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DO OUTRO COMO ESPELHO: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NO CONTO

No documento N. 10. Vol. 5, 2015 ISSN (páginas 99-111)

“IMAGEM”, DE LUIZ VILELA Angélica Catiane da Silva de FREITASRubens Aquino de OLIVEIRA

modo de encobrir valores e simbologias que não se encontram à superfície, como algo palpável, de fácil percepção e compreensão.

A literatura, ao tratar dos símbolos, das metáforas, dos signos e significados, aborda a utilização de valores superficiais na construção de identidades. E essa problematização sobre a identidade pode ser percebida, por exemplo, em alguns contos da Literatura brasileira que tratam da temática do espelho, dos quais mencionaremos alguns aqui de forma breve.

Dentre os textos que trazem o espelho como tema, é possível verificar que alguns concentram o seu foco no objeto em si, e no que se vê por via deste, ao passo que, no conto de Vilela, temos a imagem de um eu, perpassada pelo olhar de um outro, e a questão da identidade é construída, quase que exclusivamente, pela interferência da alteridade, o que pode ser interpretado como uma referência do escritor à sociedade enquanto geradora de imagens e modelos pré- estabelecidos. O foco do conto recai na imagem construída ontologicamente, psicologicamente, e que, por ser uma composição realizada pelo olhar dos outros, não será jamais refletida em espelho algum.

O conto “Imagem” é narrado em primeira pessoa, por um narrador- protagonista, segundo a terminologia de Ligia Chiappini Moraes Leite, em “O foco narrativo” (1985, 43), e relata a construção da identidade de um adolescente, que vai ocorrendo por via da imagem que os outros fazem dele, pelas opiniões, muitas vezes maniqueístas, que o influenciam de forma determinante. Ao creditar a sua identidade à opinião dos outros, o garoto vai se tornando aos poucos um ser indiscernível, formado por recortes e fragmentos distintos, vindos de pessoas diferentes, com opiniões divergentes, chegando ao extremo de uma crise identitária.

Perdido em meio a essa profusão de opiniões, o protagonista (sem nome), começa a ser mal visto nos círculos nos quais transita, chegando a ser considerado “mentiroso, hipócrita, instável, doido” (VILELA, 1997, p.37). Perde a namorada e as oportunidades de emprego, além de adquirir o epíteto de “palhaço”, que lhe é atribuído ao final do conto, quando tenta um emprego em um circo. Porém, não consegue convencer o empregador, que após a sua demonstração, pergunta-lhe de onde tirara a ideia de que era um palhaço. Ao que ele responde: os “outros”, e o interlocutor sugere que, se ele acreditou em tal suposição, é realmente um “palhaço”.

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Vemos que nesse trecho há mais de um sentido para a palavra palhaço, e, mais adiante, veremos a diferença entre elas. Antes, porém, vejamos a abordagem que alguns outros autores deram à temática do espelho na Literatura Brasileira.

De forma resumida, no consagrado conto: “O espelho” (2006), de Machado de Assis, o protagonista, Jacobina, após receber várias honrarias e aplausos por ter se tornado alferes, se vê obrigado a ficar totalmente sozinho na casa da sua tia. Sem as adulações decorrentes do novo posto, ele não consegue ver a própria imagem refletida no espelho. Até que, após alguns dias, de muita angústia e ansiedade, decide colocar a farda e procurar novamente o seu reflexo. E, então, a imagem ressurge na sua totalidade, e Jacobina decide fazer isso todos os dias até o retorno dos moradores da casa, uma vez que só com a farda ele consegue ver-se no espelho. Diante disso, Jacobina conclui que a sua “alma exterior” passara a ser tudo o que dizia respeito ao seu posto e: “nada do que falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente; a outra dispersou- se no ar e no passado” (ASSIS, 2006, p. 13). Ou seja, sem as pessoas para lhe fazerem a corte pelo posto de alferes, o homem sentiu como se não existisse, não conseguia enxergar a própria imagem.

Pode-se dizer que Machado de Assis, como bom delator das vicissitudes humanas e da máscara social, procurou refletir em seu “espelho” o peso/ importância desta, sem a qual, o protagonista não consegue identificar o próprio reflexo no espelho.

Saltando muitas décadas em relação ao conto de Machado de Assis, temos o “Espelho” (1997), de José J. Veiga, no qual um narrador onisciente intruso (LEITE, 1985, p 26-27) divaga sobre o fato de que os escombros e os utensílios deixados numa casa em ruínas parecem conservar algo da essência dos seus antigos donos. E tal afirmação antecipa uma certa atmosfera fantástica no conto em questão. O espelho do conto de Veiga é encontrado por um saqueador numa casa abandonada, e logo depois, vendido para uma loja de móveis usados e revendido para um jovem casal que o compra “sem regatear”.

