• Nenhum resultado encontrado

Dos pilares da Física ao átomo de Bohr (breves

Mesmo com as antigas noções sobre átomos, até o final do século dezenove (1801-1900), aparentemente não havia grande necessida- de intelectual nem experimental para o estudo do átomo. À época do fim daquele século, o "século das respostas", a Física criada por Galileu chegava a um impasse: os fenômenos naturais estavam razoavelmente explicados pelas teorias que fazem parte da Física Clássica.

Os "pilares" da física são: a Mecânica, criada por Isaac New- ton, a Termodinâmica e o Eletromagnetismo. A denominação de "clássica", para essa Física, deve ser entendida com cautela. Não tem o sentido de algo situado somente no passado, uma vez que tais teorias são ferramentas de uso do dia a dia de uma quantidade considerável de pesquisadores das ditas ciências exatas e, certamen- te, dos astrofísicos que estudam estrelas. Então, vamos tecer breves comentários sobre eles e, em seguida, descrever o contexto do nascimento da teoria atômica e o átomo de Bohr propriamente dito.

Mecânica de Newton

Em 1687, Isaac Newton publicou o livro Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural) que contém as leis fundamentais da Mecânica Clássica e da gravitação. Com sua lei da gravitação, mudou a visualização da natureza, de um enfoque bidimensional para um tridimensional ao mostrar de que forma as forças atuam em todo o espaço. Assim foi possível para ele deduzir as formas das órbitas dos corpos celestes conhecidos do sistema solar. A Física de Newton explicou os fenômenos mecânicos conhecido até o fim do século dezenove.

É interessante observar o determinismo da Mecânica de New- ton da forma que segue. As quantidades físicas envolvidas, como, por exemplo, a posição, são contínuas e suas variações em relação

ao tempo, ou taxas de variação, como, por exemplo, a velocidade, também são contínuas. O formalismo que descreve o movimento de um sistema, ou partícula (a chamada equação de movimento) especifica a evolução no tempo das quantidades físicas em questão. Isto significa que conheço o destino do sistema, ou partícula, a cada instante de tempo, desde que me sejam dadas as condições iniciais. Levando este raciocínio ao extremo, em termos da Mecânica de Newton, se o presente estado de coisas é conhecido, bem como as forças atuantes, então em princípio todo o futuro do Universo está fixado. Devido a este futuro determinado pela teoria, podemos dizer que esta é determinística. Isso não ocorre com a teoria capaz de descrever os fenômenos atômicos e nucleares: para estes, não é possível prever o comportamento de forma única.

Termodinâmica e Mecânica Estatística

A Termodinâmica trata das relações entre calor e trabalho mecânico. Surgiu, inicialmente, como teoria fenomenológica, ou seja, uma teoria heurística22 de fenômenos macroscópicos.

Já comentamos como Bernoulli, em 1738, descreveu a pressão exercida por um gás, através da movimentação das moléculas e colisões sobre as paredes de um recipiente, sendo isso utilizado na elaboração da teoria para a dinâmica das partículas do gás.

22 Segundo o dicionário Aurélio, heurística é um método analítico para o

descobrimento de verdades científicas. Segundo Abbagnano (referência 1), heurística significa pesquisa ou arte de pesquisar: é uma palavra

moderna originada, irregularmente, do verbo eurisko, ou ευρισκω que significa acho. O verbo grego também pode significar imaginar ou

encontrar. Daí vem a expressão eureka = achei, encontrei. Ainda, é possível que heurística seja um cruzamento de eurisko com eureticos, o qual em grego escreve-se ευρετικος e significa inventivo (ver, por exemplo, Dicionário Etimológico Nova Fronteira, 1982). Ou seja, podemos "traduzir" heurística como um "achar de forma inventiva".

De 1850 a 1900, Rudolph Emanuel Clausius (Alemanha, 1822-1888), James Clerk Maxwell (Escócia, Inglaterra, 1831- 1879), Ludwig Boltzmann (Áustria, 1844-1906) e Josiah Willard Gibbs (EUA, 1839-1903) desenvolveram a Teoria Cinética dos Gases e fundaram a chamada Mecânica Estatística.

