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Domínios explicativos e domínios lingüísticos

CAPÍTULO II – UM EXERCÍCIO PARA A COMPREENSÃO SISTÊMICA DO ENSINO E

2.4. Domínios explicativos e domínios lingüísticos

Maturana (2001 [1990]) postula que, como seres vivos, vivemos simultaneamente em dois domínios distintos: o domínio da fisiologia e o domínio do comportamento ou das interações. Esses domínios são distintos operacional e processualmente, mas estão inter- relacionados de uma maneira imbricada. Assim, não devemos estabelecer uma visão reducionista, isomórfica e transferencial reduzindo um domínio ao outro, nem postulando a transferência de elementos de um para outro, já que suas dinâmicas operacionais são distintas. Os seres vivos são seres cuja dinâmica sistêmica está em constante interação com os dois domínios. Logo, tudo o que fazemos em nossas interações num meio em que estamos modifica o fluir dinâmico do organismo, podendo definir o modo como funcionam as diferentes partes do nosso corpo, incluindo nosso sistema nervoso, proporcionando a realização de todas nossas atividades operacionais no domínio do comportamento. Maturana e Varela (2001: 150,151) argumentam:

Na realidade, a situação é simples. Como observadores, podemos ver uma unidade em domínios diferentes, a depender das distinções que fizermos. Assim, por um lado podemos considerar um sistema no domínio do funcionamento de seus componentes, no âmbito de seus estados internos e modificações estruturais. Partindo desse modo de operar, para a dinâmica interna do sistema o ambiente não existe, é irrelevante. Por outro lado, também podemos considerar uma unidade segundo suas interações com o meio, e descrever a história de suas inter-relações com ele. Nessa perspectiva – na qual o observador pode estabelecer relações entre certas características do meio e o comportamento da unidade – a dinâmica interna desta é irrelevante.

Segundo Maturana(1997 [1988a]: 174-176) somos seres históricos, determinados por nossa estrutura biológica, configurada como uma estrutura plástica e dinâmica. Nossa história ontogênica é um fluir dinâmico de interações recorrentes com o meio em permanente adaptação e congruência num meio específico, que ele denomina de acoplamento estrutural ontogênico. Em outras palavras, a história de vida de um ser vivo é um fluir ininterrupto de mudanças estruturais num meio, em uma constante deriva natural ontogênica, com conservação da organização autopoiética e adaptação estrutural. Como então surge o observador, que distingue fenômenos e objetos, e propõe explicações científicas ou outras? Para Maturana(op.cit. [op.cit]: 178) o observador surge no linguajar, na atividade lingüística dinâmica e recursiva, num constante entrelaçamento entre emoção e razão, distinguindo objetos, ações, e relações semânticas, coordenando ações consensuais com outros num domínio particular de ações. Uma vez que a Biologia do Conhecer postula que toda a racionalidade é fundamentada por uma emoção não há aqui oposição entre fenômenos cognitivos e emocionais.

De acordo com Maturana (1998), o modo de vida humano tem origem nas interações recorrentes, recursivas e consensuais entre grupos de hominídeos caçadores e coletores de grãos, nozes e sementes e que compartilhavam sua comida e se ocupavam uns com os outros. Nesse sentido, a linguagem como coordenações de coordenações consensuais de conduta, num entrelaçamento de emoção e razão, tem sua origem na origem do modo de viver humano. Maturana sugere que a atividade lingüística ou o linguajar, assim como outras atividades que executamos no domínio do comportamento, modulam nossa fisiologia e ao mesmo tempo são por ela especificadas. Dessa maneira, a dinâmica conversacional constitui-se como um fluir operacional e interacional de ações consensuais, de maneira não-linear, recursiva, contingente e mutuamente orientadora. Essas dinâmicas incluem gestos, expressões, posturas, olhares, entonação, e inflexão de voz que podem ser tomadas como significativas no curso de uma interação comunicativa que observamos como coordenação de ações mútuas e recursivas.

Maturana e Varela (2001) definem o distinguir como o mecanismo operacional cognitivo básico de um observador. No ato de distinguir, destacamos uma unidade do fundo em que ela está. Ao fazê-lo, especificamos figura e fundo ao mesmo tempo, e acabamos por dar ênfase à aquilo que escolhemos para constituir nossa figura, negligenciando o fundo, que distinguimos também, estabelecendo aí descrições semânticas como se assinalassem ou denotassem algo fazendo uma referência ao meio. Assim, os objetos surgem nos espaços de coordenações de coordenações de ações como elementos consensuais que coordenam uma ação com outra. Dessa maneira, através de processos sócio-históricos de distinção, vamos

estabelecendo a diferença da diferença, a distinção da distinção, concatenando operacionalmente uma coordenação de uma ação anterior a uma posterior e, assim, coordenando ações de ações consensuais, dando origem a textos e a teias discursivas, entrelaçando o conversar e o emocionar num linguajar.

Desta maneira, ao nomear objetos e ações, e ao descrevê-los das mais diversas maneiras, vamos ao mesmo tempo fazendo coisas com esses objetos e ações, construindo domínios de ações consensuais com outros na linguagem, definindo relações e coordenando ações específicas num determinado domínio de ações. Através destes processos de distinção e configuração de coordenação de ações, vamos construindo atividades em determinados domínios que, a longo prazo, e através de contínua recorrência, certas estabilidades de coordenação de coordenação de ações vão se configurando numa rede de relações comportamentais discursivas e de textos prévios. Assim, para Maturana, no ato de viver, vamos realizando distinções entre objetos, especificando suas características e distinguindo relações entre eles. Os objetos vão surgindo no nosso agir num mundo como unidades semânticas destacadas de um pano de fundo maior numa circunstância operacional particular. Para ilustrar o conceito de coordenação de ações, Maturana nos fornece o seguinte exemplo. Suponhamos que ao sair para a rua para tomar um táxi, o único que se vê está do outro lado da rua. Ao entrar em contato visual com o taxista a pessoa faz um gesto pedindo o táxi. Esta é uma coordenação de ação. Em seguida, a pessoa faz então um novo gesto pedindo que vire e venha a seu encontro do outro lado da rua. Este segundo gesto só aparece em relação ao primeiro, de modo que este segundo gesto coordena a coordenação inicial. Esta é uma

coordenação de coordenação de ação (Maturana e Nisis, 1999: 119).