Os novos compradores põem-no na sala de visitas, atrás do sofá, e o objeto acaba se destacando na decoração, cuidadosamente planejada. O cômodo torna-se tão aconchegante que, em pouco tempo, o casal começa a dormir e a passar a maior parte do tempo ali, gostando do aconchego e da comodidade de verem-se refletidos no espelho.

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Todavia, a paz é quebrada quando, quase sem querer, a esposa questiona a ligação “exagerada” de ambos com aquele objeto, ao que o marido confessa um estranho acontecimento envolvendo o espelho. Ambos concluem que ele reflete o verdadeiro “eu” das pessoas, e não demora muito para que, sem tocarem mais no assunto, decidam retirar o objeto da parede, e tornar a vendê-lo para a loja onde fora comprado.

Nesse conto, a abordagem sobre o espelho é diferente, mais mística que a de Machado de Assis, começando com as considerações iniciais do narrador e passando pelo fato do casal sentir-se demasiadamente “atrelado” ao objeto, até desconfiar que este mostra o verdadeiro “eu” das pessoas, o que mexe com as suas “preocupações inconfessáveis” (VEIGA, 1997, p. 28-29) e faz com que resolvam livrar-se do espelho.

Assim, enquanto no primeiro conto o espelho funciona como uma espécie de substituto do “outro” (os parentes de Jacobina), resgatando a “segunda alma” do protagonista, que provêm do seu posto de alferes, e é superposta à primeira (a do homem); o espelho de J. Veiga carrega uma espécie de energia sobrenatural que lhe confere o poder de mostrar o verdadeiro “eu” das pessoas. De modo que, neste caso, o objeto passa a ser temido, e torna-se inconveniente para o casal que o adquiriru. Os personagens do conto de Veiga, como no de Vilela, não possuem nome, de modo que aquilo que ocorre com eles poderia ocorrer com qualquer um.

A temática do espelho, por ser um tema complexo, foi trabalhada por diversos autores, dos quais, tomaremos como último exemplo “O espelho” (2005), de Guimarães Rosa, uma vez que nele encontramos alguns subsídios úteis à análise do conto de Vilela. No conto de Rosa, há um narrador-protagonista (LEITE, 1985, 43) que resolve tornar-se um “perquiridor imparcial” de si mesmo no espelho. Um “caçador” do seu próprio “aspecto formal” (ROSA, 2005, p.42), com o objetivo de limpar a sua imagem de tudo o que fosse “contingente e ilusivo”, como o elemento hereditário, além de outros aspectos:

E, em seguida, o que se deveria ao contágio das paixões, manifestadas ou latentes, o que ressaltava das desordenadas pressões psicológicas transitórias. E, ainda, o que, em nossas caras materializa idéias e sugestões de outrem; e os efêmeros interesses, sem sequência nem antecedência, sem conexões nem fundura (ROSA, 2005, p.43).

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Na sua busca implacável, o protagonista do conto de Rosa deixa de comer, começa a ter dores de cabeça, e resolve, enfim, abandonar a investigação, deixando mesmo de se olhar em qualquer espelho durante meses. Então, um certo dia, decide mirar a sua imagem, novamente, e não se vê mais refletido no espelho. O que o deixa perplexo e aturdido, pois até os seus olhos, que eram os únicos imutáveis em sua figura, não estavam mais ali. Não havia mais nada.

Tanto dito que, partindo para uma desfigura gradualmente simplificada, despojara-me, ao termo, até a total desfigura. E a terrível conclusão: não haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma? Seria eu um...desalmado? Então, o que se me fingia de um suposto eu, não era mais que, sobre a persistência do animal, um pouco de herança, de soltos instintos, energia passional estranha, um entrecruzar-se de influências, e tudo o mais que na impertinência se indefine? Diziam-me isso os raios luminosos e a face vazia do espelho – com rigorosa infidelidade. E, seria assim com todos? [...] (ROSA, 2005, p.43-44).

No conto de Rosa, a questão da subjetividade parece ser levada à últimas consequências. Livre dos aspectos “contigentes e ilusivos”, o narrador, acaba chegando à conclusão de que a imagem é um eterno constructo.

Todavia, o que nos importa retomar do “Espelho” de Rosa são alguns questionamentos lançados no início da narrativa, e que também podem ser utilizados para a leitura do conto de Vilela, como por exemplo:

Fixemo-nos no concreto. O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refletem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente imudado, do qual lhe dão imagem fiel. Mas – que espelho? Há os “bons” e “maus”, os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade e fidedignidade? Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível? [...] E as máscaras, moldadas nos rostos? Valem, grosso modo, para o falquejo das formas, não para o explodir da expressão, o dinamismo fisionômico. Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando (ROSA, 2005, p.45).