Após a formulação da Teoria Cinética dos Gases, a Termodi- nâmica estabeleceu-se como ciência. A Mecânica Estatística levou à compreensão do mundo macroscópico por meio de conceitos de probabilidade. Para compreender isto, imagine um recipiente contendo gás, ou seja, partículas isoladas, ou moléculas, cujo movimento é caótico. Para este sistema é possível utilizar as leis da probabilidade que podem descrever algumas propriedades globais do sistema, independente do fato de desconhecermos as posições e velocidades de cada partícula isolada. Com isto, a probabilidade surge como uma linguagem para a interpretação de um fenômeno físico.

Em 1865, Clausius formulou uma lei fundamental, a chamada segunda lei, ou segundo princípio da Termodinâmica, que pode ser descrita como se segue: não é possível a passagem espontânea de calor de um corpo mais frio para outro mais quente. Clausius propõe em 1865 o nome entropia, para o conteúdo de transforma- ção de um corpo, devido ao grego η τροπη, que significa uma transformação. Em suas palavras (1865, Annalen der Physik und Chemie, 125, 353):

"Eu intencionalmente formei a palavra entropia de tal forma a ser tão parecida quanto possível com energia, uma vez que ambas as quantidades (...) estão tão proximamente relaciona- das (...) em seus significados físicos, que uma certa similari- dade em seus nomes parece-me vantajoso."

A entropia é uma medida da degradação da energia: o estado de máxima entropia corresponde ao estado de homogeneização e de equilíbrio térmico, no qual desaparecem as possibilidades de

transformação. Utilizando o conceito de entropia, a Segunda lei da Termodinâmica é formulada como se segue: em um sistema isolado a entropia nunca diminui.

Em 1877, Boltzmann associou entropia à probabilidade ter- modinâmica, o que abriu as portas para o entendimento do mundo macroscópico tendo como base a dinâmica molecular. Segundo a perspectiva de Boltzmann a entropia passa a indicar uma medida da desordem molecular, ou da degradação da ordem e degradação da organização.

Eletromagnetismo

Em 1830, Michael Faraday (Inglaterra, 1791-1867) introduziu certas linhas imaginárias, as chamadas linhas de campo, para representar os possíveis modos de interação entre partículas eletricamente carregadas. Tais linhas podem representar não só a direção de interação como a intensidade da interação. Faraday ampliou a noção de linhas de campo para explicar a influência recíproca de objetos carregados eletricamente. Essa ideia é matemática em sua essência, mas talvez porque ele não tivesse o arcabouço matemático necessário, não é devido a ele, e sim a Maxwell, transformar a ideia, em 1860, em uma teoria quantitativa. Maxwell forneceu uma explicação para a teoria ondulatória da luz (que estava de acordo com a Física Óptica conhecida na época) e estabeleceu como inseparáveis, os fenômenos elétricos e magnéti- cos: associado a uma corrente elétrica sempre há um campo magnético. Também ficou estabelecida a carga elétrica acelerada como fonte primária de radiação. Quando a carga sofre uma aceleração, há uma perturbação nos campos elétricos e magnéticos

e esta perturbação propaga-se na forma de ondas eletromagnéticas, no vácuo, com a velocidade da luz.23

As explicações de Maxwell para as ondas eletromagnéticas só tiveram aceitação em 1888, devido a uma demonstração de Heinrich Rudolph Hertz (Alemanha, 1857-1894), oito anos após o falecimento de Maxwell. Contudo os físicos, impregnados do mecanicismo e determinismo, repeliram a ideia de uma onda oscilando no vazio, e passaram a considerar um meio: o "éter", cuja função era propiciar uma substância na qual as ondas oscilassem. Somente no final do século dezenove a ideia do éter foi abandona- da. Hertz inventou osciladores capazes de produzir e detectar essas ondas e também conseguiu demonstrar experimentalmente que as ondas propagavam-se com a velocidade da luz. Além disto, enquanto verificava a existência das ondas eletromagnéticas previstas por Maxwell, ele descobriu o efeito fotoelétrico, que se manteve sem explicação até 1905, e foi um dos motivadores para a revisão da necessidade de novos conceitos nas teorias físicas.

