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4 DA DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO COMO ATO DE

4.3 DOS ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS

A bifurcação pela (im)possibilidade de presunção do dano ao erário para caracterização de atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92 estende-se ainda pelos tribunais de segundo grau de jurisdição, além dos tribunais superiores, existindo julgados filiados às duas correntes, mesmo quando se está diante do mesmo órgão julgador.

É o caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, no julgamento do Recurso Especial (REsp) 1376524 RJ, de relatoria do ministro Humberto Martins, exarou, em setembro de 2014, o entendimento de que a parte final do art. 10, VIII da 8.429/93 – “ou dispensá-los indevidamente” – é configurado pelo dano presumido. Sendo dano in re ipsa, presumiu-se o dano ao erário como advinda do ato de dispensa indevida:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA. DISPENSA INDEVIDA DE PROCEDIMENTO

LICITATÓRIO. ART. 10, VIII, DA LEI N. 8.429/1992. DANO IN RE IPSA.

SOCIEDADE EMPRESÁRIA CONTRATADA CUJO RECURSO NÃO FOI CONHECIDO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE ORIGEM. RECURSO NA QUALIDADE DE TERCEIRA PREJUDICADA. POSSIBILIDADE, POR FORÇA DOS ARTIGOS 3º E 5º DA LEI N. 8.429/1992 E DO ART. 499, § 1º DO CPC. DISPOSITIVOS LEGAIS NÃO PREQUESTIONADOS. SÚMULA N. 211 DO STJ. 1. Em observância aos princípios da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) e objetivando que a solução do litígio seja alcançada da forma mais célere possível (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), deve-se considerar que a sociedade empresária recorre na qualidade de terceira prejudicada, mormente porque, no caso, ela compõe o polo passivo da ação de improbidade por ter-se beneficiado de contratação procedida por meio de dispensa, indevida, de licitação, o que denota o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica que foi submetida à apreciação judicial. 2. "Em regra, é a parte sucumbente quem tem legitimidade para recorrer. O art. 499, § 1º, do CPC, contudo, assegura ao terceiro prejudicado a possibilidade de interpor recurso de determinada decisão, desde que ela afete, direta ou indiretamente, uma relação jurídica de que seja titular" (REsp 1319626/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 05/03/2013). 3. O recurso especial não merece conhecimento, à luz da Súmula n. 211 do STJ, em razão da ausência de prequestionamento dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 7º e 9º da Lei n. 8.429/1992. 4. A pretensão condenatória do Ministério Público foi manifestada com o ajuizamento da ação de improbidade, no prazo de 5 anos previsto no art. 23, I, da Lei n. 8.429/1992. Não há, pois, como concluir pela ocorrência da prescrição da pretensão condenatória. 5. É que, na melhor interpretação do art. 23, I, da Lei n. 8.429/1992, tem-se que a pretensão condenatória, nas ações civis públicas por ato de improbidade, tem o curso da prescrição interrompido com o mero ajuizamento da ação dentro do prazo de cinco anos após o término do exercício do mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança. 6. Assim, à luz do princípio da especialidade (art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro - DL n. 4.657/1942) e em observância ao que dispõe o art. 23, I, da Lei n. 8.429/1992, o tempo transcorrido até a citação do réu, nas ações de improbidade, que já é amplo em razão do próprio procedimento estabelecido para o trâmite da ação, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição, uma vez que o ajuizamento da ação de improbidade, à luz do princípio da actio nata, já tem o condão de interrompê-la. 7. O STJ tem externado que, em casos como o ora analisado, "o prejuízo ao erário, na espécie (fracionamento de objeto licitado, com ilegalidade da dispensa de procedimento licitatório), que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao erário, é in re ipsa, na medida em que o Poder Público deixa de, por condutas de administradores, contratar a melhor proposta (no caso, em razão do fracionamento e consequente não-realização da licitação, houve verdadeiro direcionamento da contratação)" (REsp 1280321/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 09/03/2012). 8. Quanto à alegação de inexistência de ato de improbidade por parte da recorrente, que argui ter prestado o serviço de boa fé, o recurso não merece prosperar, à luz dos entendimentos das Súmulas n. 7 e n. 211 do STJ. 9. A ausência de menção do Tribunal de origem, quanto à intenção da sociedade empresária recorrente ou sua participação na conduta ilícita, não tem o condão de induzir à conclusão de que não pode ser apenada pela Lei de Improbidade, a qual, aliás, é clara ao estabelecer que "as disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se

beneficie sob qualquer forma direta ou indireta" (art. 3º); e que, "ocorrendo lesão ao

patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano" (art. 5º). Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (STJ - REsp: 1376524 RJ 2012/0110410-8, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 02/09/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/09/2014. Grifo nosso).

