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A DONZELA LAIDA E SUA “BELEZA”

3. O ENIGMA DA DONZELA LAIDA

3.2 A DONZELA LAIDA E SUA “BELEZA”

A primeira aparição da donzela laida na Demanda já revela sua função na narrativa, tendo em vista que o destino de Galvam, excelente cavaleiro da corte arturiana, será revelado, assim como, por conseguinte, o destino da cavalaria de Artur, uma vez que parte dela será eliminada pelo valoroso sobrinho do rei. O grande anúncio das aventuras vindouras de Galvam se dá por meio da palavra dessa donzela, isto é, ela pressagia para todos os malefícios que ocorreriam se o cavaleiro fosse à demanda, não obedecendo às advertências por ela proferidas.

Intrépido e orgulhoso, Galvam contesta e ignora o aviso, decidindo-se intransigentemente por seguir viagem. O aviso da Donzela e a recusa de Galvan acontecem no episódio 31 (“Como el-rei defendeu a Galvam que nom fosse”), assim como podemos observar no seguinte trecho, quando o rei suplica ao sobrinho:

– Rogo-vos que nom vaades em esta demanda, ca mui gram mal pode ende sair. Donzela, cuidades que é este o homem que vós buscades?

– Nom no cuido, disse ela, mas sei verdadeiramente que se i vai que fará tam gram dano nos cavaleiros que aqui som que todo seu linhagem nom nos poderá cobrar.

E el-rei bem no creeu que dizia a verdade e disse a Galvam:

– Sobrinho, eu vos rogo que fiquedes aqui e nom vades a esta demanda.

E el houve gram pesar sobejo daquela aventura antre tanto homem bõõ e respondeo:

– Senhor, nom devedes de crer quanto vos disserem. Sabede que todo é encantamento e chufa, a maior que vistes peça há [...].

Entam disse a donzela:

– Esto nom é encantamento, assi me Deus ajude, ante direita verdade. E, par Deus, se ides, tam gram dano se fará que vós nom no poderedes cobrar, nem rei Artur que aqui see. [...]

– Eu creeo, disse el-rei, o que vejo. E por em vos defendo de todo em todo que nom vades esta carreira.

– Senhor, disse el, semelha-me que nom catades i minha honra mas meu mal e minha vergonça, ca, se eu i nom vou, som perjurado e desleal; dês i, nom me devia a teer niũũ por cavaleiro (DSG, 2005, p. 39).

Neste cenário de rejeição ao conselho feminino por parte de Galvam, detecta- se a ambiguidade da credibilidade da palavra feminina na sociedade centro- medieval. Por um lado, Artur, máxima autoridade, crê no que escuta da Donzela; por outro, seu sobrinho, alvo da visão nefasta, a rejeita, alegando sobretudo que sua palavra é mentirosa (“– Senhor, nom devedes de crer quanto vos disserem. Sabede que todo é encantamento e chufa, a maior que vistes peça há [...]”).

No contexto misógino cristão era comum que a palavra da mulher, assim como ela, fosse reduzida e subjugada ao julgamento e alvitre dos homens, detentores do saber, da força e da ordem. O cerceamento da palavra feminina encontra respaldo em textos teológicos e aristotélicos, que a associam geralmente à incapacidade intelectual, à tagarelice ou à magia, como já observado anteriormente. Nesta perspectiva, os sermões dos clérigos

fomentavam o pensamento de que à palavra da mulher caberia a proibição, sobretudo, em âmbito público. Desse modo, as mulheres “não entram nos tribunais, não governam, não ensinam, não pregam. A palavra do juízo, do poder, da cultura e da salvação devem manter-se palavras masculinas” (CASAGRANDE, 1990, p. 135).

Não bastando o primeiro prenúncio da donzela laida aos da Távola Redonda, a respeito dos males que cometeria Galvam indo à demanda, uma segunda aparição da visionária ocorre na narrativa, indicando a relevância de seu discurso para o destino dos cavaleiros nas aventuras. A donzela volta à cena, após algumas passagens, no episódio 43, “Como a donzela laida disse a Galvam que se tornasse, ca muito mal faria em aquela demanda” (DSG, 2005, p. 47). Enquanto os cavaleiros se preparam para partir para a demanda, laida ressurge, alertando veementemente Galvam:

– Galvam, Galvam, cavaleiro desleal, como és tam ousado que a esta demanda queres ir quando sabes que tanto mal end’averrá! E rogam- te estes cavaleiros da Távola Redonda, se te quiseres nembrar da morte de Lamorat e de seu irmão Briam de Monjaspe, e da deslealdade que i fezeste, tu te devias ora mais guardar ca outro cavaleiro de fazer cousa desleal ca assaz ende hás feito aaquele tempo. Tu queres ir a esta demanda, assi como os outros; mas cata o que ende averá. Sabe que dom Galaaz que aqui see – este é ora milhor cavaleiro do mundo – nom fará tanto bem a esta demanda como tu farás de mal, ca tu per tua mão, que em mao ponto filhaste a espada, matarás em XVIII destes teus companheiros, ataes que valem mais ca tu cavalaria. E esto verás per ti em esta demanda (DSG, 2005, p. 48).

