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CAPÍTULO 2 Fundamentação Teórica

2.3. Saberes de professores para a Educação Matemática de crianças indicados em

2.3.2. Documentos oficiais da década de 1980

Siqueira (2007) ao analisar o documento Diálogo da Pré-Escola Hoje: indicativos

para uma nova proposta curricular, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, diz que a política em relação à Educação Infantil neste período não era mais a de criar classes de Educação Pré-Escolar, e sim a de auxiliar os municípios na implantação de sua rede pré- escolar, pois esse era o compromisso do Estado, cujo princípio norteador é a política educacional que pressupõe descentralização e participação democrática.

conhecimento local, com autonomia para decidir como dinamizar a educação pré-escolar em seu município, propiciando um melhor atendimento. Assim, a pré-escola deixava de ser um local com preocupação propedêutica e passava a entender melhor a criança e sua maneira de compreender o mundo, de modo que esta é a nova visão dos programas oficiais.

Aqui, a percepção que se tem de criança é que ela deveria ser considerada um ser integral. Desta maneira, a instituição educativa deveria admitir uma postura que compreendesse o infante em sua totalidade, tanto do ponto de vista afetivo quanto do ponto físico e cognitivo e, por outro lado, admiti-lo como um ser em desenvolvimento e não como um receptáculo de Pedagogias criadas por terceiros.

Indicava-se que é durante a observação das ações das crianças que o professor deveria embasar sua metodologia e permitir que o seu desenvolvimento integral ocorresse, sem a preocupação com uma visão utilitarista do que seria desejado o que a criança apreenda; ou seja, não sufocar o pensar e o agir infantil pela precoce preocupação de formar o indivíduo para o mercado de trabalho.

Assim, a brincadeira e o jogo também ganharam novos olhares. Outro aspecto que o professor precisava considerar era o da organização de todos os materiais e ambientes em geral que envolvessem a criança. Assim, por meio do exercício de pré-esquema matemático de classificação e seriação, o professor deveria auxiliar a criança na formação do conceito de número (que envolve noção de quantidade, identidade, reversibilidade e possibilidade de representação). Desta maneira, vê-se que a opção pela apropriação do conhecimento matemático se dá por meio de atividades lúdicas, que segundo o documento são naturalmente emergentes, em vez da utilização de matérias formais (papel mimeografado, por exemplo) que são pouco representativas para a criança.

Em relação ao documento Pré-Escola: Uma Nova Visão (SÃO PAULO, 1984), percebe-se que, naquele período, buscava-se realmente desenvolver um trabalho que considerasse o desenvolvimento integral da criança sem a preocupação em dividir “o que” e o “como” trabalhar com a criança em áreas de conhecimento ou de estimulação como vinha ocorrendo.

O documento apresenta várias sugestões de atividades com as seguintes temáticas:

Uma troca de ideias; Explorando os espaços; As oficinas e centros de brinquedos; A inclusão

do espaço dramático nos centros de brinquedos e Trabalhando com sucata.

Na temática Uma troca de ideias o documento convida o professor a trabalhar com o aproveitamento de materiais diversos disponíveis na comunidade, sugerindo alternativas de

trabalho em relação à organização do espaço, bem como se enfatiza que não há a intenção de ditar normas, mas de contribuir com sugestões. Isto se dá pois cada município e escola devem adequar tais sugestões às peculiaridades locais, que devem ser permeadas pela criatividade do professor e/ou das pessoas direta ou indiretamente engajadas na Educação Pré-Escolar.

Solicitava-se aos professores, ainda, que trocassem experiências entre seus pares e se houvesse alguma experiência inovadora solicitava-se que os professores enviassem-na à Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) para contribuir com a melhoria do progresso educativo no âmbito da educação pré-escolar.

O tema Explorando os espaços sugere formas de utilização de equipamentos e/ou espaços disponíveis na escola ou na comunidade em atividades a serem realizadas com as crianças. Nas sugestões que constam no documento, aparecem indicações relacionadas aos materiais manipuláveis, como por exemplo: cordas, pneus, caixotes, barris, toco de madeira, carretéis gigantes onde eram enrolados cabos telefônicos, sobra de material de construção, bolas de meia, cabo de vassoura, elástico, mangueira, latas e barbantes.

As oficinas e centros de brinquedos foram locais propostos pelo serviço de Educação Pré-Escolar da Coordenadoria de Estudos e Normas pedagógicas organizadas e montadas junto as Prefeituras Municipais e/ou escolas do Estado de São Paulo.

A criação de tais locais teve como propósito o acesso das crianças a diferentes tipos de brinquedos, onde os professores pudessem buscar materiais subsidiários ao trabalho diário que desempenhavam com as crianças pré-escolares. Aqui, a criança podia desenvolver as atividades, dentro ou fora do horário escolar, com especialistas preocupados com o seu desenvolvimento e com a exploração do potencial delas. Ou seja, a proposta indicava que a Educação Infantil deveria ter os seguintes objetivos:

- Proporcionar a integração escola-família-comunidade, visando a dinamização do processo ensino-aprendizagem; - A democratização do brinquedo para as parcelas economicamente menos favorecidas; - O aproveitamento de sucata; - O resgate das raízes culturais regionais; - Oportunidade para que a criança aprenda a respeitar o que é da comunidade. (SÃO PAULO, p. 34, 1984).

