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O que tenho feito na educação de surdos é pensar o tempo todo em novas possibilidades, juntamente com o grupo de professores, possibilidades de alfabetização, de aprendizagens, de tornar os estudantes independentes. Que em seu ritmo, possam andar com suas próprias pernas. Mas sem correr contra o tempo, sem pressa ou desespero, respeitando seus tempos, construindo nossas subjetividades. “Ao contrário do que aparenta, a lentidão- ou a detenção, a pausa- pode ser considerada uma virtude em meio a tanta pressa, a tanta mutação, a tanta adoração à divindade das mudanças e das transformações”. (SKLIAR, 2004)

95 O tempo, sobre dar tempo, respeitar os tempos e acalmar nossa ansiedade, deixar o relógio desligado, o calendário letivo também, o cronograma precisa ser refeito a cada encontro. O que inicialmente foi desesperador, agora tem me trazido calma, o silêncio é desejo, o tempo é vasto, vamos aos poucos, retornamos muitas vezes, quando alguém parece estar perdido no caminho que traçou. Para Skliar a única relação possível entre ensinar e aprender é a de “oferecer signos que os outros decifrarão no seu próprio tempo e do seu próprio modo. Signos talvez comuns, mas apreciados de modos diferentes, em tempos diferentes, em outros tempos.”

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97 A noção de experiência de si em Larrosa (1994, p. 83) diz respeito a uma experiência que “não depende nem do objeto nem do sujeito”, mas da relação entre eles que fabrica ambos. Larrosa sugere que a pessoa é o modo como se relaciona com seu duplo, um conjunto de relações consigo mesmo estabelecidas a partir da fabricação e captura do duplo.

Segundo Foucault (1994), entender que tomamos por verdade temas construídos, fabricados em um momento particular da história, nos dá a possibilidade de desconstruí-lo. Ao desconstruir uma verdade, damos espaço para outras formas de pensar e de agir, para que outras verdades sejam construídas e, por sua vez, contestadas.

Assim, nesta dissertação compartilho

FraGmEntOs

de

MoMeNtOs

ViVidOs

e falo da

ExPeRiÊnCiA

que me

aFeTa

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tOcA

. A intensidade que se move nesses encontros com o outro. A alteração de minha cronocepção após inteirar-me no ‘território outro’, o insistir na experiência em oposição à mera informação, o que mais difere a educação de surdos da educação regular, a valorização e o tempo dado à experiência.

O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa o tempo buscando informação, o que mais lhe preocupa é não ter bastante informação, cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de ‘sabedoria’, mas no sentido de estar informado), o que consegue é que nada lhe aconteça. (LARROSA, 2004, p. 154).

O sujeito da informação é reflexo da cobrança pelo argumento e pela crítica, que é muito frequente na atualidade, parece absurdo, principalmente atuando como docentes, admitirmos não saber emitir julgamento sobre alguma situação, conceito ou discussão. Somos cobrados a opinar, a ter ‘domínio’ de todas as informações referentes

98 a nossa área de ensino. E quando pensamos a prática em sala de aula, precisamos uma receita infalível, onde todos consigam fazer o mesmo trabalho. Fugas não são bem vistas dentro de uma educação majoritária. Mas o que tenho feito é insistir em formas de resistência, no viés de uma educação menor, que não se opõe diretamente, mas que busca escapar por brechas, produzir fissuras, questionar o que está posto, e inventar possibilidades na educação. O Coser, mesmo sendo a forma de ensino institucionalizada, me permitiu fazer estes movimentos.

O silêncio, o inquietante silêncio que encontrei ao deparar-me com a surdez, a angústia em não conseguir comunicar com a minha linguagem e entender a deles, ao não compreender o que suas mãos diziam.

Que outro

espaço educativo opera com o silêncio?

Confesso que nunca me atraíram os gritos estridentes durante o intervalo nos turnos de anos iniciais nas escolas regulares, mas ao chegar no Cóser me deparo com a situação contrária, um silêncio, que inicialmente, me foi algo incômodo.