O mencionado julgado tratava do caso em que o prefeito teria fracionado o valor do contrato para, fraudulentamente, se enquadrar em hipótese de dispensa de licitação pelo pequeno valor, o que é vedado pela lei de licitações nº 8.666/939. Na hipótese, o STJ entendeu que ao Ministério Público, autor da ação civil de improbidade, bastava comprovar a prática do ato de dispensa indevida, presumindo-se, por essa conduta, o prejuízo ao erário.

Esse entendimento, sendo, inclusive, concomitante àqueles de entendimento diverso, exarados pelo mesmo tribunal (como será possível confrontar adiante pelos julgados em sentido contrário), é mantido pela segunda turma do tribunal da cidadania em julgados posteriores.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. ART. 10 DA LEI

8429/92. PREJUÍZO AO ERÁRIO IN RE IPSA. PRECEDENTES DO STJ.

REVISÃO DAS SANÇÕES IMPOSTAS. PRINCÍPIOS DA

PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA. FÁTICO PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO.

1. A 2ª Turma do STJ possui entendimento no sentido de que a dispensa indevida de licitação ocasiona prejuízo ao erário in re ipsa, na medida em que o Poder Público deixa de contratar a melhor proposta, em razão das condutas dos administradores. Nesse sentido: AgRg nos EDcl no AREsp 178.852/RS, 2ª Turma,

Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 22/05/2013; REsp 817.921/SP, 2ª Turma,

Rel. Ministro Castro Meira, DJe 06/12/2012.

2. Na hipótese dos autos, a análise da pretensão recursal, no sentido de rediscutir a razoabilidade ou proporcionalidade das sanções aplicadas, com a consequente reversão do entendimento exposto pela Corte a quo, exigiria, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.

3. O recorrente não cumpriu os requisitos recursais que comprovassem o dissídio jurisprudencial nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC e do art. 255 e parágrafos, do RISTJ, pois há a necessidade do cotejo analítico entre os acórdãos considerados paradigmas e a decisão impugnada, sendo imprescindível a exposição das similitudes fáticas entre os julgados. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1512393 / SP - Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES – SEGUNDA TURMA – Julgamento 19-11-15 – Publicação – 27-11-15. Grifo nosso).

Se a segunda turma do STJ possui esse entendimento, por outro lado, existem julgados que afirmam pela impossibilidade dessa presunção. A razão dessa impossibilidade é em muito hermenêutica do caput do art. 10 da LIA, de modo que se requer uma comprovação efetiva do prejuízo, um dano quantificado. Nesse contexto, urge o entendimento do tribunal da cidadania:

9 Art. 23. § 5o É vedada a utilização da modalidade "convite" ou "tomada de preços", conforme o caso, para par- celas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de "tomada de preços" ou "concorrência", respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do exe- cutor da obra ou serviço. (BRASIL, Lei nº 8.666/93, com redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994).

RECURSO ESPECIAL Nº 1.498.692 - SP (2014/0299856-4) RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES RECORRENTE: BEATRIZ DE SOUZA DIAS ADVOGADO: JUVENAL ANTÔNIO TEDESQUE DA CUNHA RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. INTERES: ABEL DAVID ALVES ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. DANO AO

