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Do território à multiterritorialidade: os múltiplos usos das segundas

Mapa 16: Rede TUCUM

1.3 Do território à multiterritorialidade: os múltiplos usos das segundas

O território se destaca, na atualidade, como um conceito que “retorna” ao centro dos debates nas Ciências Humanas e na agenda governamental. Em sintonia com as discussões acadêmicas, várias políticas públicas tratam do território (BRASIL, 2005; ARAÚJO, 2008), conceito este cujo entendimento passa a ter maior capacidade de apreender as relações de poder que se manifestam no espaço geográfico, nas múltiplas escalas e dimensões de análise (naturalista, política, econômica e cultural).

O território sempre teve na Geografia uma forte conotação política e naturalista, herdada das contribuições de Ratzel e do seu pioneirismo em vincular o “solo” (espaço físico, ambiente ou território) ao Estado, “determinando” uma relação de dependência deste em relação àquele. Para Ratzel (1983, p. 94-96), “[...] o Estado não pode existir sem um solo. [...] A tarefa do Estado, no que concerne ao solo permanece sempre a mesma em princípio: o Estado protege o território contra os ataques externos que tendem a diminuí-lo”.

Ao superestimar a importância do território para o desenvolvimento do Estado-Nação, Ratzel foi responsabilizado (com certo exagero!) por “naturalizar” a Geografia Política e também o território. Suas ideias alimentaram algumas teses expansionistas e beligerantes, provocando, consequentemente, um abandono das análises espaciais da política e do conceito de território29.

Após décadas sendo preterido pela categoria espaço30 (que se tornou objeto da Geografia Crítica), o território ressurge no debate das Ciências Humanas a partir das novas leituras sobre o poder (FOUCAULT, 1984;

29 Essa fase da história e da evolução do pensamento geográfico testemunhou o desenrolar

das duas guerras mundiais, período no qual a conquista do território era o objetivo supremo de um Estado para assegurar seu domínio e poder. Foi a era da conquista territorial que o sociólogo Zygmunt Bauman (2001, p. 132) chamou de “modernidade pesada” – a modernidade obcecada pelo volume, do tipo “quanto maior melhor”, “tamanho é poder, volume é sucesso” – em oposição à atual “modernidade líquida”.

30

Segundo Claval (1999, p. 7), “os geógrafos dos anos sessenta atribuíram tudo ao espaço. Hoje em dia, eles falam mais comumente de território. Essa mudança reflete em parte os debates epistemológicos internos à geografia. Ela é, sobretudo, testemunha de uma profunda transformação do mundo, e de uma mutação correlata das maneiras de compreendê-lo”.

BOURDIEU, 1989), ou melhor, sobre os “poderes” (material e simbólico) que emanam das relações e instituições sociais que regulam a vida cotidiana.

Dentre as novas leituras, crescem, nos últimos anos, as de inspiração fenomenológica, humanista e cultural que discutem como a identidade, o cotidiano, o simbolismo e as representações sociais estabelecem nexos com o espaço (já que ele é sempre uma referência importante!) na construção das territorialidades ou das identidades territoriais. Essas leituras também têm permitido uma maior aproximação da Geografia com a Filosofia e as demais Ciências Humanas, conforme pode ser observado nos trabalhos de Claval (1999), Hiernaux (2005a) e Haesbaert (1999; 2007a).

Raffestin (1993) foi um dos principais geógrafos31 a propor, numa perspectiva relacional (política, econômica e cultural), uma discussão do território que considere as múltiplas dimensões e escalas de poder através das quais os grupos sociais dominam e se apropriam de uma determinada porção do espaço.

Território e espaço não são sinônimos e Raffestin (1993, p. 143) deixou clara essa diferença ao afirmar que “o território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...], o ator „territorializa‟ o espaço”.

Assim, o espaço tem uma conotação mais generalista que o território, embora o primeiro não deva ser apenas entendido como o substrato do segundo – visão essa “estreita” e expressa acima no conceito de Raffestin. Como bem destaca Lefebvre (1991), o espaço é sempre um produto social e uma construção social complexa, baseada em valores e na produção social de sentidos. Dominado e apropriado pela sociedade, o espaço socialmente construído tem a natureza como condição concreta da produção social e um caráter político que revela as suas contradições.