Segundo o mesmo documento, as normas de regulamentação e funcionamento das Oficinas e Centros de brinquedos eram ditadas pelas Prefeituras Municipais ou pela direção da escola, ou ainda pelo consenso de seus associados, do responsável por ele ou da comunidade em geral.

Como sugestão de organização do material, o documento (SÃO PAULO, 1984) indicava que fosse feita uma divisão por faixa etária: crianças de zero a dois anos, de três a quatro e de cinco a seis anos. Recomendava a catalogação dos brinquedos e sugeria que fosse

em grupos.

Apresentava também sugestão de fichas para controle de empréstimos. As oficinas tinham como função a restauração, consertos de brinquedos e construção de novos brinquedos, e poderiam ser formadas por voluntários constituídos por membros da comunidade.

A inclusão do espaço dramático nos centros de brinquedos propunha a criação de um espaço com a existência de fantasia, fantoches, maquiagem, retalhos e matérias como lençóis, cordas, caixas, espelhos, chapéus e roupas velhas, que auxiliam a liberação da fantasia da criança.

Neste espaço poderia também haver ganchos afixados em diversos pontos da sala (teto, paredes, cantos) com o propósito de favorecer a modificação do espaço ao utilizar os lençóis ou panos em tamanhos grandes, aprimorando a divisão do ambiente da sala. Entendia-se por meio do jogo dramático que a criança aprende

o mesmo impulso que a leva a jogar, leva a descobrir, a pensar, a objetivar, a refletir, a adquirir noção numérica, quantitativa, e dimensional, a ampliar o seu vocabulário e a relacionar-se com as outras pessoas. (SÃO PAULO, 1984, p. 49)

Por último, no tema Trabalhando com sucata foi indicado que a utilização da sucata como material de apoio pedagógico ofereceria ao professor condições para trabalhar com os alunos, tendo com objetivo vivenciar com eles uma ação transformadora, outra forma de expressão que resulta no desenvolvimento do seu espírito cooperativo, criativo e crítico. Também, indicava-se ser interessante desenvolver atividades com material que as crianças tivessem contato diário, e que, portanto, eram-lhes significativos. Por exemplo: com a argila, palitos, gravetos, restos de cartolinas e fios diversos podemos incentivar as crianças à construção tridimensional; com figuras de revistas velhas coladas em caixa de fósforos, podemos fazer quebra-cabeça. Enfim, apresenta-se a sugestão de construção de jogos de encaixe, painel de rosca, jogo da memória e discriminação de sons.

Pode-se afirmar, ainda, que na década de 1980 a Educação Infantil passou por momentos decisivos em relação à sua identidade institucional, pois segundo Kishimoto (1999) ela ressurge com o clima instaurado após a Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Lei Orgânica de Assistência Social, onde tais dispositivos inserem a criança de zero a seis anos no interior do sistema escolar, na educação básica, garantindo o seu direito à educação e, consequentemente, impondo ao Estado a obrigatoriedade de oferecer instituições destinadas a essa faixa etária.

Ao compararmos a proposta dos anos 80 com o Projeto Ciência Lúdica para crianças, que foi desenvolvido em 2009, há algumas semelhanças: a abordagem da brincadeira e do jogo dramático na educação matemática, a utilização dos brinquedos, sucatas e organização do ambiente na atividade com as crianças, as interações das crianças entre elas, com o ambiente e com os adultos consideradas no processo de aprendizagem.

Em relação aos saberes dos professores, pode-se inferir que o documento indica ainda que, neste período, exigia-se que os professores priorizassem saberes relacionados à Psicologia, à Metodologia de Ensino e à Matemática Escolar. Desta forma, os professores deveriam contemplar os seguintes pontos:

 Conceber o desenvolvimento da criança de maneira integral, onde os aspectos motor, cognitivo, emocional e linguagem não estão compartimentados.

 As ações com as crianças também devem permitir o seu desenvolvimento integral.

 A função da pré-escola deixa de ser um local com preocupação propedêutica e passava a entender melhor a criança e sua maneira de compreender o mundo.  Pensar a brincadeira e os jogos desde a organização do ambiente à disposição

dos brinquedos, onde os mesmos devem ficar ao alcance da criança; também, na ação do professor, que os brinquedos não sejam utilizados apenas como material didático onde o aspecto formal ganha relevância.

 Os conteúdos matemáticos sobre diferenciar, noção de igualdade, de classificação, seriação, ordem, quantidade, peso, medida e noções geométricas devem ganhar relevância na própria brincadeira e atividades diárias com as crianças.