Quando o narrador diz que é necessário saber de que espelho estamos falando, podemos transpor esse mesmo questionamento para a leitura do conto de Vilela, uma vez que, neste, o espelho são os olhos dos “outros”, e é exclusivamente por via destes que o personagem se vê, e de onde tenta construir (ainda que não obtenha êxito) a própria identidade.

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Se o texto de Rosa já traz o espelho de modo metafórico, no conto de Vilela, essa transposição do objeto para o “outro” como espelho torna-se bastante nítida, influenciando diretamente na imagem que o jovem protagonista tenta construir de si, que, neste caso, é uma busca pela própria identidade.

Assim, partindo da consciência de que: “Há os 'bons' e 'maus' espelhos, os que favorecem e os que detraem” (ROSA, 2005, p.45), pensaremos como ocorre a construção da imagem no conto de Vilela, a partir de uma relação de alteridade em que o outro serve como espelho, e quais as consequências e desdobramentos disso para o enredo em questão. Afinal, entre o espelho e a imagem, como cita Rauer Ribeiro Rodrigues, em seu artigo: “O motivo do espelho em contos de Aluísio Azevedo, Machado de Assis, Guimarães Rosa e Luiz Vilela”, “há reflexo e reflexão” (2012, p.157).

A sociedade e a construção da imagem

Imagem é percepção. Sua existência está condicionada ao olhar e à incidência de luz. É um registro visual do que se percebe. Portanto, é resultado de visualização construída segundo referenciais de uma realidade que a antecede e a inclui. Antes de tudo, para se consolidar e ser registrada, a imagem requer perspectivas concretas que a balizem e a configurem. É deste princípio que parte o conto de Vilela.

A cada novo encontro do protagonista com a sua imagem no espelho, vão se abrindo vastos campos de subjetividade, nos quais se encaixam críticas à sociedade, em em seu constante esforço em consolidar identidades. O protagonista, sem nome, sem referenciais, se perde numa profusão labiríntica de opiniões que, ao partirem do exterior para dentro de si, o indefinem, ao invés de trazerem-no à luz. Diante dessa indeterminação, a imagem muda a cada momento, e com ela, o modo de se enxergar a vida. É pela imagem que se personifica o sujeito no conto. E, pela importância atribuída a esta, faz-se da existência um grande simulacro, uma miragem.

No que se refere ao fato do sujeito personificar ou vivenciar pensamentos alheios, ou de terceiros, vale lembrar as considerações do teórico Mikhail Bakhtin, em seu livro “Estética da criação verbal”, que, após analisar personagens do escritor Russo Fiódor Dostoievski, afirma que: “o outro é também um eu” (2002, p. 112). Para o escopo deste artigo, valemo-nos de algumas considerações sobre a construção do eu,

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segundo a visão e a perspectiva do outro, que parece-nos a grande questão levantada pelo conto de Vilela.

Ao se reconhecer a importância do Outro, não se pode deixar de lado o fato de que ele é apenas um eu fora de mim, que me influencia e vice-versa. Um espelho que vê e fala. O que não se pode é aceitar a ideia de que o Outro cale, anule o eu, como acontece no conto Imagem: a sobreposição do Outro ao Eu do protagonista.

A questão da alteridade, nesse texto, suscita uma abordagem crítica à sociedade contemporânea, que é a sociedade da imagem, da aparência, da visibilidade. E nesta experiência do outro, Vilela coloca em evidência, não somente a construção do eu, do psiquismo desse eu (a imagem que esse eu- protagonista faz de seu corpo, sua mente, sua vida), mas acima de tudo, busca estabelecer uma imagem que o espelho nunca mostrará: aquela que está construída pela perspectiva desse Outro, com seus conceitos e preconceitos. O sentimento que o Outro manifesta para a construção de um Eu é o que Maurice Merleau-ponty define em, “O visível e o invisível” (2000), como “psiquismo do outro”, que diz respeito ao sentimento que o Outro tem sobre “a existência, através das aparências que o outro oferece” no campo visual (2000, p. 33).

Considerando as abordagens realizadas na primeira parte deste artigo, numa análise de alguns contos com a temática do espelho, pode-se afirmar que, ao contrário do que acontece nos demais, o conto “Imagem” tem no outro o seu espelho. E é nele que o protagonista busca confirmações psíquicas que os olhos não lhe fornecem. Essa alteridade, sobre a qual a trama se desenvolve, torna-se, a partir do conto, um dos pressupostos que define a interrelação social entre os homens, por uma superfície mais visível, mais notória, do que, muitas vezes, somos capazes de perceber na vida real.

Nesse aspecto, a temática ficcional de Vilela sonda a existência do eu individual, permitida ou constituída apenas mediante um contato com aquele que vê, e esta visão expandida segrega ou inclui os indivíduos, conforme a imagem resultante construída, uma vez que verdades subjetivas assumem posição crucial como se objetivas fossem. A atmosfera do conto aponta para a afirmação, diante do espelho, de sucessivos espaços da construção do eu sem valoração própria, visto que os valores sobre os quais o sujeito se faz são todos valores estabelecidos pelo outro.