31 Sem dúvidas, foi o suíço Claude Raffestin quem mais influenciou os geógrafos brasileiros a

fazerem uma releitura do conceito de território nas últimas décadas, sobretudo através da sua obra Por uma Geografia do Poder. Mas, não podemos deixar de registrar, nesse período, as contribuições de Jean Gottman, Robert Sack e Giuseppe Demmateis, cujas obras foram analisadas por Haesbaert (2006) e Saquet (2007).

Ao também exaltar esse espaço-processo, socialmente construído, Rodrigues (2008, p. 41) sintetiza as suas diferenças em relação ao território:

A sociedade ao atuar no espaço, incorpora-o à sua própria dinâmica, porém o território não é apenas produto que resulta da ação humana sobre o espaço, agregando-lhe valor. Ao mesmo tempo em que a sociedade transforma o espaço em território, transforma-se a si mesma, através de um processo contínuo e dialético. Assim, o território assume um peso, um caris, uma identidade [...].

A Geografia do Poder de Raffestin (1993) propunha ir além de uma

Geografia do Estado (atrelada a Ratzel), “libertando” o território de uma visão restrita à delimitação das fronteiras do “território nacional”. Com essa abordagem, as escalas de análise se ampliaram, incorporando ao território outros temas e dimensões de análise – dos microterritórios das prostitutas, camelôs e taxistas aos macroterritórios do narcotráfico, empresas multinacionais e grupos terroristas.

As territorialidades cíclicas e móveis (SOUZA, 1995) também trouxeram uma riqueza de situações para a análise geográfica que passou a incorporar outras referências de tempo e espaço. O território ainda se “elasteceu” das áreas e zonas contíguas (rigidamente marcadas pelas fronteiras) para os pontos e linhas que formam as redes e articulam múltiplos territórios em diversas escalas.

Toda essa complexidade dos territórios ganhou força no último quartel do século XX quando a “sociedade informacional, global e em rede” (CASTELLS, 2002) fez erigir uma multiplicidade de poderes que tem resultado em novos processos e usos do território, assim como à profusão de conceitos e/ou metáforas como “fim dos territórios”, “desterritorialização”, “desenraizamento”, “reterritorialização” e “multiterritorialidade”.

Entender esses novos processos e usos do território é um desafio que nos colocamos no presente trabalho, motivados pelas existências contemporâneas que permitem à sociedade experimentar, mais intensamente, uma pluralidade de territórios ou uma multiterritorialidade.

Sem desprezarmos a importância de outras atividades (como as operações financeiras, os transportes, as telecomunicações, o comércio etc.), delimitamos o lazer e o turismo em segundas residências como recortes empíricos para as reflexões sobre o território e a multiterritorialidade.

Convém esclarecermos que entendemos o território na sua acepção ampla, ou seja, como “[...] um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 2003, p. 78). Poder esse aqui considerado no sentido multidimensional, que tem uma dupla conotação, material e simbólica, como indica Haesbaert (2006, p. 79): “[...] o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente cultural”.

Uma primeira correlação com o conceito de território, já nos permite identificar que as segundas residências tanto geram um vínculo material (da posse de uma “outra” fração do território além daquela já ocupada pela primeira residência) quanto diversas representações simbólicas (status social, poder econômico, paz, isolamento, oportunidade de reencontro da família e da natureza perdida na cidade).

O território é adotado aqui como um conceito híbrido e relacional que traz a possibilidade de explicar o mundo atual a partir de uma releitura dos seus significados (tal como expressa a multiterritorialidade!) ou mesmo da associação com outros conceitos, como turismo, migração, mobilidade, multirresidencialidade, turismo residencial etc.

Este direcionamento teórico-metodológico segue as sugestões de Haesbaert (2007a, p. 37-38) que ressalta:

[...] As concepções de território capazes de responder melhor pela realidade contemporânea devem superar os dualismos fundamentais: tempo-espaço, fixação-mobilidade, funcional e simbólico. Por isso propomos ver o território a partir da(s):

- Perspectiva que valoriza as relações e os processos: o território num sentido relacional e processual (devendo-se mesmo falar mais em processos de “territorialização” do que de território como entidade estabilizada);

- Múltiplas temporalidades e velocidades nas quais ele pode ser construído, desde os territórios como fixidez e estabilidade até aqueles mais móveis e flexíveis;

- Conjugação entre ou num continuum que se estende desde os territórios mais funcionais até aqueles com maior carga (ou poder) simbólica(o).

