• Nenhum resultado encontrado

Do Sono

No documento O CONFLITO DAS FACULDADES (páginas 128-131)

O que os Turcos, segundo os seus princípios da predestinação, dizem da sobriedade, a saber, que no princípio do mundo foi medida a cada homem a porção que comeria na vida e, se consumir em grandes quinhões a parte que lhe foi destinada, terá de contar com um tempo mais curto para comer, portanto para existir, pode igualmente, numa dietética, servir de regra, como ensinamento para crianças (pois, no gozo, também os homens serão, muitas vezes, tratados pelos médi- cos como crianças). Ou seja, desde o início, a cada homem foi me- dida pelo destino a sua porção de sono, e quem, na idade de homem, atribuir demasiado tempo da sua vida ao sono (mais de um terço) não pode prometer a si mesmo uma longa duração para dormir, i.e., para viver e envelhecer. – Quem concede ao sono, como doce fruição no dormitar (a siesta dos Espanhóis) ou como abreviação do tempo (nas longas noites de Inverno), muito mais de um terço do seu tempo de vida, ou o mede igualmente aos bocados (com intervalos), e não num trecho por cada dia, engana-se relativamente à sua quantidade de vida, quer quanto ao grau quer quanto à duração. – Ora, visto que só dificilmente um homem desejará não ter necessidade de sono em geral (donde se depreende que sente a vida longa como um longo tormento, pois na medida em que dormiu assim se poupou a suportar moléstias), convém mais, quer para o sentimento quer para a razão, pôr de lado este terço, vazio de fruição e de actividade, e deixá-lo à indispensável restauração da natureza; todavia com uma medida exacta do tempo em que deve começar e da sua respectiva duração.

____________

Entre os sentimentos mórbidos encontra-se o de não poder dormir no tempo determinado e habitual, ou também de não conseguir manter-

se acordado; mas sobretudo o primeiro: estender-se na cama com esse propósito e, no entanto, permanecer sem sono. – O conselho ha- bitual que o médico dá é o de expulsar da cabeça todos os pensamen- tos; mas estes, ou outros em seu lugar, regressam e mantêm acordado. Não existe nenhum outro conselho dietético a não ser que, na per- cepção ou consciencialização interna de qualquer pensamento que se agita, dele se desvie imediatamente a atenção (como se com os olhos fechados estes se virassem para o outro lado); graças à interrupção de todo o pensamento que se percepciona, surge progressivamente uma confusão das representações, suprime-se por ela a consciência da situação corporal (exterior) e sobrevém uma ordem inteiramente diversa, a saber, um jogo involuntário da imaginação (no estado são, o sonho) em que, em virtude da habilidade admirável da organização animal, se relaxa para os movimentos da animalidade, mas se agita intimamente para o movimento vital, e graças aos sonhos, que, em- bora deles nos não recordemos ao acordar, não podem todavia estar ausentes: pois, se de todo faltassem, se a força nervosa que parte do cérebro, sede das representações, não estivesse em consonância com a força muscular dos intestinos, a vida não poderia conservar-se um só instante. Por isso, é provável que todos os animais sonhem quando dormem.

Mas nem todo o que se estende na cama e se apronta a dormir conseguirá, por vezes, chegar a adormecer, não obstante todo o desvio mencionado dos seus pensamentos. Neste caso, sentirá no cérebro algo de espasmódico (convulsivo), o que igualmente se harmoniza bem com a observação de que um homem, ao acordar, tem cerca de meia polegada mais do que se tivesse permanecido na cama e apenas em estado de vigília. – Visto que a insónia é um defeito da velhice débil, e o lado esquerdo, olhado em geral, é o mais fraco26 , eu sen-

26 Alega-se de modo inteiramente erróneo que, no tocante à força no uso dos seus membros externos, importa apenas o exercício e um hábito cedo contraído, para fazer de um ou de outro lado do corpo o mais robusto ou o mais fraco; para manejar no combate o sabre com o braço direito ou o esquerdo, para que o cav- aleiro, apoiando-se no estribo, salte para o cavalo da direita para a esquerda ou

tia, há cerca de um ano, estes acessos convulsivos e excitações muito sensíveis deste género (embora não movimentos reais e visíveis das extremidades assim afectadas como espasmos), que, segundo a de- scrição de outros, tive de considerar como ataques de gota e ir à busca de um médico. Ora, devido à impaciência de me sentir incomodado no sono, depressa recorri a um meio estóico, esforçando-me por fixar o meu pensamento em qualquer objecto indiferente, por mim escol- hido, fosse ele qual fosse (por exemplo, no nome de Cícero, que continha muitas representações secundárias) e por desviar a minha atenção daquela sensação; depois, e até com rapidez, esta embotou- se e a sonolência levou a melhor; e a qualquer hora, em acessos periódicos deste tipo nas pequenas interrupções do sono nocturno, consigo repetir isto com resultado igualmente bom. Mas de que não se tratava de dores simplesmente imaginárias conseguiu convencer- me o rubor muito vivo dos dedos do pé esquerdo que se revelou na manhã seguinte. – Estou certo de que muitos ataques de gota, con- tanto que o regime da fruição não se oponha demasiado, mais ainda, cãibrase até acessos epilépticos (não só nas mulheres e nas crianças, que não têm semelhante força de resolução), mas também a podagra mal afamada como incurável, poderiam, em cada novo ataque seu, ser detidos por esta firmeza na deliberação (de desviar a sua atenção de tal sofrimento) e até, a pouco e pouco, suprimidos.

inversamente, etc. Mas a experiência ensina que quem, para os seus sapatos, deixa tomar o pé esquerdo como medida, se o sapato se ajusta exactamente ao pé es- querdo, é demasiado apertado para o direito, sem que se possa atribuir a culpa aos pais, que não teriam instruído melhor os seus filhos; a vantagem do pé direito sobre o esquerdo pode também ver-se no facto de que quem pretende passar por cima de um fosso bastante profundo, apoia o pé esquerdo e passa com o direito; caso con- trário, corre o risco de cair no fosso. Que o soldado de infantaria prussiano seja treinado a alinhar com o pé esquerdo não contradiz esta afirmação, mas antes a confirma; de facto, põe este pé à frente, como sobre um hypomochlium [calço de alavanca] para, com o lado direito, suscitar o ímpeto do ataque, que ele executa com o direito contra o esquerdo.

...

No documento O CONFLITO DAS FACULDADES (páginas 128-131)

Documentos relacionados