriormente, a teoria de regimes espaciais enfatizou processos não lineares e dialéticos, enraizados em trajetórias contraditórias e impulsiona- das por crises sucessivas de desregulação, re-regulação e destruição criativa (BRENNER; THEODORE, 2002). Nesse sentido, a reemergência do tema da governança metropolitana na Europa, nos anos 1990, foi emblemática e não pode ser dissociada da necessidade de articular uma resposta às contradições socioespaciais geradas pelo ciclo anterior de empresariamento local-urbano. No entanto, o novo regionalismo no modo europeu e norte-americano, arti- culado em prol de um projeto market friendly de cooperação em benefício da competição no cenário internacional, efetivamente aumentou as instabilida- des no médio prazo (BRENNER, 2000; 2004).

Por fim, e apesar do fato de que a primeira geração de análises que sur- giram no âmbito da teoria de regimes espaciais terem gerado importantes

insights sobre as relações imbricadas entre a reestruturação econômica e a

atuação do Estado no espaço urbano-metropolitano, essas não aprofundaram a reflexão sobre o significado e a natureza das próprias escalas (incluindo a metropolitana). Desse modo, as diversas vertentes da pesquisa “escalar” gera- ram contribuições relevantes para aprofundar o debate sobre regimes, espa- cialidades e estatalidades do desenvolvimento.

Uma primeira abordagem concentrou-se na economia política das escalas. Conforme sabemos, Jessop (1994; 2000) foi um dos primeiros autores a relativizar a ênfase dos regulacionistas franceses na escala nacional, em detrimento de uma perspectiva de acordo com a qual as escalas virar-se-iam arenas entre projetos e estratégias que objetivavam produzir “certo grau de coerência estruturada”. Na visão desse autor, a própria escala devia ser relativizada (JESSOP, 2000, p.343). Ao contrário de uma suposta ordem global- local, a reconfiguração escalar em andamento representaria um processo

inerentemente instável, marcado pela acumulação de uma série de contradições desde o colapso do sistema Bretton Woods e de iniciativas locais reativas e impulsionadas pela crise (PECK, TICKEL, 1994, p. 298). Na mesma linha, Swyngedouw (1997, p.140) questionou conceitos como o global e o local (“glocalização”) e argumentou que era mais relevante compreender as forças sociais, econômicas e políticas subjacentes à “política de escala”.

Um segundo programa de pesquisa, com um recorte institucional crítico, priorizou a análise das interdependências entre o crescimento dos grandes projetos urbanos e arranjos de project finance, a flexibilização dos estilos de planejamento e as diversas estratégias escalares dos agentes sociais. Na análise de uma amostra de treze experiências, Swyngedouw, Moulaert e Rodriguez (2002, p. 216-217), por exemplo, argumentam que as transformações na política europeia por meio de grandes projetos urbanos, “focando territórios ao invés de pessoas”, estavam enraizadas em processos de reestruturação econômica e política ocorrendo nas múltiplas escalas. Grandes projetos urbanos representavam o resultado, mas ao mesmo tempo moldavam mudanças escalares mais amplas (SWYNGEDOUW, MOULAERT, RODRÍGUEZ, 2002, p.199).

Como terceira vertente, a ecologia política também procurou um diálo- go cada vez mais intenso com a pesquisa escalar (BROWN; PURCELL, 2004). Tradicionalmente, o ponto de partida da ecologia política é a análise das dis- putas (materiais, discursivas, culturais e simbólicas) em torno da distribui- ção e do acesso aos recursos socioambientais, por meio de uma perspectiva epistemológica que valoriza as relações desiguais de poder e as disparidades sociais, políticas e econômicas na produção e transformação da natureza e do homem (SWYNGEDOUW, HEYNEN, 2003). No entanto, a primeira geração de contribuições da ecologia política incorporou uma visão relativamente es- tática e determinística acerca dos arranjos escalares. Trabalhos mais recentes buscam dialogar melhor com uma perspectiva estratégico-relacional, apon- tando que as disputas sobre a apropriação das florestas, do ar, da água e da terra são moldadas a partir da articulação, pelos diversos agentes interessados, em múltiplas escalas (IORIS, 2011).

Em síntese, da pesquisa “escalar” moderna emergem ao menos três contribuições relevantes para subsidiar a perspectiva de regimes de organização e atuação territorial do Estado no espaço metropolitano. Primeiramente, a própria escala, representa uma construção social, política e simbólica (PIKE; TOMANEY, 2009). A compreensão da dinâmica escalar requer a análise das articulações mais amplas dos atores sociais em prol

dos seus projetos políticos. Portanto, ao invés de assumir as características inerentes de determinada escala, emerge uma abordagem que privilegia a análise das estratégias dos atores sociais que a moldam e (re)produzem. Em segundo lugar, pesquisas recentes têm combinado abordagens ontológicas e construtivistas para analisar as escalas (TARAVELLA; SARTRE, 2012), argumentando que ela está enraizada em estruturas sociais e de trajetórias históricas, enquanto representa uma arena constantemente contestada por atores sociais que buscam estabelecer a hegemonia sobre determinado arranjo escalar. Finalmente, as pesquisas apontaram que as escalas são imbricadas e relacionais. Considerando a capacidade maior de determinados grupos e classes sociais avançarem ou rodearem escalas em um mundo crescentemente interconectado e globalizado (SWYNGEDOUW, 1997), é impossível analisar uma escala sem compreender as suas relações imbricadas com as demais.