No caso das segundas residências, podemos dizer que o território compreende um campo de forças que abriga e condiciona a ação dos visitantes, empresários, Poder Público e população receptora. Ele é apropriado e usado32 por todos esses atores em cooperação ou em conflito de interesses. A apropriação do território tanto o converte em mercadoria através da venda de casas e apartamentos para os turistas; quanto em moradia ocasional, espaço de descanso e de identidade para visitantes e nativos.

Atualmente, o aumento e a diversidade de usos das segundas residências intensificam a territoritorialização, ou melhor, a multiterritorialidade (entre a primeira e a segunda residência) como um processo que integra de forma concomitante a desterritorialização e a reterritorialização.

Haesbaert (2008, p. 401) nos lembra de que “sempre vivemos uma multiterritorialidade”. Mas, hoje, ela se impõe num ritmo nunca antes visto, sobrepondo em um mesmo espaço, uma heterogeneidade de tempos e territórios. Áreas ou zonas contínuas que caracterizam as sociedades tradicionais são, cada vez mais, “atravessadas” ou “conectadas” por fluxos de informações e ações que demarcam os territórios-rede. Esses predominam nas sociedades modernas, baseados numa geometria de polos e fluxos que não depende, necessariamente, de uma contiguidade físico-zonal.

As inovações dos transportes e das comunicações, responsáveis pela compressão espaço-tempo, definem territórios-rede descontínuos e dotados de uma maior carga de imaterialidade que se manifesta, especialmente, no espaço virtual (ciberespaço) - o que não deve, em absoluto, ser confundido

32 Nos últimos trabalhos, Milton

Santos associou o adjetivo “usado” ao conceito de território, ressaltando, com este, “[...] a interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ação humana, isto é, o trabalho e a política” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 247). Embora a expressão “território usado” busque reforçar o caráter “impuro” do território, ela nos parece redundante, pois entendemos o uso como uma característica intrínseca do processo de territorialização.

com o discurso da aniquilação do espaço pelo tempo, já que estas são esferas indissociáveis. Nesse sentido, Massey (2008, p. 139) faz um importante alerta:

O espaço é mais do que distância. É a esfera de configurações de resultados imprevisíveis, dentro de multiplicidades. Isto considerado, a questão realmente séria que é levantada pela aceleração, pela „revolução nas comunicações‟ e pelo ciberespaço não é se o espaço será aniquilado ou não, mas que tipos de multiplicidades (padrões de unicidade [uniqueness]) e relações serão co-construídas com esses novos tipos de configurações espaciais.

E são exatamente esses “tipos de multiplicidades e relações” com o território que tentaremos apreender com o estudo dos novos usos das segundas residências por turistas estrangeiros, tomando como aporte o conceito de multiterritorialidade proposto por Haesbaert (2006) que, em certo sentido, aproxima-se do que Massey (2000) denomina de “um sentido global de lugar”.

Avião, TV, telefone e internet são alguns dos objetos técnicos que ampliam e complexificam as territorialidades contemporâneas, articulando espaços materiais e imateriais, áreas e redes, através da multiterritorialidade. Haesbaert (2006, p. 338) ainda esclarece que a multiterritorialidade é:

[...] a forma dominante, contemporânea ou “pós-moderna”, da reterritorialização, a que muitos autores, equivocadamente, denominam desterritorialização. Ela é conseqüência direta da predominância, especialmente no âmbito do chamado capitalismo pós-fordista de acumulação flexível, de relações sociais construídas através de territórios-rede, sobrepostos e descontínuos, e não mais de territórios-zona, que marcaram aquilo que podemos denominar modernidade clássica territorial. O que não quer dizer, em hipótese alguma, que essas formas mais antigas de território não continuem presentes, formando um amálgama complexo com as novas modalidades de organização territorial.

É esse “amálgama complexo” de territórios (zonas e redes) que, de certa forma, também resulta na produção do que Santos (1997) denomina de “horizontalidades e verticalidades”. Simplificando tais concepções, podemos dizer que as horizontalidades configuram os territórios-zona, marcados pela contiguidade, por pontos que se agregam sem descontinuidade. Já as verticalidades demarcam os territórios-rede através de polos e fluxos que asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia. Esses novos recortes do território buscam elucidar como a apropriação do espaço ocorre

atendendo aos interesses de ordens globais (solidariedades organizacionais) ou de ordens locais (solidariedades orgânicas), estas últimas na perspectiva de valorização das pessoas e dos lugares onde vivem.

