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2 OS PROBLEMAS PROCESSUAIS E ESTRUTUTRAIS QUE ENVOLVEM O

2.1 Do processo de aplicação da convenção

2.1.3 Dos Problemas Processuais

Após entendermos os órgãos envolvidos na fase judicial, é necessário explicar que a fase judicial na maioria das vezes é uma situação que é morosa e muito desgastante, já que existe um envolvimento emocional muito grande entre aqueles que são os alvos da Convenção.

2.1.3.1 Da Problemática Pessoal

Para se ter uma ideia, segundo dados do Conselho da Justiça Federal, que é o órgão da própria Justiça Federal cujo dever precípuo é supervisionar administrativa e orçamentariamente os órgãos a ela subordinados, tramitaram em 2016 em todas as 5 regiões da Justiça Federal no Brasil 7.490.285 (sete milhões e quatrocentos e noventa mil e duzentos e oitenta e cinco) processos judiciais61 que envolvem todos os tipos de

processos, sejam eles cíveis ou criminais

60 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: Incluindo noções de direitos humano e direito comunitário. 5. Ed. Salvador: Editora JusPodium, 2013, p. 796.

61 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Movimentação Processual – Justiça Federal de 1º Grau.

Brasília. 2017. Disponível em:

<http://daleth.cjf.jus.br/atlas/Internet/MovimProcessualJFINTERNETTABELAS.htm>. Acesso em: 13 de novembro de 2017>

Não é de hoje que no Brasil a Justiça é, de fato, lenta, remontando a um histórico de negação à cidadania plena dos cidadãos, a dificuldade de acesso ao judiciário, dentre outros problemas crônicos e históricos da Justiça Brasileira62.

Porém, sendo mais específico, é necessário entender que as demandas judiciais viveram um momento de “explosão” com a vigência da Constituição Federal de 1988, ou como é conhecida: “Constituição Cidadã”.

Foi com a promulgação dessa Carta Magna que houve a facilitação do acesso à Justiça, através de mecanismos que antes não eram amparados ou explícitos, como o acesso universal aos meios judiciais e a Defensoria Pública.

Nesse conjunto, o Poder Judiciário ficou sufocado, já que a demanda cresceu exponencialmente, ao passo que as varas, os cartórios e o número de servidores cresceu de forma bem tímida, fazendo com que fossem distribuídos muito mais processos do que os processos transitados em julgado.

Essa é uma dinâmica que é realidade em todas as esferas do Poder Judiciário, desde o Juiz de Direito da Comarca do Interior até os gabinetes dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, passando pelos Tribunais de Justiça dos Estados e os Tribunais Regionais Federais.

Essa realidade também está presente dentro das Varas Federais de todo o Brasil, que vivem em crescente de números de processos distribuídos. Basta analisar os dados disponíveis por esse mesmo Conselho da Justiça Federal, que em 2002 foram distribuídos 1.368.061 (um milhão e trezentos e sessenta e oito mil e sessenta e um) processos na Justiça Federal de todo o país63. Em 2016, foram distribuídos 2.744.137 (dois milhões e setecentos e quarenta e quatro mil e cento e trinta e sete) processos64.

Ou seja, num período de 14 (quatorze) anos, o número de demandas judiciais que bateram a porta das Varas Federais mais que dobrou, enquanto a proporção de juízes ainda apresenta déficit de 151 (cento e cinquenta e um) juízes, conforme dados do Conselho da Justiça Federal ainda em 200965.

62 Disponível em: < https://correio-forense.jusbrasil.com.br/noticias/661591/cnj-mostra-o-retrato-da- morosidade-da-justica-brasileira>. Acesso em: 02 de dezembro de 2017.

63 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Movimentação Processual – Justiça Federal de 1º Grau.

Brasília. 2017. Disponível em:

<http://daleth.cjf.jus.br/atlas/Internet/MovimProcessualJFINTERNETTABELAS.htm>. Acesso em: 13 de novembro de 2017>

64 Ibid.

65 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Indicativo de Carência nas Varas da Justiça Federal por Região. Brasília. 2009. Disponível em: < http://daleth.cjf.jus.br/atlas/Internet/ICVJFporRegiao.htm>

Contudo, a função desse trabalho não é culpar os agentes estatais pela demora no processamento e julgamento das ações decorrentes da Convenção da Haia de 1980, porém explicar de forma clara as imperfeições do sistema judicial brasileiro que comprometem capacidade do Estado Brasileiro em arcar com seu compromisso perante a Comunidade Internacional no que tange à resolução dos casos de sequestro internacional de crianças.

2.1.3.2 Da Problemática Temporal

Como já citado anteriormente, o Brasil tem algumas dificuldades estruturais que o deixam em uma situação bastante complicada perante os outros signatários da Convenção, já que dificilmente ele consegue dar uma resposta satisfatória às outras Autoridades Centrais.