ERÁRIO. NECESSIDADE DE EFETIVA COMPROVAÇÃO. RECURSO A QUE

SE DÁ PROVIMENTO. DECISÃO Trata-se de recurso especial interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional contra acórdão, assim

ementado (fl. 1.001): AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA Improbidade administrativa decorrente de dispensa de licitação. Contratação de prestador de serviço sem licitação. Caracterizada improbidade

administrativa (art. 10 da Lei n. 8.429/92). Lesividade presumida. Correta aplicação das sanções nos termos do art. 12 da LIA, inclusive no tocante à devolução proporcional dos valores recebidos. Recurso não provido. Os embargos

de declaração opostos foram rejeitados (fls. 1.054-1.059): Nas razões do recurso especial, além de divergência jurisprudencial, a recorrente alega violação ao art. 10, inciso VIII, da Lei n. 8.429/92, sustentando a inexistência de dano ao erário, bem assim a impossibilidade de acolhimento de dano presumido (fl. 1.092). Afirma, ainda, que o serviço foi devidamente prestado. Contrarrazões (fls. 1.134-1.137). Admitido o recurso especial (fls. 1.140-1.141), subiram os autos. O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo não conhecimento do recurso (fls. 1.152-1.157). É o relatório. Decido. Devidamente preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. O Tribunal a quo consignou que no reconhecimento da conduta descrita no inciso VIII do artigo 10 da Lei n. 8.429/92 (frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente), a lesão é presumida (fl. 1.002). A orientação adotada no acórdão recorrido destoa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que entende como indispensável a prova de dano ao erário, sendo inadmissível o dano presumido. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: AÇÃO CIVIL PÚBLICA

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRATO ADMINISTRATIVO

ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535, III, DO CPC INEXISTÊNCIA AUSÊNCIA DE PRÉVIA LICITAÇÃO OFENSA AO ART. 4º, III, A, DA LEI N. 4.717/65 DANO

PRESUMIDO NÃO CONFIGURADO ACÓRDÃO RECORRIDO EM

CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO (REsp 1020313/MG, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe de 23/03/2010) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. AFRONTA AOS ARTS. 458, I, E 165 DO CPC. AUSÊNCIA DE

PREQUESTIONAMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO

RECONHECIDO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. DOLO. ANÁLISE DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. VERIFICAÇÃO DO PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. A configuração dos atos de

improbidade administrativa previstos no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa (atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário), à luz da atual jurisprudência do STJ, exige a presença do efetivo dano ao erário (critério objetivo) e, ao menos, culpa, o mesmo não ocorrendo com os tipos

previstos nos arts. 9º e 11 da mesma Lei (enriquecimento ilícito e atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública), os quais se prendem ao elemento volitivo do agente (critério subjetivo), exigindo-se o dolo. 4. Na hipótese, os agravantes foram condenados pela prática de ato de improbidade administrativa, porquanto caracterizada a lesão ao patrimônio público e dolo na atuação dos agentes, pois não preenchidos os requisitos necessários à inexigibilidade de licitação. 5. Rever as conclusões do Tribunal de origem sobre a existência de dolo na conduta dos agentes, bem como os elementos que ensejaram os atos de

improbidade, implica o reexame dos elementos fático-probatórios, o que não é possível pela via eleita (Súmula 7/STJ). 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 560.613/ES, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 09/12/2014) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. TRIBUNAL A QUO QUE CONSIGNOU A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS CONTRATADOS. EXEGESE DO ART. 12, III, DA LEI 8.429/92. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. MERA TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS. (...) 4. A leitura

atenta do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92 não deixa pairar qualquer dúvida de que a imposição de ressarcimento em decorrência de ato improbo perpetrado por agente público só é admita na hipótese de ficar efetivamente comprovado o prejuízo patrimonial. 5. Deveras, é ressabido que o dano material reclama a prova efetiva de sua ocorrência, porquanto é defesa condenação para recomposição de dano hipotético ou presumido. Ademais, à mingua de prova respeitante ao prejuízo, o eventual ressarcimento caracteriza locupletamento indevido (Precedentes: EREsp 575551/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi,

Corte Especial, DJ de 30 de abril de 2009; REsp 737279/PR, Relator Ministro

Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 21 de maio de 2008; e REsp 917.437/MG,