A palavra da donzela não só revela a matança que poderia ser evitada por meio de sua intervenção, mas também fala aos que, pela mão de Galvam, hão de morrer. À sua advertência, sobre aquele que “nom nascestes senam por fazerdes maas aventuras e doorosas” (p. 49), juntam-se lamentações, ao se reportar ao rei que seria morto:

– Rei Bandemaguz, eu hei mui gram pesar porque vaas a esta demanda, ca tu i morrerás. E será gram dano por duas cousas: ũa, porque és mui bõõ cavaleiro; e outra, porque és o mais sesudo do Regno de Logres. E saibe que ũũ soo cavaleiro te matará ti e teu sobrinho Patrides e Erec e Ivam e tantos destes outros que em mao ponto naceo este pecador que tanto mal fará que mais valera que ainda houvesse por nacer, ca per suas armas seeram depois da sua

morte mais de C anos muitos regnos órfãos de bõõs cavaleiros e senhores (DSG, 2005, p. 49).

Se nem mesmo os detalhes sobre as mortes desastrosas fizeram Galvam e uma de suas vítimas reconsiderarem sua ida na demanda, podemos notar, por um lado, o quão desprezível poderia ser a fala feminina para homens como Galvam; por outro, o quão importante, honrosa e inevitável seria a demanda do Graal, em que poderiam os cavaleiros, como o Rei Bandemaguz, perder sua vida, independentemente do crédito que dariam à visão da donzela laida.

No que diz respeito ao ponto de vista de Galvam acerca da fala feminina, ilustrativo da misoginia de que vimos tratando, o apagamento da voz da mulher é nítido, uma vez que a rejeita enfaticamente, quando declara que não crê no que ela profere (DSG, 2015, p. 48). Ao romper o silêncio e contradizer Galvam,

– Senhor, nom devedes de crer quanto vos disserem. Sabede que todo é encantamento e chufa, a maior que vistes peça há [...].

Entam disse a donzela:

– Esto nom é encantamento, assi me Deus ajude, ante direita verdade. E, par Deus, se ides, tam gram dano se fará que vós nom no poderedes cobrar, nem rei Artur que aqui see. [...](DSG, 2005, p. 39),

a donzela concede aos cavaleiros, sobretudo a Galvam, a possibilidade de traçarem outro caminho que não o do desastre iminente que acometeria a Távola Redonda, mas eles “que me ora nom creem o que lhes eu digo ainda creerám tal hora que nom poderám i poer conselho” (p. 49). Apesar dos avisos, os cavaleiros entram na demanda: Galvam por arrogância; os outros cavaleiros por incapacidade de dobrarem o destino anunciado. A inutilidade das palavras e o silêncio é o que resta apenas à donzela laida.

Em princípio, o silêncio, gesto ideal esperado das mulheres, era interrompido apenas pela confissão dos pecados, por palavras comedidas, reportadas aos homens que detinham as suas custódias, como os pais e os maridos (CASAGRANDE, 1990, p. 61). A fala feminina foi considerada demasiada, não somente no período medieval, mas em tempos anteriores e posteriores. Segundo Luísa Marinho Antunes, “o falar feminino fez parte dos ataques misóginos de grande parte dos autores desde a época clássica e atravessando

as várias épocas e séculos” (ANTUNES, 2014, p. 118). A autora lança mão do exemplo de Plauto, Aulularia, em que Eunómia deixa claro nunca ter conhecido uma mulher verdadeiramente silenciosa: “[...] merecidamente muitos nos têm por loquazes, que não foi encontrada nenhuma mulher muda nem hoje nem em nenhum século” (PLAUTO, apud ANTUNES, 2014, p. 23).

