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Neste item são discutidos os conceitos de BEA e os diferentes métodos para sua medição e avaliação. São também abordadas as funções históricas dos animais nos sistemas agrícolas e na produção orgânica, especificamente e o enfoque dado pela produção orgânica ao BEA.

A domesticação de plantas e animais é uma das mais importantes conquistas da espécie humana nos últimos 13.000 anos, por que ela provê a maior parte da alimentação humana, tendo sido ainda pré-requisito para o crescimento da civilização e transformação da demografia global (DIAMOND, 2002; NORWOOD; LUSK, 2011).

Os animais domesticados cumpriram várias funções para o homem no curso do desenvolvimento humano: no fornecimento de alimentos - carne, ovos e leite - em rituais religiosos, tração animal e produção de couro, lã e esterco (BAARS et al, 2004).

Autores como Bökönyi (1986)5; Jarman et al. (1982)6; Rollin (1995)7;

Zeuner8 (1963) citados por Baars et al., (2004), consideram que a relação

homem-animais de produção pode ser considerada uma forma de simbiose, sendo a domesticação uma forma de co-evolução comportamental, na medida em que, sendo descrita como um processo cultural e biológico, influenciou não só as populações de animais de produção, mas também a identidade humana.

Conforme Diamond (2002) e Norwood e Lusk (2011), a interação homem-animal forjou a face do mundo moderno. A existência de espécies animais domesticáveis em certas regiões do planeta foi determinante para o domínio do mundo por certas culturas (Figura 4).

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BÖKÖNYI, S. Definitions of animal domestication. In: CLUTTON-BROCK J. (ed.)

The Walking Larder: Patterns of Domestication, Pastoralism and Predation.

Unwin Hyman, London, p. 22–27, 1986.

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JARMAN, M.R., BAILY, G.M. AND JARMAN, H.N. Early European Agriculture. Cambridge University Press, Cambridge, pp. 58–59, 1982.

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ROLLIN, B.E. Farm Animal Welfare. Iowa State University Press, Ames, Iowa, 1995.

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Figura 4 – Primeiros sítios de domesticação de espécies animais.

Fonte: Adaptado de: Museum agropolis (2011).

O continente asiático foi privilegiado com a maioria das espécies que se tornaram as principais fornecedoras de produtos à espécie humana, atualmente, a saber: vacas, cabras, carneiros, galinhas, patos, porcos e cavalos. E a Europa, estando geograficamente ligada à Ásia, teve também acesso a essas espécies. Já as Américas, separadas dos continentes europeu e asiático por águas, tiveram acesso somente a espécies locais como as lhamas e perus. Esses autores salientam ainda o fato de as principais doenças humanas serem transmitidas por esses animais, o que conferiu aos habitantes dessas regiões imunidade a essas doenças e se constituiu em um diferencial nas conquistas dos territórios das Américas pelos europeus. Segundo Diamond (2002), não foram as armas dos europeus que suplantaram os indígenas locais, mas sim a sua imunidade à varíola e outras doenças.

O cachorro foi o primeiro animal a ser domesticado, 10000 anos AC., provavelmente por seu auxílio nas caçadas. Ovinos e caprinos foram domesticados no sudeste da Ásia ao redor de 9000 anos AC. Os suínos, 2000 anos mais tarde, foram domesticados na China. Por serem animais prolíficos e onívoros (podendo alimentar-se dos restos dos alimentos dos humanos), 6000 anos AC. eles já estavam presentes em moradias por toda a China. Os suínos foram também domesticados na América do Sul, mas apenas 3500 anos AC. O

antecessor do bovino atual, o auroch, foi domesticado na região dos atuais India e Paquistão, 7000 anos AC. Os perus foram domesticados 3500 anos AC, na América Central (NORWOOD; LUSK, 2011).

A domesticação das galinhas teve sua origem há mais de 8000 anos, no sudeste da Ásia, quando populações da região iniciaram a domesticação do Red jungle flow (Gallus gallus) (Figura 5), que habitava as florestas daquele continente, estabelecendo-se na China 6000 anos AC. Na India a domesticação ocorreu mais tarde, 2000 AC, independentemente ou por difusão originada no sudeste da Ásia. Acompanhando as tribos nômades que avançavam para o oeste, as galinhas cruzaram a Mesopotâmia até chegar à Grécia. Mais tarde, durante suas conquistas, os celtas foram deixando núcleos de populações e propagando a criação de galinhas por toda a Europa (SILVA, 2008; WEST; ZHOU, 1989). Cavalos, camelos e carpas também foram domesticados antes do início da era cristã.

