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4.2 Do art 237-A da Lei nº 6.015/73

4.2.2 Do posicionamento do Conselho Nacional de Justiça

A edição do já mencionado Aviso 421/2009 pela Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por meio de que determinou-se a aplicação do art. 237-A somente a incorporações imobiliárias realizadas no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida naquele Estado, ensejou a ativação dos meios judiciais por parte de quem não concordava com a restrição imposta.

Ainda naquele ano, o Sindicato da Indústria de Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro – SINDUSCON/Rio protocolou procedimento administrativo perante o Conselho Nacional de Justiça visando a promover o controle administrativo sobre o mencionado ato. Este procedimento, intitulado pedido de providências, recebeu o nº 000552575.2009.2.00.0000 e foi relatado pela Ministra Eliana Calmon, Corregedora Geral do CNJ.

A ministra relatora, após analisar o processo, votou em favor da anulação do Aviso 421/2009, por entender que a regra do art. 237-A da lei 6.015/73 seria aplicável a todas as incorporações, não somente àquelas empreendidas no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida. Segundo a min. Eliana Calmon, a Lei 11.977/2009 não trataria especificamente do PMCMV, mas sim de temas diversas, pouco importando que tal fato consista em atecnia.

Nesse sentido, deve ser observado que referida lei trata de algumas matérias de forma específica, tais como a desapropriação e o registro eletrônico, sem, entretanto, limitá- los ao âmbito do PMCMV. Ao contrário, atribuiu-lhes eficácia geral, tendo o legislador tratado de expressar as situações em que limitou a abrangência da norma, como no caso do art. 73-A da referida lei.156

Além disso, afirma a ministra que a competência exercida pela União ao editar a lei em comento está contida no art. 22, XXV, da Constituição Federal, que atribui a este ente federativo competência privativa para legislar sobre “registros públicos”. Não haveria, violação da competência constitucional de União, pois que o art. 237-A não trata de valor de emolumentos nem estatui isenção da cobrança de emolumentos, restando inaplicável a norma do art. 24, IV, da Constituição, bem como o art. 1º da Lei 10.169/2000, haja vista não se tratar de valor de emolumentos, mas de regra geral sobre registros públicos.

156 Lei 11.977/2009: “Art. 73-A: Excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS, os contratos em que o

beneficiário final seja mulher chefe de família, no âmbito do PMCMV ou em programas de regularização fundiária de interesse social promovidos pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, poderão ser firmados independentemente da outorga do cônjuge, afastada a aplicação do disposto nos arts. 1.647 a 1.649 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”.

Aduz ainda a ministra ao fato de que a interpretação atribuída pelo Aviso 421/2009 seria estritamente literal, decorrendo, em verdade da mera topografia da norma – sua inclusão em lei que, dentre vários outros objetos, trataria do PMCMV, não havendo qualquer justificativa semântica para que o mencionado dispositivo fosse interpretado restritivamente.

Deveria, ao contrário, ser utilizada a interpretação “histórica, sistemática e teleológica”, sendo de importante análise um dos tópicos da Exposição de Motivos Interministerial nº 33/2009/MF/MJ/MP/MMA/MCidades, tópico este que, por algum motivo, passou desapercebido aos defensores da interpretação restritiva:

30. No mesmo artigo 48 insere-se o artigo 237-A à Lei n.° 6.015/73, com o propósito de tornar homogênea a sistemática de cobrança de registros efetuados nas matrículas de empreendimentos imobiliários. Importa destacar que não há atualmente unicidade de tratamento no processo de abertura de matrículas durante a fase de incorporação. A maioria dos Estados abre uma única matrícula, fazendo os registros e averbações necessários nesta matrícula. Outros Estados possibilitam que os cartórios abram tantas matrículas quantas forem as unidades que comporão a incorporação. Neste caso, os registros e averbações e, conseqüentemente, suas custas, passam a ser multiplicados pelo número de matrículas abertas. Embora possa haver a argumentação de que os cartórios que abrem múltiplas matrículas têm custas de registro e averbação diferentes daqueles que abrem uma única matrícula, a falta de homogeneidade no procedimento possibilita a ocorrência de práticas de custos que podem onerar os empreendimentos.

Por estes motivos, entendeu a ministra-relatora que a norma do art. 237-A possuiria aplicabilidade geral, não se limitando aos empreendimentos realizados no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida. O voto foi no sentido de que o avisoque ensejara da querela fosse anulado, bem como que fosse realizado o “ENVIO DE RECOMENDAÇÃO a todos os Tribunais de Justiça para que apliquem o sentido e alcance do art. 237-A [...] não restrito ao âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida [...].”, com base no art. 8º, X, do Regimento Interno do CNJ.157

Percebe-se, portanto, que o entendimento exarado pelo Conselho Nacional de Justiça não possui nenhum poder vinculante relativo à atividade dos cartórios, resultando, em termos práticos, somente na anulação do aviso 421/2009 da Corregedoria do Tribunal de Justiça. Esse fato, anote-se, sequer impediu que os cartórios continuassem a adotar o posicionamento considerado equivocado.

157 Regimento Interno do CNJ: “Art. 8º Compete ao Corregedor Nacional de Justiça, além de outras atribuições

que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...]X - expedir Recomendações, Provimentos, Instruções, Orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares e dos serviços notariais e de registro, bem como dos demais órgãos correcionais, sobre matéria relacionada com a competência da Corregedoria Nacional de Justiça; [...]”.

O mesmo pode ser dito da segunda “medida” adotada: a simples recomendação para que os Tribunais de Justiça adotassem determinada posição não vincula sua atividade. Trata-se de mero conselho, orientação em determinado sentido, não surtindo efeitos gerais vinculativos.

Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal, em sede de Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº. 30.710, considerou que o CNJ, na decisão acima exposta, não determinou a adoção de nenhuma medida, tampouco uniformizou a questão. Pelo contrário, limitou-se a “veicular mera recomendação cujos destinatários são os Tribunais de Justiça e as Corregedorias locais”, não se revestindo a decisão de “caráter impositivo”. Por esse motivo, foi denegada a segurança.158

Dessa forma, apesar de o posicionamento acima haver sido exarado pelo Conselho Nacional de Justiça, carece a decisão de força vinculativa, pelo que deparamo-nos com situação em que, não obstante haver dois posicionamentos antagônicos, não há norma geral que torne homogênea a aplicação do art. 237-A.

Independentemente da resolução acadêmica da querela, um fato é inegável: a eventual existência de litígio entre um cartório que aplique o artigo em comento de forma limitada e um particular que discorde desta aplicação somente será resolvida caso a caso, dada a inexistência de norma geral a respeito.

Não obstante, cumpre expormos nossa opinião, analisado de maneira crítica os argumentos apresentados por ambos os lados.