Contexto histórico (um ponto de vista)

Apesar de Newton ter sido um atomista, a explicação dos fenôme- nos mecânicos não requeria a existência dos átomos. Na Mecânica Estatística, o resultado global de partículas sobre um sistema macroscópico (ou sistema termodinâmico) foi relevado em detrimento do comportamento individual das partículas constituin- tes de um gás. O Eletromagnetismo tratava de ondas e não de partículas. Ao final do século dezenove, quase todos os experimen- tos conhecidos podiam ser ajustados às teorias existentes e muitos

23 Como já escrevemos, há outra forma de visualizar a radiação eletro- magnética, em termos dos fótons, que carregam uma energia que é proporcional à frequência da radiação.

eram da opinião de que o trabalho de seus sucessores resumia-se a aumentar a precisão dos dados.

Entretanto, o século dezenove foi particularmente rico em ideias e manifestações da criatividade humana. Novos ramos da ciência foram criados e/ou ganharam autonomia. Surgiram: a biologia, fundamentada na teoria da evolução das espécies, a antropologia, a psicologia, a sociologia. No campo das artes, apareceram o impressionismo e o expressionismo; surgiram os embriões da literatura moderna; revoluções também ocorreram na música. Houve um fervilhar de uma grande quantidade de concepções originais.

Mesmo considerando a grandeza da Mecânica Estatística e do Eletromagnetismo, naquele século, grande parte das descobertas na Física foram leis obtidas da observação de experimentos, as quais, apesar de essenciais na escalada da Física, careciam da diversidade de criatividade apresentada nos exemplos acima, em outras áreas.

Tal discrepância pode ser devida, entre outros, a dois fatores distintos. Por um lado, a linguagem científica, baseada na Matemá- tica, na lógica e possuindo uma semântica específica, pode ser tornada uma "camisa de força" para a expressão de novas ideias. Por outro lado, podem ocorrer períodos nos quais os líderes intelectuais apresentem alguma rigidez intelectual. Tais fatores, quando conjugados, acarretam rigidez na atividade de pensamento, inibindo a criatividade.

Talvez estes aspectos aliados ao fervilhar de novas concepções em muitas outras áreas e ainda ao acumulo de dados que aguarda- vam explicações, tenha induzido um efeito de "panela de pressão" na "ciência básica".

De fato, coisas estranhas apareciam da observação dos fenô- menos, algumas permanecendo estranhas por décadas, e cujo processo de entendimento desencadeou a maior taxa de criatividade na história da Física e permitiu o nascimento da Astrofísica, que

por sua vez, ampliou os limites do Universo teórico e observacio- nal.

Nos anos 1890, como já descrito no texto, das experiências com material radioativo (por exemplo, as de Becquerel, de Rutherford, e do casal Curie, descritas anteriormente), ficou estabelecido que átomos emitiam partículas positivas. Já o efeito fotoelétrico, por exemplo, que foi explicado por Einstein, utilizando-se da quantização de Planck, evidenciou a emissão de partículas negativas.

As "partículas negativas", ou melhor, os elétrons, foram des- cobertos, em 1897, por Joseph John Thomson (Inglaterra, 1856- 1940). Thomson estabeleceu a massa do elétron, como cerca de 2000 vezes menor que a carga positiva do átomo de hidrogênio (o próton).

Portanto, partículas positivas e negativas deveriam constituir os átomos. Baseado no fato de que estes em geral são neutros, Thomson imaginou, em 1904, um modelo atômico, com elétrons negativos cravados em uma esfera difusa de carga positiva, como passas em um bolo.

Em 1911, Rutherford utilizou núcleos de hélio (partículas α) para "bombardear" uma fina folha de ouro. Sua equipe verificou que, apesar da maior parte das partículas α atravessarem a folha sem serem desviadas, algumas apresentavam grandes deflexões e, até, algumas ricocheteavam e eram defletidas de volta. Isto era um resultado surpreendente e só podia ser explicado pela presença de porções concentradas de cargas elétricas positivas intercaladas de imensos espaços vazios, e assim seria constituída a matéria. Com os dados, Rutherford pode fazer o primeiro cálculo das dimensões de tais porções, que conteriam a maior parte da massa dos átomos, uma vez que a carga positiva estava associada à maior massa. Nascia o núcleo atômico.

