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4. DA SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA

4.1. Do Surgimento da Proteção Social

Para que possamos compreender como se deu o surgimento do modelo de proteção social, bem como os seus desdobramentos, em âmbito internacional e no caso específico do Brasil, torna-se primordial a realização de uma abordagem histórica acerca das principais correntes econômicas que vigeram, ou ainda vigem, e que tenham influenciado na propagação e também nos rumos do referido sistema.

O modelo em referência encontra-se atrelado aos direitos fundamentais sociais, cujo reconhecimento decorre de uma resposta às consequências advindas do liberalismo. Na vigência desta ideologia, havia o reconhecimento dos direitos individuais, isto é, aqueles classificados como de primeira dimensão, relacionados à ideia de liberdade, diferentemente dos sociais, classificados como de segunda

dimensão, atrelados à ideia de igualdade7. Inicia-se, então, um movimento que visava ao rompimento das ideias liberalistas, a partir de um paradigma de Estado que visava o bem-estar da população, e, para tanto, admitia a predominância de direitos de viés social. O esgotamento do welfare state, pelas razões que serão oportunamente exploradas, implicou no ressurgimento dos ideais político- econômicos liberais, agora intitulados neoliberais.

Passemos à análise das diferentes ideologias econômicas acima citadas, necessárias ao entendimento do surgimento do sistema de proteção social.

O liberalismo surge com o propósito de ruptura em relação ao passado absolutista, estabelecendo como finalidade do Estado a garantia da liberdade dos indivíduos, por meio da positivação de direitos de defesa, com os quais se visava essencialmente garantir uma não intervenção do Estado, preservando espaços de

7 No ensinamento de Ingo Sarlet (2012, p.31), “desde o seu reconhecimento nas primeiras

Constituições, os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, tanto no que diz com o seu conteúdo, quanto no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetivação”, e, ainda, “costuma- se, neste contexto marcado pela autêntica mutação histórica experimentada pelos direitos fundamentais, falar da existência de três gerações de direitos, havendo, inclusive, quem defenda a existência de uma quarta e até mesmo de uma quinta e sexta”.

autonomia dos cidadãos. São eles os direitos civis e políticos. Assim, a marca fundamental do Estado Liberal, nesse aspecto, foi a afirmação da liberdade individual negativa, através da adoção, pelo Estado, de um dever geral de abstenção na sociedade. (GOUVEIA, 2013)

Deste conjunto de concepções liberais, também resultou a adesão ao

princípio da separação dos poderes, conforme pensado por Montesquieu, cabendo a

cada esfera uma função do poder público. Nessa esteira, aos poucos foi sendo abandonado o princípio aristocrático e, no seu lugar, emergia o princípio

democrático, e, consequentemente, a lógica de governo representativo (GOUVEIA,

2013). A divisão dos poderes tinha como objeto precípuo servir de escudo aos direitos da liberdade e pode ser entendida como uma arma que se valeu a doutrina para combater sistemas tradicionais de opressão política, eis que antagônico à concentração do poder (BONAVIDES, 2004, p. 72). Referido princípio, no entanto, apresentava e ainda apresenta limitações, as quais não serão aqui estudadas, posto que impertinentes ao foco da pesquisa.

Como se vê, o liberalismo, que nasceu como um protesto contra os abusos do poder estatal, procurou instituir tanto uma limitação da autoridade quanto uma divisão da autoridade (MERQUIOR, 1991, p. 17). A primeira, pela positivação de direitos individuais, garantidores de liberdade; o segundo, a partir da divisão dos poderes do Estado.

Ocorre que, apesar de inscrever direitos individuais nas Constituições e tentar manter o controle quanto aos abusos de poder, conforme aponta Liberati (2013, p. 38), o ideário liberalista ficou marcado por um completo absenteísmo do poder político em relação às estruturas econômicas, ou seja, deixou de intervir no setor econômico, permitindo que a classe industrial e produtiva agisse sem qualquer controle estatal. Para Bonavides (2004, p. 188), o liberalismo não foi capaz de resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise.

Frente às consequências sociais decorrentes da implementação do modelo político-econômico liberal, referentes, especialmente, ao agravamento da questão operária, passam a ser reconhecidos os direitos fundamentais de segunda dimensão e inicia-se a prática de forte intervencionismo estatal (SERAU JUNIOR,

2012, p. 27). Assim, o Estado de Bem-Estar Social, Welfare State ou Estado Social, decorre da intensificação dos conflitos sociais gerados pelo esgotamento do liberalismo econômico e do abstencionismo estatal (SIMÕES, 2013, p. 284).

Os direitos de viés social, e, particularmente, os sistemas de seguridade social, foram, pouco a pouco, recebendo status constitucional. A proteção social passa a ganhar novos contornos, os quais, segundo Pereira (2016, p. 23), decorrem principalmente da insuficiência dos mecanismos de proteção indiferenciada diante da insegurança social produzida pelas novas formas de exploração do trabalho industrial e do apogeu do movimento operário que pressionava o Estado por melhores condições de vida e de trabalho na perspectiva de direitos. Surgem, assim, as medidas protetoras voltadas para os riscos associados aos trabalhadores formais, e, posteriormente, para outros segmentos sociais (PEREIRA, 2016).

Pereira (2016, p. 25) aponta que o Estado de Bem-Estar Social tinha o propósito de manter o capitalismo a salvo das crises estruturais inatas a esse modelo de produção, mascarando, pois, sua real finalidade de se preservar e expandir. Para Costa (2010, p. 32), essa nova concepção de Estado não se tratou de uma política de outorga de direitos, simplesmente, mas resultado de uma fase do capitalismo em que ele se autodestruiria, pelas contradições que apresentara, ou, como ocorreu, ele estenderia alguns dos direitos às classes subalternas, como o pleno emprego e a previdência e assistência sociais, de modo a retroalimentar-se e, assim, continuar sua trajetória.

Ocorre que, acompanhando as oscilações inerentes ao desenvolvimento capitalista, uma nova mudança de rumos e de expectativas entra em cena por meados de 1970, em detrimento dos avanços no campo da proteção social, especialmente no que diz respeito aos direitos conquistados, com a hegemonia de um novo modelo socioeconômico denominado neoliberal (PEREIRA, 2016, p. 27).

O credo neoliberal foi ganhando força e espaço em praticamente todos os Estados regidos pelo modo de proteção capitalista, impondo, consequentemente, a regressão da proteção social como direito (PEREIRA, 2016, p. 29; 30). Conforme aponta Costa (2010, p. 28; 30), políticas públicas, em especial de previdência social, acabam representando um grande desafio em um Estado fragilizado pela globalização, cujas receitas estão cada vez menores e onde o neoliberalismo

vigente apregoa a privatização dos segmentos sociais. Para o autor, essas ideias neoliberais pretendem retornar às raízes do laissez-faire, além de que as funções elementares até então exercidas pelo Estado começam a ceder lugar à iniciativa privada.8

4.2. Contraposição entre os Princípios da Proibição de Retrocesso