Desprezadas intelectualmente, as mulheres eram consideradas inaptas à arte retórica. Isso se deu em parte devido aos princípios de Aristóteles propagados largamente entre os reitores medievais. Debruçando-se sobre o topos misógino, o filósofo divertia a audiência, que considerava as características femininas motivo de riso, como, por exemplo, sua inclinação “ao engano, aos gastos, à intriga, à infidelidade, a sua fragilidade intelectual face ao homem” (ANTUNES, 2014, p. 23). Com isso, considerando a falta de eloquência das mulheres, autores, inspirados em Aristóteles, propagaram a ideia de cautela em relação aos conselhos femininos. Um deles foi Gil de Roma – ou Egídio Romano –, cujo pensamento considerava os palpites das mulheres extremamente inflamados e passionais; mutáveis, eles eram ausentes de coerência, irracionais e, sendo assim, caso fossem ouvidos, deveriam ser usados com parcimônia e cautela (CASAGRANDE, 1990, p. 136-137). Por esses motivos, uma vez considerada a palavra da mulher como “má palavra”, a mulher contida em suas palavras e submissa à pratica do silêncio era considerada exemplar (RÉGNIER-BOHLER, 1990, p. 547-548). Em busca de disseminar o exemplo de mulher ideal, dentro de tais perspectivas de coerção da fala, os textos moralistas pregavam a contenção asseverada do verbo, idealizando o permanente silêncio feminino (p. 550).

Como se percebe, a palavra das mulheres era considerada excessiva; e por tal razão elas foram taxadas de tagarelas, sobretudo, porque têm “uma língua lúbrica e não conseguem manter segredos das amigas” (ANTUNES, 2014, p. 56) Em seu Tratado do amor cortês, André Capelão, ao descrever os defeitos das mulheres, inclui a desmesura da fala:

as mulheres, aliás, não são apenas avaras por natureza, mas também são curiosas e falam mal das outras mulheres; são vorazes, escravas do próprio ventre, volúveis, inconstantes, desobedientes,

rebeldes às proibições; são maculadas pelo pecado do orgulho e cobiçam a vanglória; são mentirosas, dissolutas, tagarelas, não respeitam segredos; são luxuriosas ao extremo, dadas a todos os vícios e não tem afeição verdadeira pelo homem (CAPELÃO, 2000, p. 290).

A explicação provável para a gênese da tagarelice seria a “má escuta” de Eva que, seduzida pelo diabo, não soube recusar às “doces e encobertas palavras” que eram na verdade “enganadoras e venenosas” (RÉGNIER-BOHLER, 1990, p. 555). Por essa razão, os argumentos de Capelão giram em torno da curiosidade, da maledicência, da volubilidade, da desobediência, da vanglória, da mentira e da indiscrição, atitudes geralmente ligadas à comunicação sem moral nem controle.

A reboque do pensamento pejorativo sobre a beleza feminina está o medo da palavra da mulher, como o de Galvam diante da advertência da donzela laida. O discurso feminino, na contramão da ideia que circulava acerca de seu caráter superficial, alçou-se também a outro patamar, o da palavra maliciosa ou sedutora, ou seja, persuasiva e que, por conseguinte, conduziria o homem ao perigo. Conforme explica Danielle Régnier Bohler, “A palavra está associada desde o início ao feminino. No paraíso, Eva, a primeira mulher, beneficiou dela antes de Adão, mas usou-a indevidamente, enganando o homem, como sublinham os teólogos medievais” (RÉGNIER-BOHLER, 1990, p. 518). Pautada em uma perspectiva cristã, a palavra das mulheres foi considerada perigosa por sua força maléfica; “filhas de Eva”, suas palavras poderiam ser muito mais eficientes do que o olhar, os gestos e os enfeites (RÉGNIER-BOHLER, 1990, p. 550). Não só o discurso, ou seja, a palavra, mas a própria voz da mulher era temida por ser capaz de seduzir os homens, levá-los à perdição e até mesmo à morte, a exemplo das sereias mitológicas, que os atraem maviosamente e os matam (ANTUNES, 2014, p. 57). Sendo assim, o falar feminino não foi bem aceito durante o período medieval, ora por ser inútil, ora por ser perigoso ao homem:

Falar, com loquacidade e malícia, contar, partilhar factos e histórias, ralhar, ter a língua afiada foi quase sempre considerado pelo homem como uma das formas de a mulher exercer o seu poder e conspirar com suas amigas para destituir o homem da sua autoridade. A mulher com poder é a que usa o que sabe e comunica o que quer para

manipular as situações e os homens, usando a palavra como arma (ANTUNES, 2014, p. 117).

Relacionada à palavra e a seu poder comunicativo e simbólico, uma característica se destaca, dentre as mencionadas acerca da donzela laida, justamente pela sua ausência: o nome próprio. A relevância dada ao nome na Idade Média, em especial na doutrina cristã e, por vezes, na cultura celta, ajuda a compreender a construção da novela e, por conseguinte, o engendramento da personagem visionária.

