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DOS TIPOS MÓVEIS À TIPOGRAFIA CINÉTICA: A VISUALIDADE DA

1 INTRODUÇÃO

1.1 DOS TIPOS MÓVEIS À TIPOGRAFIA CINÉTICA: A VISUALIDADE DA

Antes de nos juntarmos a esses outros, eu digo particularmente, amigo velho (receio que, na verdade, dentro de você), aceite por favor esse despretensioso buquê de parênteses prematuramente desabrochados: (((()))). Presumo, bastante defloradamente, que quero que os aceite, antes de tudo, como curvos e encurvados testemunhos do meu estado físico e mental nesse escrito...

J. D. Salinger, Pra cima com a viga, moçada! (1984)

“Buquê de parênteses” é uma boa expressão para começarmos as reflexões deste capítulo. Tal metáfora, que é cerne do trecho acima reproduzido e propicia outras como “desabrochados” e “defloradamente”, funciona como a chave para a compreensão do estado físico e mental do narrador ao escrever. Ao dispor os três pares de parênteses como se observa na epígrafe, Salinger alude não só verbal, mas também imageticamente ao movimento de boca durante um bocejo, o que nos fornece pistas para interpretá-lo como resultante de preguiça, fadiga e afins. É deste potencial de sentido da tipografia que nos interessa tratar ao longo das próximas páginas – sem parênteses desabrochando, esperamos. Mas, antes, continuemos com outros exemplos-preâmbulo.

Recentemente, um interessante uso do acento til, mais frequente em textos escritos em redes sociais, vem chamando-nos a atenção. Muitos internautas – facebooqueanos, twitteiros, blogueiros etc. – reconfiguraram o uso desse acento, que passou a exercer concomitantemente a função do travessão-duplo e das aspas, como se pode ver a seguir:

Como se pode verificar por estes três exemplos14, os termos entre til são desestabilizados, ironizados tal qual se faz com o uso das aspas (no primeiro caso, há alusão a Olavo de Carvalho; no segundo, demonstra-se que só algo desimportante recebe tal tratamento); e, no terceiro, tem-se o uso incorporado também por grandes empresas, como a Editora Saraiva, que fez esta postagem no Dia do Livro em sua página do Facebook. Ao mesmo tempo em que há ironia sinalizada no uso de aspas, há um destaque semelhante ao que se obtém com o uso dos travessões. Interpretamos esse novo uso como uma associação à ideia de fluidez, de malemolência, que é possível se extrair da imagem do acento til em relação à de retidão do travessão. Essa leitura tem fundamento ao considerarmos que é justamente pela

visualidade dos caracteres, dos tipos, das fontes que emoticons – aglutinação das palavras

inglesas emotion e icon – são reunidos para fornecer uma dada informação. Esse novo uso muito frequente do duplo-til conferiu ao texto um tom jocoso que normalmente costuma permear esse tipo de construção, principalmente se levarmos em conta que, cada vez mais, a pontuação e a acentuação em mensagens/postagens/tweets são lidas como formalidade/seriedade e/ou indício de tristeza, raiva ou outras emoções (Malady, 2014; Crair, 2013), ainda mais quando há limite de caracteres utilizáveis, como é o caso do Twitter.

No entanto, é um enganopressupor, vale de princípio ressaltar, que a exploração das potencialidades de sentido da tipografia nos é tão próxima, como podem apontar esses três exemplos que datam do século XXI. Já em 1881, em uma publicação da revista humorística Puck, é possível entrever o nascimento dos já referidos emoticons, frequentes na escrita em meio virtual e normalmente associados à modernidade, à atualidade. Então entendidos como “Arte tipográfica”, os arranjos dos caracteres tipográficos em alusão a uma emoção já denunciavam essa visualidade da escrita e suas potencialidades para além do texto verbal em

stricto sensu.