Figura 5 – Red jungle flow, origem da galinha doméstica.

No entanto, como salienta Diamond (2002), nem todas as espécies animais se prestam à domesticação. As espécies passíveis de domesticação devem viver tranquilamente em grupos, serem dóceis e gregárias e possuir uma estrutura social hierárquica, permitindo ao homem dominá-las.

Até 10000 anos AC. a relação entre homens e animais era clara, sendo o homem o predador e os animais, as presas. Com o desenvolvimento da agricultura e da domesticação dos animais, a relação tornou-se mais complexa e interdependente.

Após o período pré-agrícola, há a transformação de uma sociedade caçadora-coletora e de agricultura nômade em sistemas agrícolas que passam a adaptar-se às características de clima, solo e paisagens locais, sendo os diversos tipos de plantas e raças de animais desenvolvidos, a expressão dessas paisagens e elementos-chave desses sistemas agrícolas (BAARS et al., 2004; NORWOOD; LUSK, 2011).

Embora os ambientes, intensidades e objetivos de produção variem imensamente entre países e mesmo entre suas diversas regiões, ainda hoje, nos sistemas tradicionais de produção, existe um ajuste ao ambiente biofísico e sociocultural que, devido aos baixos inputs externos, os mantém num equilíbrio sustentável com esses ambientes (FAO, 2006). Em muitos desses sistemas a pecuária se integra à produção de grãos, como nos sistemas arroz-búfalo na Ásia (FAO, 2006).

O esterco animal é sempre essencial à manutenção da fertilidade do solo e a ciclagem de nutrientes é uma importante motivação à presença dos animais no sistema (FAO, 2006).

No entanto, embora esses sistemas resultem de uma longa história de coevolução, eles têm sido pressionados para moldar-se à rápida evolução das atuais demandas socioeconômicas. Nas últimas décadas, unidades de produção intensiva - principalmente de suínos e aves - têm surgido nessas regiões, em resposta ao aumento da demanda por produtos de origem animal (FAO, 2006).

No final do século 19, inicia-se a fase da industrialização da agricultura. Com a disponibilidade de energia de baixo custo e a introdução dos fertilizantes sintéticos se dá o fim da grande interdependência entre lavoura e animais dentro de agroecossistema (BAARS et al., 2004).

Os fertilizantes sintéticos diminuem a importante função ecológica dos animais nos sistemas agrícolas, como provedores de esterco e, o transporte barato torna possível que os animais sejam alimentados independentemente do ciclo de cultivos da propriedade, com insumos provenientes de outros locais (BAARS et al., 2004).

A criação animal passa a ser desvinculada de seu ambiente de origem. As raças geograficamente adaptadas são substituídas pelas raças comerciais. Ao invés de raças com múltipla aptidão, são criadas raças especializadas na produção de carne ou leite e carne ou ovos (BAARS et al., 2004).

A produção animal se desvincula do ambiente e do ciclo produtivo das fazendas e o uso terapêutico de medicamentos possibilita que os animais sejam criados em espaços menores, em um ambiente artificial, sem nada que corresponda às suas necessidades fisiológicas ou etológicas (ENGEL, 2002).

Os animais de produção então passam a ser meros objetos, com demanda por alta produtividade segundo modernos métodos de criação animal. Embora na comparação com os primeiros sistemas agrícolas a agricultura industrial tenha trazido algumas vantagens para os animais, tais como acesso garantido ao alimento, rações balanceadas, melhores cuidados com a saúde, trouxe também a depreciação do valor intrínseco e da integridade dos animais de produção (HÖTZEL; MACHADO FILHO, 2004; VERHOOG, 20009 apud BAARS et al., 2004).

9 VERHOOG, H. Animal integrity: aesthetic or moral value? In: ROBINSON, P.

(ed.) Eursafe 2000, 2nd Congress of the European Society for Agricultural and Food

Assim, os efeitos adversos advindos dos métodos de produção intensivos (canibalismo em aves e suínos, por exemplo), passam a ser controlados por meio de mutilações como corte de bico, caudas e chifres. Algum grau de sofrimento dos animais passa a ser aceito como aspecto normal do sistema econômico (BAARS et al., 2004).

Segundo Rollin (2008):

Valores como produtividade e eficiência vem substituir os valores de cuidados com os animais, historicamente presentes nas produções familiares e locais, em detrimento dos animais, da sustentabilidade, do meio ambiente, das comunidades rurais e do respeito moral pelas coisas vivas sob o qual nossa civilização foi construída.