Relator Ministro Francisco Falcão, Relator para acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 1 de outubro de 2008). 6. No caso sub examinem, o Tribunal

a quo, soberano na análise do arcabouço fático-probatório dos autos, consignou que [...] "é irrelevante se os serviços foram efetivamente prestados para o Município" [...] (fl. 1.937), bem como que, [...] "mesmo que os serviços tenham sido efetivamente prestados, estará o Município se locupletando" [...] (fl. 1.938). Logo, ressoa evidente que os servidores, apesar de terem sido contratados sem a devida realização de concurso público, prestaram os serviços que lhes foram designados, de modo que inexiste prejuízo a ser reparado. 7. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido (REsp 1.113.843/PR, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 3.9.2009, DJe 16.9.2009.) Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial. Intimem-se. Publique-se. Brasília, 05 de março de 2015. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES Relator (STJ – REsp: 1498692 SP 2014/0299856-4, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: DJ 10/03/2015. Grifo nosso).

Dividido o próprio tribunal superior, também tribunais de segunda instância aparentam diferentes entendimentos. O Tribunal de Justiça (TJ) do Ceará aplicou a presunção do dano no seguinte julgado:

APELAÇÃO. LIBERAÇÃO DE VERBAS. INOBSERVÂNCIA DAS REGRAS LEGAIS. ORDENAÇÃO DE DESPESAS POR "BILHETES". ALEGAÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CARACTERIZADA. PREJUÍZO AO

ERÁRIO PRESUMÍVEL. DANO "IN RE IPSA". APELO CONHECIDO E

PROVIDO. 1. Trata-se de Apelação interposta em face da decisão que julgou improcedentes os pedidos iniciais, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do artigo 269 do Código de Processo Civil, por entender que não houve dolo no ato para a configuração da improbidade administrativa. 2. Os ilícitos administrativos supostamente imputados ao recorrente consistem em desvio de R$ 549.000,00 (quinhentos e quarenta e nove mil reais) das verbas do FUNDEF, atrasos nos pagamentos dos servidores públicos, fornecedores de bens e mercadorias e prestações de serviços contratados pelo Município, além de ordenação de despesas e de emissão de cheques pré-datados sem o cumprimento das formalidades legais. 3. Para que haja condenação nos casos previstos no artigo 10 da Lei nº 8.429/92 é

necessária a configuração de conduta ao menos culposa do agente público que viola os princípios da Administração, assim como a existência de prejuízo ao erário ou de enriquecimento ilícito, os quais são os bens protegidos pela lei de improbidade. 4. Analisando os elementos de prova constantes no caderno processual, documentos, depoimentos e extratos bancários, em conjunto com as alegações das partes, verifica- se que há suficiente prova de ato ímprobo. 5. Restou provado nos autos que várias

despesas foram realizadas e prestações contratadas sem o devido processo de licitação ou mesmo a motivação de sua dispensa, caracterizando a ocorrência do disposto no artigo 10, VIII e XI, da Lei de Improbidade Administrativa. 6.

Reputa-se inadmissível que os gestores, agentes públicos no exercício de função de relevância, desvirtuem suas atribuições, favorecendo "pessoas determinadas" em detrimento dos demais interessados na prestação do objeto licitado ou contratado sem licitação da Administração Pública. 7. O simples fato de dispensar licitação de

forma ilícita, por si só, já representa dano, uma vez que ao deixar de contratar a proposta mais vantajosa, fica caracterizado o prejuízo ao poder público pela conduta ímproba. O prejuízo é presumido, "in re ipsa", ou seja, decorrente do próprio ato praticado. 8. Apelo conhecido e provido. ACÓRDÃO Acordam os

Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos autos da Apelação Cível, processo nº 0001217- 52.2000.8.06.0000, por unanimidade, por uma de suas Turmas, em conhecer do apelo para dar-lhe provimento, nos termos do voto do eminente Relator. Fortaleza, 24 de fevereiro de 2016. (TJ-CE - APL: 00012175220008060029 CE 0001217- 52.2000.8.06.0029, Relator: HERACLITO VIEIRA DE SOUSA NETO, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/02/2016. Grifo nosso).