Nas duas seções que se seguem, exploramos a potencialidade de um ar- cabouço conceitual inspirado pela teoria dos regimes espaciais e estatais de de- senvolvimento para compreender os dilemas da governança metropolitana no Brasil. Além disso, esse referencial incorpora uma análise das especificidades do reescalonamento e da reestruturação do Estado desenvolvimentista brasileiro em espaços metropolitanos. Na primeira, discutimos as especificidades do rees- calonamento e da reestruturação do Estado desenvolvimentista em comparação à transformação do keynesianismo espacial na Europa e nos EUA e a relevân- cia desse processo para compreender a trajetória da governança metropolitana desde os anos 1970 até a primeira década de 2000. Na segunda, o recorte é a natureza da própria escala urbano-metropolitana na fase pós-2000.

Reescalonando e reestruturando o Estado desenvolvimentista brasileiro

nos espaços metropolitanos.

As especificidades do Estado desenvolvimentista “realmente existente”

Enquanto a literatura sobre a espacialidade e estatalidade do desenvolvi- mentismo no caso do Leste Asiático cresceu (PARK et al., 2012), os trabalhos sobre a trajetória espacial-escalar do Estado desenvolvimentista brasileiro são mais escassos (BRANDÃO, 2011).

Souza (2013) desenvolve uma anállise sobre a espacialidade e as escalas do desenvolvimentismo brasileiro pelo prisma de um Estado de bem estar ce- palino, em alusão à influência da Comissão Econômica e Política da America Latina e o Caribe (CEPAL) e de economistas como Furtado e Prebisch, na

elaboração e implementação de um projeto pautado pelo crescimento econô- mico, industrialização, substituição de importações e criação de um mercado nacional, coordenado pelo Estado-Nação centralizado.

Como ideologia, o regime nacional-desenvolvimentista – em sua versão populista ou autoritária – enfatizou uma narrativa centrada em polos de cres- cimento, efeitos de irradiação e trickle-down e a criação de uma economia na- cional marcada pela coesão socioespacial e pelas complementaridades inter- regionais (BIELSCHOWSKY,1988). A análise do Estado desenvolvimentista brasileiro “realmente existente” (BRENNER; THEODORE, 2002), no entanto, mostra uma trajetória diferente, marcada por uma série de especificidades históricas e geográficas em comparação ao quadro de reestruturação estatal- -espacial no fordismo Atlântico.

Inicialmente, mostra a construção espacialmente seletiva de um “remen- do programado de autoestradas, cidades, redes de energia e telecomunicação” (BECKER, 1990) e a articulação, pelo Estado, de vantagens competitivas em setores que se utilizam intensivamente de energia e recursos naturais como o

agrobusiness, a petroquímica, a mineração e a metalurgia, por meio de incen-

tivos fiscais e investimentos públicos diretos. Essa atuação gerava efeitos dra- máticos sobre o ambiente sócio-natural, como desmatamento, mudanças no curso de rios, degradacão ambiental irreversível etc. e as comunidades locais (MONTEIRO, 2005, p. 191; BRASIL, 2006, p. 32).

Em um segundo momento, embora a narrativa do desenvolvimentismo brasileiro enfatizasse uma representação do espaço em termos de polos de crescimento no modo de François Perroux, não houve efetivamente muita irradiação social a partir dos grandes projetos que foram implantados pelos militares. Os estudos urbanos e regionais brasileiros críticos mostram que o Estado desenvolvimentista de fato criou arquipélagos competitivos inseridos na economia nacional e internacional. No entanto, esses foram objeto de um esvaziamento dos benefícios econômicos para centros de comando e controle externos, deixando espaços locais caracterizados pelas disparidades socioes- paciais, pelo crescimento de assentamentos precários, pelo aumento de de- semprego (após o fim dos grandes projetos de desenvolvimento) e pela degra- dação ambiental (LEITÃO, 2009, p. 133; MONTEIRO, 2005).

Por último, embora na estratégia discursiva se priorizasse a técnica e a estruturação de uma burocracia isolada das barganhas políticos, a escala nacional transformou-se em uma arena privilegiada que, ao mesmo tempo, influenciou e foi moldada por agentes com interesses diretos na elaboração da política espacial. O arranjo dos grandes projetos do regime militar era um

exemplo paradigmático de uma abordagem de acordo com a qual o capital nacional e internacional negociavam diretamente com o alto escalão da buro- cracia federal o desenho, operação e financiamento da atuação governamental no espaço nacional (VAINER, 1995, p. 454-459; PIQUET, RIBEIRO, 2008).

No que segue, argumentamos que as sucessivas transformações institucio- nais e organizacionais do desenvolvimentismo brasileiro entrelaçaram-se com

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