Nos espaços turísticos, as zonas e redes, as horizontalidades e verticalidades, vão dar origem a múltiplos territórios dominados/apropriados por lógicas aparentemente opostas, como demonstrado por Rodrigues (2003; 2008) ao contrapor a “proposta economicista” à “proposta humanista” na produção dos territórios turísticos.

A primeira proposta também é denominada pela Autora de “modelo tecnocrático-hegemônico” que está subordinado a um sistema reticular de fluxos, “típico” dos territórios-rede. Esse modelo se pauta na lógica de instalação dos megaempreendimentos turísticos que definem des-re- territorializações nos locais onde se instalam com consequentes impactos sociais e ambientais – como analisaremos adiante sobre os condoresorts que se difundem no Nordeste brasileiro.

A “proposta humanista” se pauta no exercício das horizontalidades, na solidariedade orgânica dos territórios-zona mais tradicionais, onde convivem os veranistas e as populações receptoras que desenvolvem diversas experiências com o turismo de base local.

É evidente que esses “modelos” de análises territoriais elaborados por Haesbaert, Santos e Rodrigues não se baseiam em recortes dicotômicos e estanques do espaço. Eles são imbricados e complementares, sendo didaticamente separados apenas como tentativas de “dissecar” a realidade em movimento. Por isso, vale lembrar que os veranistas também geram impactos e conflitos nos territórios-zona onde se instalam, mesmo que inferiores aos provocados pelas vastas zonas/redes que articulam o turismo residencial.

Em que pesem as limitações frente à dinâmica do real (que é sempre fugidio aos “aprisionamentos” científicos), sintetizamos na Figura 2 abaixo as propostas dos três autores supracitados que servem de marco teórico para entendermos como as segundas residências engendram múltiplos usos do território pela sociedade, ou seja, uma multiterritorialidade.

Figura 2: Proposta de análise das segundas residências

Organização: Lenilton Assis, 2011.

Defende-se, na Figura 2, que é fundamental, na análise atual das segundas residências, compreender as ambivalências entre os velhos e novos usos dos territórios, entre as tradicionais “zonas” de veraneio e as modernas “redes” que alimentam a expansão do turismo residencial. Parte-se do pressuposto de que a lógica zonal não descarta a reticular e vice-versa. Elas são faces da mesma moeda (diferentes e complementares) e integram os sujeitos, as redes e seus territórios num enfoque “totalizante” da multiterritorialidade.

Não enfrentar esse debate específico e abrangente que a segunda residência, há muito, requer é abrir mão de explorar o potencial explicativo que o conceito de multiterritorialidade oferece, já que tanto envolve uma multiplicidade de territórios (zonas e redes) imbricados em um mesmo espaço, quanto uma conexão de múltiplos territórios através dos nós e dutos das redes físicas e/ou informacionais.

Essa trama das redes e dos territórios leva Saquet (2007, p. 161) a afirmar que “há redes de territórios e territórios em redes, territórios nas redes e redes no território num único movimento”. As redes são virtuais, mas também reais. São técnicas, assim como sociais (SANTOS, 1997). Elas são “entidades de circulação” (URRY, 2008) com múltiplas conexões que envolvem padrões complexos de imediata presença e intermitente ausência à distância.

[...] A ideia da rede certamente ilumina um aspecto importante da realidade – chama a atenção para a complexidade das interações espaciais, resultantes do conjunto de ações desencadeadas em lugares mais ou menos longínquos. Assim, a rede representa um dos recortes espaciais possíveis para compreender a organização do espaço contemporâneo (DIAS, 2005, p. 23).

Lévy (2001, p. 2) chama a atenção para os novos espaços da mobilidade onde “várias redes se imbricam, como também redes (topológicas, que criam a descontinuidade) com territórios (topográficos, que engendram a continuidade)”.