Devemos tomar como parâmetro inicial o artigo 11 da Convenção, que limita o tempo decisório das Autoridades Administrativas e Judiciais, incluindo a Autoridade Central, conforme vejamos:

“Artigo 11 - As autoridades judiciais ou administrativas dos Estados Contratantes deverão adotar medidas de urgência com vistas ao retorno da criança. Se a respectiva autoridade judicial ou administrativa não tiver tomado uma decisão no prazo de 6 semanas a contar da data em que o pedido lhe foi apresentado, o requerente ou a Autoridade Central do Estado requerido, por sua própria iniciativa ou a pedido da Autoridade Central do Estado requerente, poderá solicitar uma declaração sobre as razões da demora. Se for a Autoridade Central do Estado requerido a receber a resposta, esta autoridade deverá transmiti-la à Autoridade Central do Estado requerente ou, se for o caso, ao próprio requerente.”

Esse prazo de 6 semanas não é vinculante66, tornando-o apenas um balizador para que eventuais reclamações sejam feitas como forma de estimular as Autoridades do Estado Requerido, assim como um referencial para que todo o aparato administrativo e judicial seja idealizado afim de atender essas premissas.

66 TIBURCIO, Carmen; CALMON, Guilherme. Sequestro Internacional de Crianças: Comentários à Convenção da Haia de 1980. 1. Ed. São Paulo : Editora Atlas. 2014, p. 198

Para se entender melhor o motivo desse prazo, é preciso buscar o a análise do Desembargador Federal da 4ª Região, o Doutor Jorge Maurique, que num artigo para a Revista Doutrina do TRF-467, foi assertivo ao dizer:

“Observa-se que esse prazo de seis semanas não é aleatório, mas sim um prazo fixado, pensado nos interesses da criança que foi subtraída indevidamente do seu local de residência habitual, isto é, está privada do convívio de seu círculo familiar e social, muitas vezes afastada da escola, porquanto, quando há deslocamento ou retenção ilegal, a criança passa a uma situação de clandestinidade e precariedade. Portanto, o prazo fixado de seis semanas tem por finalidade a redução ao máximo das nefastas consequências do deslocamento ilegal, visando à devolução da criança ao seu centro de convivência no prazo mais célere possível. Seis semanas na vida de qualquer pessoa pode ser, ou não, um prazo curto ou longo, mas na vida de qualquer criança – desenvolvendo suas potencialidades físicas e mentais, privada da convivência com seus amigos, parentes, muitas vezes com dificuldades de comunicação devido a idiomas diferentes – é, de fato, um prazo considerável. Mesmo assim, deve ser dito que raramente se consegue concluir, no Brasil um processo que envolva restituição de crianças nesse prazo”

Outro ponto que deve ser comentado nesse artigo é sua menção às medidas de urgência, que tem caráter manifestamente reivindicatório, explicitando aos Estados Contratantes que deles se espera a solução mais rápida, com eficácia mais célere.

Como a Convenção tem função de apenas restituir a criança ao seu país de residência habitual, pede-se urgência nos atos processuais e administrativos como um todo, sem discutir os termos de guarda.

Considerando o que já foi dito acima, fica fácil verificar que a morosidade processual brasileira tem impactos fortíssimos na tramitação de qualquer processo que seja distribuído pelos cartórios judiciais.

Por fim, deve-se explicar que a problemática temporalestá intimamente conectado a um ponto de dificuldade, que talvez seja até mais importante que o temporal, pois é um dos principais motivos de se ultrapassar o tempo recomendado

2.1.3.3 Da Problemática Processual

67 MAURIQUE, Jorge Antonio. Anotações sobre a convenção de Haia. Revista de Doutrina da 4ª Região,

Porto Alegre, n. 28, mar. 2009. Disponível em:

<http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/jorge_maurique.html >. Acesso em: 23 de novembro de 2017.

Como explicado ao longo do trabalho, o grande problema para se aplicar a Convenção da Haia de 1980 é a questão temporal, já que existe uma recomendação de 6 semanas para que a situação seja resolvida.

Porém, no Brasil, desde a Constituição Federal de 1988 o Pode Judiciário virou o divisor e última palavra no que se fala sobre qualquer direito que possa ter sido violado ou qualquer insatisfação do cidadão, já que o artigo 5º, inciso XXXV fala dessa amplitude do Poder Judiciário: “XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Portanto, qualquer das partes que se sinta preterido e desconfie que teve seus direitos violados, pode recorrer à tutela jurisdicional.

E no diploma processual civil brasileiro, que vigora após a edição do CPC de 2015, existe a indicação expressa para que a autoridade judiciária brasileira seja competente para o processamento e o julgamento de ações cujo o fato tenha sido praticado no Brasil, conforme o artigo 21, inciso III: “Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que: [...]III - o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.”

Além disso, no que tange à cooperaçãojurídica internacional, fica bem claro que a mesma terá como objeto a concessão de medida judicial de urgência, por força do artigo 27, inciso IV do Código de Processo Civil.

Cabe ressaltar que esse inciso está em total sincronia com o artigo 2º da própria Convenção da Haia de 198068.

Superada essa explicação geral do papel da autoridade judicial brasileira em questão de cooperação jurídica internacional e dos pressupostos constitucionais, deve-se entrar agora no cerne da questão da problemática processual, que também tem escopo constitucional e encontra fundamento no próprio Código de Processo Civil.

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