Por que o silêncio não pode ser vivido de

forma leve, como forma de gozo? Por que nos inquieta o silêncio na educação?

Se quando na educação regular pedimos silêncio diversas vezes..

O que isso produziu em mim,

DoCeNtE PATETA ApReNdIz

? Primeiramente causou um processo de desaceleração de meu corpo e de minha mente, em meio a tanta correria, dando conta de mais outras três escolas, ali me obrigava a desacelerar, ouvir o silêncio, buscar estratégias de comunicação, e observar cada expressão e cada gesto, modifiquei meu olhar, meus olhos hoje são mais atentos, meus ouvidos mais irritados, ruídos têm me

99 incomodado mais que antes, tenho preferido, em casa, o silêncio, a calmaria. Minhas mãos que antes não tinham coordenação alguma, talvez por pressa, agora constroem gestos claros e de fácil compreensão.

O silêncio sempre foi parte de mim, na infância, em ambientes que não fosse a casa de meus pais não pronunciava palavra alguma, sempre preferi ouvir e observar, falar, emitir opiniões, oralizar questionamentos sempre foi algo muito frustrante, quando obrigada fazê-lo na escola era torturante, o corpo tremia todo, a voz mal saía, as poucas palavras vinham com uns gaguejos, e assim, por essa dificuldade procurei, sempre que obrigada a falar, ser o mais breve e objetiva possível. Porém, ao atuar como docente, senti-me obrigada a falar, argumentar e desenvolver a fala em turmas diferentes, algumas agitadas, outras calmas e quietas, assim, fui me produzindo docente, uma docente ativa, sempre buscando algo, sempre insatisfeita.

Já no Cóser, o processo foi o contrário, senti a necessidade de desacelerar e sentir, acalmar e aprender uma nova língua, aprender a conviver, aprender olhar, e conviver novamente com o silêncio, mas um silêncio diferente, um silêncio que não causava calmaria.

A experiência, a possibilidade de que algo nos passe ou nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2004, p. 160).

100 Segundo Larrosa (2004) o sujeito da experiência não é um sujeito que permanece sempre em pé, ileso e ereto, inabalável e seguro de si, nem mesmo um sujeito que alcança aquilo que se propõe, nem um sujeito que se define por seus sucessos apenas, “mas um sujeito que perde seus poderes precisamente porque aquilo do qual faz experiência se apodera dele” (p.163). O sujeito que se aflige e que sonha com o olhar daqueles com quem não consegue laborar uma linguagem, com aqueles onde não há um entendimento. O sujeito que se permite sentir o ‘outro’.

EsCuTaR CaLaR RItaRdaR OlHaR

AcEiTaR

SeNtiR

SeNTiLhaR

EscutiR

CalaSenTilLhaR

SiLenCiAmAr

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ConSideRaÇõEs PrOviSóRiaS

Ao BioGraFeMaR a experiência educativa no Cóser, ensejei pensar a docência em Artes Visuais, discorri sobre algumas especificidades acerca da surdez, o território constituído pela comunidade surda, a linguagem e suas possibilidades inventivas durante tentativas de comunicação, a educação de forma institucionalizada e sua relação com as políticas de inclusão de acordo com as filosofias da diferença.

Pensei a educação como forma de resistência, a partir de uma educação menor (Gallo, 2002), assim, reconheço a importância da instituição de ensino bilíngue, a valorização de uma educação que se dá pela experiência, que não corre atrás do relógio, que se permite esperar, vivenciar, viver.

Nestes percursos, a partir dos quais problematizei a educação e a vida, trouxe recortes de momentos vivos na memória, relatos feitos no diário de campo, fotografias, frases soltas, palavras, gestos descritos em frases, afetos, amores, dores, angústias, saudades, silêncios.

Mas afinal, o que passou? Que territórios descobri? Quais afetos emergiram neste biografemar de