À semelhança de outras circunstâncias ritualísticas do universo celta, nomear um recém-nascido, por exemplo, era de capital importância; embora não houvesse propriamente uma cerimônia de nomeação, a escolha do nome ocorria em função de um acontecimento notável. Para os celtas, “Dar nome era dar existência real. Tudo que não tem nome não é conhecido, não existe e nunca existirá” (BARROS, 1994, p. 141). Além de não ser elegido aleatoriamente e de derivar de um evento especial, o nome era escolhido, bem como alterado, ao longo da vida do indivíduo face a um novo fato importante.

Já na Idade Média, a questão do nome pode estar também relacionada a problemas de poder, pois segundo Danielle Régnier-Bohler, o tema é carregado de “simbolismo no corpus medieval” (RÉGNIER-BOHLER,1990, p. 548). Um exemplo disso está no Roman de Silence, datado do século XIII e escrito por Heldris da Cornualha. No romance é narrada a decisão de um rei que, para evitar que qualquer mulher herdasse terras na Inglaterra, decreta que a herança de propriedades não fosse possível para elas. Assim, uma menina, cujos pais intentavam que ela herdasse terras da Cornualha, foi batizada com um nome ambíguo: Silêncio. A criança seria chamada Scilenscius e, caso descobrissem sua verdadeira natureza, mudariam para Scilencia (RÉGNIER- BOHLER, 1990, p. 548). A narrativa de Heldris ilustra como o nome próprio era importante e, nesse caso, o travestimento do nome da menina serviu para “mascarar a ausência de linhagem masculina” (RÉGNIER-BOHLER, 1990, p. 548). Chama a atenção igualmente o nome escolhido para o mascaramento: “Silêncio”, ausência de palavra, estado a que a mulher é sumariamente reduzida, mesmo sendo necessário para a política de manutenção das terras

do pai. Como Silence, a mulher no medievo frequentemente funciona apenas como marionete para os jogos políticos masculinos.

Outro exemplo cabal da importância do nome dentro do universo literário medieval é O romance de Tristão e Isolda, de Béroul, do século XII29. Nele,

Tristão, sobrinho fiel do rei Marc, e Isolda, a Loura, “dos cabelos de ouro, cuja beleza brilhava como a aurora que se levanta” (BÉDIER, 1981, p. 12), noiva do rei Marc, a quem Tristão deverá escoltar por lealdade, apaixonam-se incidentalmente por meio de um filtro amoroso preparado pela mãe de Isolda, na intenção de garantir à filha e ao rei amor duradouro. O romance, portanto, era impossível, pois Isolda era prometida ao rei Marc e com ele se casará. Impedido de viver com seu grande amor, Tristão parte do castelo de Tintangel em busca de aventuras para fugir de sua dor (BÉDIER, 1981, p. 101). No capítulo XV do romance, Tristão chega à terra da Bretanha e lá conhece o duque Hoel, cuja filha era “a mais bela entre as filhas de grandes homens” (BÉDIER, 1981, p. 102). Adiante, o cavaleiro descobre o seu nome: “Isolda das Brancas Mãos, a simples, a Bela” (p 105). É, pois, por sua beleza e, sobretudo, pela equivalência de seu nome ao do seu verdadeiro amor que Tristão com ela decide se casar.

Sobre o simbolismo do nome nesse romance, Hilário Franco Júnior comenta que

Era muito antiga e difundida a concepção segundo a qual a palavra participava da realidade da coisa, como mostra uma obra contemporânea ao afirmar que “pelo nome se conhece um homem”. Porque como diz o texto bíblico, “mais aromático que teus perfumes é teu nome”, é que Tristão casou com uma Isolda por amor a outra. Mas assim o nome lhe despertava o desejo da rainha, e ele se conservava casto com a esposa (FRANCO JÚNIOR, 1996, p. 147).

Nota-se na observação de Franco Júnior a estreita ligação moral entre nome e pessoa, tanto na frase “pelo nome se conhece um homem”, como, sobretudo,

29 A referência a Joseph Bédier, a despeito de o romance ser de Béroul, se deve ao fato de o

original deste não ser acessível, pois a obra se deu a conhecer em fragmentos (três mil versos), sendo Bédier o seu continuador. “Portanto, o livro de Bédier contém um poema francês da metade do século XII, mas composto no fim do século XIX” (PARIS, 1981, p. 12).

num verso derivado da fonte fundamental no Medievo, a Bíblia: “mais aromático que teus perfumes é teu nome”. Neste, expõe-se a ideia de que o nome é superior aos perfumes, símbolos do aparente e do superficial, já que usados para a sedução e o amor sensual, como expresso no “Cântico dos cânticos” ou “Cantares”, de Salomão. O nome, ou seja, chave da essência do homem, é superior a tudo.