Destoante é o esposado pelo TJ do estado de São Paulo (SP) cujo tribunal entende que apenas quando houver comprovado dano, especialmente pelo superfaturamento ou inexecução do contrato, estar-se-á diante de ato ímprobo por dispensa indevida de licitação:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL – IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INDISPONIBILIDADE DE BENS – CONTRATAÇÃO DIRETA – AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO

LICITATÓRIO DANO MATERIAL AO ERÁRIO OU

SUPERFATURAMENTO – NECESSIDADE DE PROVA AINDA QUE INDICIÁRIA. 1. A indisponibilidade de bens pressupõe a existência de prova, ainda

que indiciária, de prejuízo material ao erário. Há dano material quando a obra ou

os serviços não são prestados, ou quando são prestados em desacordo com o contratado, mas ainda assim remunerados como se tivessem sido prestados. Ou quando houve superfaturamento em comparação aos preços praticados no mercado. O valor do contrato por si só, se a obra ou o serviço foi prestado e não há prova de superfaturamento, é contraprestação devida pelo contratante e não prejuízo ao erário. 2. É a lesão patrimonial ao erário ou o enriquecimento ilícito – e

não o ato de improbidade em si considerado – que justifica a decretação da indisponibilidade dos bens do agente (artigos 7º, 9º e 10, da Lei nº 8.429/92). 3. Falta de plausibilidade do direito invocado pela ausência de prova, ainda que indiciária, de dano ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito do agente. Indeferimento da indisponibilidade de bens. Admissibilidade. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJ-SP - AI: 21761013320158260000 SP 2176101-33.2015.8.26.0000, Relator: Décio Notarangeli. Data de Julgamento: 11/11/2015, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 12/11/2015. Grifo nosso).

O julgado transcrito direciona-se em questão importante da aplicação do entendimento pela impossibilidade de presunção, quando argumentado que, sendo intrínseco à sanção do art. 10 – consoante art. 12, II da Lei n° 8.429/92 – a pena de ressarcimento ao erário consistiria em

locupletamento ilícito da administração.

Sendo assim, requerendo a demonstração de prejuízo efetivo, quando não decidindo pela total improcedência de pedido autoral de condenação em ato de improbidade, é comum que o órgão julgador opte por aplicar a condenação não do art. 10 da LIA – entendendo ausente requisito de prejuízo ao erário e, por consequência, da pena de ressarcimento – mas subsumido o ato de dispensa indevida de licitação como sendo ato de improbidade administrativa que afronta o princípio da administração do art. 11 da Lei de Improbidade.

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO AÇÃO CIVIL PÚBLICA

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA LICITAÇÃO DISPENSA INDEVIDA

PREJUÍZO PATRIMONIAL AUSÊNCIA IRRELEVÂNCIA OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO. 1. O dever de

licitar está intimamente ligado ao dever de probidade. A licitação indevidamente

dispensada, ainda que não cause prejuízo ao erário, constitui ato de improbidade administrativa porque atenta contra os princípios constitucionais da administração pública (art. 37, caput, CF). 2. A improbidade do art. 10 da Lei nº

8.429/92 depende de demonstração de prejuízo patrimonial ao erário, pois inadmissível a condenação ao ressarcimento de dano hipotético ou presumido. Prejuízo ao erário não demonstrado. Infração não caracterizada. 3. Aquisição de bens e serviços mediante contratação direta. Dispensa indevida de licitação.

Fracionamento das compras. Bens entregues à Administração e inexistência de superfaturamento. Ausência de prejuízo patrimonial. Irrelevância. Ato que caracteriza a improbidade do art. 11 da Lei nº 8.429/92. Dosimetria das penas.

Necessidade. Agravo retido não conhecido. Recurso do Ministério Público

desprovido. Recurso dos réus providos, em parte. (TJ-SP - APL:

00134465120058260566 SP 0013446-51.2005.8.26.0566, Relator: Décio

Notarangeli. Data de Julgamento: 26/11/2014, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 26/11/2014. Grifo nosso).

Dividindo doutrina e jurisprudência, o dano ao erário pela dispensa indevida de licitação abraça o estudo – de onde advém a importância das abordagens dos capítulos anteriores – do entendimento do próprio processo licitatório enquanto medida asseguradora, notadamente, da busca pela melhor proposta à administração pública. Ao lado, denota-se, ainda, pela concepção