Quando tratamos dessa relação entre o eu e o outro, faz-se necessário compreender que esse caráter binário cria no conto o clima de ambiguidade que permeia

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cada cena em que o protagonista busca, no espelho, enxergar o que o outro nele enxerga. Assim, pode-se dizer que a estrutura da narrativa em questão aponta para a construção do estigma em si, haja vista que permite uma análise da forma como o narrador e demais personagens (todos indefinidos, incontornáveis, sem nomes), ao conceituarem o eu em construção, definem quem terá o poder de construir a representação do outro – que acaba culminando na figura do palhaço, ao final do conto.

Mas por que palhaço? O que esta máscara representa, denotativa e conotativamente, dentro da sociedade moderna? A escolha desse símbolo parece corroborar com uma crítica à sociedade, em busca de uma identidade.

A representação do palhaço tem sido alvo de estudos, como a tese: O palhaço e a psicanálise: relações possíveis, de Ameli Gabriele Fernandes. Ao realizar um estudo sobre este símbolo social, Fernandes cita como primeira característica o fato de que “este personagem se constrói explorando a distância risível que há entre o ideal e o real” (2011, p. 32). Além disso, a autora afirma que: “ele não quer se curar de seus defeitos, mas, sim, rir deles” (FERNANDES, 2011, p. 32). Desse modo, a figura do palhaço representa, em muitos casos, segundo a pesquisadora, a personificação das imperfeições humanas, depois de seu significado léxico de ser uma figura engraçada. Entretanto, aliado a tudo isso, precede uma postura de defesa que o palhaço tem de si, diante dos outros: “tal como caçoar de si antes que os outros o façam” (FERNANDES, 2011, p. 33). Essa postura, segundo a estudiosa, é uma via de mão dupla. Trata-se de dizer ao público: “meus defeitos são esses, por acaso vocês são perfeitos?” (FERNANDES, 2011, p. 63).

Construída a imagem (de palhaço) falta que se consolide ou se construa, também, a identidade, mas, no conto de Vilela, isso não parece possível. O escritor dilui em seu conto a questão da formação identitária, aproveitando para tecer uma crítica à sociedade moderna como um todo. Enquanto em outros autores a imagem no espelho é tratada de forma mais objetiva, Vilela tira do espelho essa mesma imagem e a torna um domínio das ideias. Subjetiva a imagem, transforma-a em palavras. Em jogo de definições que indefinem. Por isso, no conto, esta identidade não está unicamente atrelada ao individual, mas ao que verdadeiramente se busca ser dentro de uma sociedade imagética.

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Esta mesma sociedade, pelo olhar do protagonista, que vai crescendo sem uma identidade, apresenta-se num quadro de plena crise identitária, ou seja, já não se sabe mais quem sou. Segundo Stuart Hall, em “Identidade cultural na pós-modernidade”, as velhas identidades fazem “surgir novas identidades e fragmentam o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado, num processo de plena 'crise de identidade'” (HALL, 1990, p.72). E é nesse contexto que a figura do palhaço pode ser entendida como a daquele que não se define segundo as normas gerais, que não se enquadra, que se torna elemento a ser excluído, um sujeito risível.

De certa forma, todos os quatro contos com a temática do espelho, aqui mencionados, abordam a questão da identidade. E esse sujeito risível do conto de Vilela pode ser visto como uma espécie de representação do próprio homem moderno, pois, como vemos em Hall, as “velhas identidades”, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, foram substituídas pela fragmentação identitária do indivíduo, “até aqui visto como um sujeito unificado” (HALL, 1990, p.7).

Assim, a imagem, enquanto constructo, enquanto obra humana, vincula o homem a si, ou fragmenta-o, uma vez que: “somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha” (HALL, 2001, p.75). Nesse sentido, pode-se dizer que o conto de Vilela consegue evidenciar, em sua estrutura, essa fragmentação identitária evidenciada com o modernismo e inquestionável na contemporaneidade.

O corpo visto no espelho

Pensando ainda na teoria do iceberg, proposta por Ernest Hemingway, em “Hemingway por ele mesmo” (1990), segundo a qual, apenas uma pequena parte do conteúdo do conto é aparente, pode-se dizer que, nesse enredo de Vilela, temos pouca coisa à superfície e a maior parte submersa. É também apropriado para esta análise o postulado de Hemingway de que o “não-dito prevalece sobre o dito, o sugerido ganha estatuto de fato consumado” (1990, p.34). Isto permite afirmar que a imagem traz em seu bojo muito do não dito no constructo identitário ao qual nos referimos até agora.

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