Ao percorrer as aventuras do Graal, nos deparamos com personagens femininas que, à semelhança da donzela laida, não possuem nome. Dentre elas, elegemos alguns exemplos para analisá-los. No episódio 130 (“Como Galvam se tornou e como Ivam foi ao castelo”), os cavaleiros encontram um castelo onde havia um letreiro que advertia os andantes de que ninguém da linhagem do rei Artur ousasse nele entrar (DSG, 2005 p. 104). Ivã, ignorando o rogo de Galvam, entrou no castelo, enquanto o sobrinho do rei, por covardia, fugiu, abandonando seu companheiro da cavalaria. O letreiro fora escrito em função da perda de Lamorante, cavaleiro morto por Galvam. Assim, Ivã é capturado e morto, por vingança contra os da descendência de Artur e, consequentemente, de Galvam (DSG, 2005, p. 105).

Após o episódio da morte de Ivã, Galvam encontra uma donzela, a quem pergunta o nome. Ela lhe responde: “– Eu som, disse ela, ũa donzela estranha,

que viim a esta terra pouco há e ando buscando ũũ dos cavaleiros da Mesa Redonda” (DSG, 2005, p. 107). A donzela, cujo nome não se sabe, queria ter notícias sobre Ivã de Cenel, e Galvam lhe informa o seu paradeiro, sem, no entanto, revelar sua morte. Logo em seguida, ela assume que é a irmã de Ivã. Chegando ao castelo, ela descobre que seu irmão havia sido morto por traição do sobrinho de Artur e promete que partirá em sua busca, por ter deixado seu irmão morrer por covardia e, enquanto não fosse vingada, para ela não haveria felicidade (DSG, 2005, p. 108). A descoberta da donzela dá início a uma sequência de batalhas, e uma delas deflagra a morte de Patrides, pois a donzela, à medida que encontrava os cavaleiros da Távola Redonda, lhes pedia ajuda para vingar seu irmão. Por esse motivo, ao enfrentar Galvam, Patrides é morto por ele, que lhe corta a cabeça (DSG, 2005, p. 110). A donzela ameaça Galvam, dizendo-lhe que irá à corte de Artur denunciar todas

as traições que ele vinha cometendo. A personagem prossegue sua participação na obra, atravessando vários episódios, culminando na batalha entre Galvam e o rei Bandemaguz, que desejava vingar a morte de seu sobrinho, revelada a ele pela donzela. O episódio chega ao fim quando, antes de sua partida, ela diz a Heitor que Galvam era o cavaleiro do diabo e lhe conta como Ivã havia sido morto. Por fim, ela diz a Galvam que nunca mais seria feliz “ataa que de vós nom haja vingança e que vos veja morrer de tam crua morte como vi Patrides” (DSG, 2005, p. 116). A despeito da atuação relevante da donzela, seu nome não é indicado.

À medida que as aventuras vão se descortinando, encontramos outras mulheres sem nome. Uma delas aparece no episódio 222 (“Mais ora leixa o conto a falar de Lançalot e torna a Persival”), quando Persival, ao se separar de Lancelote, encontra uma mulher que deseja saber das novidades de seus sobrinhos. Persival, ao ouvi-la revelar seus nomes, descobre ser um deles. Apesar desse parentesco, o cavaleiro chama a tia apenas pelo pronome “Dona”30 no episódio. A ausência de um nome próprio, entretanto, não diminui

sua participação na trama, pois enquanto Persival permanece em sua companhia, ela exerce a função de aconselhá-lo; ele, por sua vez, credita importância à fala da tia, como pode ser comprovado quando, ao falar com ela que se ele vingaria de quem matou seu irmão Lamaronte, ela o adverte:

– Nom podedes, disse a dona31, ca seríades em perjurado e desleal.

E se el mal fez no devedes vós por ende a fazer, ca em catardes a deslealdade de outrem nom é bem [83, c] mas a vossa lealdade, ca bem sabedes vós que havees que de manter a lealdade que começastes. E se assi fizerdes, vós subiredes em mui maior honra poderíades cuidar (DSG, 2005, p. 181).

Acrescentam-se aos conselhos prudentes da mulher outras falas suas que indicam sua importância na condução ética do sobrinho, de modo que ele

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