No turismo (enquanto uma prática social que promove o aproveitamento do tempo livre através das viagens, estadias e consumo), o par território/rede é indissociável, já que o planejamento e a viagem “partem” de um determinado território (tendo outro “em mira” como destino) através do acionamento de uma série de redes de comunicação (seleção do pacote, reservas de passagens, hospedagem etc.) e transporte (carro, ônibus, metrô e avião). Estes espaços lacunares (entre a origem e o destino) são feitos de polos e fluxos, onde os indivíduos ou grupos sociais também podem estabelecer uma apropriação (no sentido mais simbólico de identidade), criando “territórios no movimento” ou “pelo movimento”. Haesbaert (2006, p. 279) ressalta que:

Talvez seja esta a grande novidade da nossa experiência dita pós- moderna, onde controlar o espaço indispensável à nossa reprodução social não significa (apenas) controlar áreas e definir “fronteiras”, mas, sobretudo, viver em redes, onde nossas próprias identificações e referências espaço-simbólicas são feitas não apenas no enraizamento e na (sempre relativa) estabilidade, mas na própria mobilidade [...].

A rede pode e deve ser vista como um elemento constituinte do território (quando não um território), como um componente têmporo-móvel que conjugado com a zona/superfície territorial, ressalta seu dinamismo e

movimento. O que não se pode olvidar, como adverte Santos (1997; 2002), é que onde as redes existem, elas não são uniformes. Elas constituem apenas uma parte do espaço e o espaço de alguns.

Por mais que integrem territórios longínquos, do local ao global, as redes são seletivas, “portadoras de ordem e desordem” como afirma Dias (2003, p. 154):

À escala planetária ou nacional, as redes são portadoras de ordem – através delas, as grandes corporações se articulam, reduzindo o tempo de circulação em todas as escalas nas quais elas operam; o ponto crucial é a busca de um ritmo, mundial ou nacional, beneficiando-se de escalas gerais de produtividade, de circulação e de trocas. Na escala local, estas mesmas redes são muitas vezes portadoras de desordem – numa velocidade sem precedentes engendram processos de exclusão social, marginalizam centros urbanos que tirava sua força dos laços de proximidade geográfica e alteram mercados de trabalho.

Os espaços apropriados pelo turismo, geralmente, são descontínuos, mas interligados por redes técnicas e sociais (rodovias, aeroportos, comunicações, movimentos de trabalhadores, visitantes etc.) que estabelecem relações entre diferentes territórios, formando, assim, territórios-rede ora definidos pela articulação de áreas mais ou menos contínuas e homogêneas (lógica zonal), ora por espaços entrecortados onde predomina o controle dos fluxos e dos polos de conexão (lógica reticular). Deste modo, os territórios-rede podem ser reais e virtuais, amplos e retráteis, estáveis e, ao mesmo tempo, móveis. Na sua essência, eles são dinâmicos, meio e condição da intensa mobilidade que redefine a relação espaço-tempo no presente.

Vale ressaltar que redes e zonas formam um par dialético, complementar e concorrencial. A lógica reticular dos territórios-rede estabelece justaposições e/ou sobreposições sobre a lógica dos territórios tradicionais (territórios-zonas), mas nunca uma relação dual ou dicotômica. Por isso, adotamos doravante a assertiva de Haesbaert (2006, p. 286) para quem território-rede e território-zona são “referenciais teóricos, espécies de „tipos ideais‟ que não são passiveis de ser identificados separadamente na realidade efetiva”.

Acreditamos que a configuração do território-rede é a melhor tradução da multiterritorialidade que envolve o turismo na atualidade. Ela abarca as múltiplas lógicas de territorialização implementadas pelos agentes sociais que produzem o espaço, ou melhor, o território turístico: veranistas, turistas, empresários, Poder Público, trabalhadores e população local.

A produção e imbricação dos territórios-rede com os territórios-zona dá margem ao surgimento de espaços residuais que Haesbaert (2006, p. 306) denominou, a princípio de aglomerados de exclusão33, depois como reclusão

territorial34 e, mais recentemente, de contenção territorial, para designar o

caráter sempre parcial, provisório e paliativo dos „fechamentos‟, especialmente dos grupos subalternos, na restrição a sua mobilidade compulsória em busca de melhores condições de vida (HAESBAERT, 2009).

De forma análoga, podemos dizer que as segundas residências ao mesmo tempo em que definem territórios-zona pela posse da primeira habitação e das casas de praia/serra da classe média local, também produzem os territórios reticulares em domicílios e condoresorts construídos, primordialmente, para os turistas internacionais, os quais criam, de forma mais