Então o modelo de J. J. Thomson não era correto; mas, uma simples questão impõe sérios problemas ao modelo nuclear de Rutherford: átomos em geral são neutros e, portanto, associado ao núcleo positivo deve haver, necessariamente, elétron(s) negativo(s). Ocorre que cargas positivas e negativas se atraem e os elétrons deveriam ser atraídos para núcleo.

Tal modelo leva a uma instabilidade mecânica, a menos que dotemos a carga negativa de movimento orbital, tal como a Terra, sujeita à atração gravitacional do Sol, que permanece em sua órbita devido ao movimento de rotação em torno do Sol (que compensa a atração).

Entretanto, segundo Maxwell, uma carga acelerada irradia, perdendo energia e levando ao colapso do modelo. Se o elétron estivesse inicialmente em um raio da ordem de 10−8cm, iria, em um movimento acelerado em direção ao núcleo, emitindo energia eletromagnética de forma contínua e consumiria sua energia em cerca de 10−11segundos. Não parece um modelo razoável. Não teríamos configurações estáveis, nem combinações químicas, nem seres humanos, nem o universo que conhecemos e, além disso, havia as evidências experimentais. Átomos produzem espectros

discretos, o que equivale a dizer que o átomo altera seu estado por

quantidades discretas de energia. Então o átomo só deveria existir em estados discretos, estacionários, sendo o estado de mais baixa energia aquele onde normalmente ele se encontra, ao menos na Terra.

Átomo de Bohr

Para resolver esta série de questões, o físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962), em 1913, introduziu uma teoria aparentemente "impossível", que funcionou muito bem para átomos simples.

O primeiro modelo atômico que funcionou, o de Bohr, base- ou-se em postulados, que podem ser considerados como um "mecanismo" engenhoso para descrever o comportamento do elétron, e que deveriam satisfazer as evidências experimentais. Podemos simplificar a explicação do modelo da seguinte forma:

a. existem órbitas circulares definidas para os elétrons de cada

elemento, caracterizadas por raios bem determinados;

b. se um elétron encontra-se em uma de tais órbitas, então possui

uma energia constante.

c. embora esteja constantemente acelerado, dado que sua energia

é constante, o elétron não emite radiação eletromagnética ou fótons.

d. uma vez que ocasionalmente os átomos irradiam, e satisfazen-

do as condições anteriores, só resta ao elétron emitir ou absor- ver energia quando salta de um estado permitido para outro também permitido, e a energia da radiação deverá corresponder à diferença de energia entre os respectivos estados.

Isto equivale a dizer que o elétron "desaparece" de uma órbita e "aparece" na outra (realiza um salto quântico) sem passar pelo meio do caminho! Diante deste estado de coisas, como falar então de trajetória determinística, ou passível de ser determinada através de condições iniciais?

Hoje sabemos que não podemos ter certeza, nem da trajetória de um elétron, nem de sua posição e, mesmo, há dificuldade em se visualizar o que seja um elétron.

Em 1925, Wolfgang Pauli formulou as bases do que hoje co- nhecemos como princípio da exclusão que justificava, por exemplo, porque algumas linhas espectrais previstas pela teoria nunca eram observadas. Ele constatou que dois elétrons não poderiam estar em um mesmo estado de energia. Portanto não haveria a possibilidade de certas transições e consequentemente não

existiriam as linhas correspondentes àquelas transições. Graças a este princípio, foi possível explicar parcialmente, no contexto da Física, a classificação periódica dos elementos. Os possíveis arranjos eletrônicos são tais, que há uma capacidade máxima para cada orbital.

Outras histórias da época do átomo de Bohr foram parcial- mente contadas no item 2.2 (Grandes ideias para pequenos mundos), onde se descreve o nascimento da Mecânica Quântica, que é a teoria que foi capaz de prover uma visão mais ampla e completa dos processos quânticos que a propiciada por Bohr (embora a teoria de Bohr tenha sido fundamental na escalada do conhecimento).

Documentos relacionados