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Quadro 9 – Primeiraocorrência de

Ainda é importante pontuar que já há muito tempo que os

usados como sinalizador de tom do enunciado ou mesmo como estratégia de proteção de face (cf. Maingueneau, 2001), não necessariamente da emoção que se sente ao escrever. Esse anseio por explicitar alguns subentendidos ou pressupostos dos enunciados, sobretudo quando irônicos ou sarcásticos – sabidamente os que exigem um processamento cognitivo ainda mais complexo –, é potencializado pelas interações por escrito menos monitoradas em meio virtual, mas não é uma preocupação recente.

intitulado “Essaytowards a Real Characterand a PhilosophicalLanguage”

em propor um modo de indicar uma ironia, como com o uso de um caractere tipográfico, sendo sucedido por muitos outros neste intento (cf. Houston, 1977).

A partir desses breves exemplos em meio virtual –, observa-

além do adorno ou de um meio para a leitura do texto verbal. A escolha de um ti

como se dispõem na página/tela, os recursos semióticos de que se utiliza, as inserções de imagens pictóricas, entre outros aspectos, podem nos fornecer pistas de como a sociedade se organiza, que convenções retóricas operam em dada cultura, de c

categorizam os textos, associando

Primeiraocorrência de emoticons, então chamados de Arte Tipográfica.

Ainda é importante pontuar que já há muito tempo que os emoticons

usados como sinalizador de tom do enunciado ou mesmo como estratégia de proteção de face ), não necessariamente da emoção que se sente ao escrever. Esse anseio por explicitar alguns subentendidos ou pressupostos dos enunciados, sobretudo quando sabidamente os que exigem um processamento cognitivo ainda mais , é potencializado pelas interações por escrito menos monitoradas em meio virtual, mas não é uma preocupação recente. Em 1668, o filósofo John Wilkins, em um ensaio

Essaytowards a Real Characterand a PhilosophicalLanguage”

propor um modo de indicar uma ironia, como com o uso de um caractere tipográfico, sendo sucedido por muitos outros neste intento (cf. Houston, 1977).

A partir desses breves exemplos – de textos estáticos, tanto em meio impresso quanto -se que os percursos que o uso da tipografia pode tomar vão muito além do adorno ou de um meio para a leitura do texto verbal. A escolha de um ti

como se dispõem na página/tela, os recursos semióticos de que se utiliza, as inserções de imagens pictóricas, entre outros aspectos, podem nos fornecer pistas de como a sociedade se organiza, que convenções retóricas operam em dada cultura, de como os produtores/leitores categorizam os textos, associando-os a uma determinada configuração tipográfica e não a

, então chamados de Arte Tipográfica.

emoticons passaram a ser

usados como sinalizador de tom do enunciado ou mesmo como estratégia de proteção de face ), não necessariamente da emoção que se sente ao escrever. Esse anseio por explicitar alguns subentendidos ou pressupostos dos enunciados, sobretudo quando sabidamente os que exigem um processamento cognitivo ainda mais , é potencializado pelas interações por escrito menos monitoradas em meio virtual, Em 1668, o filósofo John Wilkins, em um ensaio

Essaytowards a Real Characterand a PhilosophicalLanguage”, já se aventurava

propor um modo de indicar uma ironia, como com o uso de um caractere tipográfico,

de textos estáticos, tanto em meio impresso quanto se que os percursos que o uso da tipografia pode tomar vão muito além do adorno ou de um meio para a leitura do texto verbal. A escolha de um tipo, o modo como se dispõem na página/tela, os recursos semióticos de que se utiliza, as inserções de imagens pictóricas, entre outros aspectos, podem nos fornecer pistas de como a sociedade se omo os produtores/leitores os a uma determinada configuração tipográfica e não a

outra etc. Observar a configuração textual em atenção à tipografia é ajustar o olhar para as mudanças sociais ao longo da história.

É por esta razão que nos dedicaremos mais detidamente a seguir a discorrer sobre os fatos históricos que influenciaram as mudanças tipográficas, sobre os efeitos de sentido que uma família tipográfica pode provocar e sobre como ainda é preciso aproximar os estudos linguísticos desse aspecto tão importante dos textos escritos.

1.2 DIZENDO EM CAIXA ALTA: A INVENÇÃO DA PRENSA E A CLASSIFICAÇÃO

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