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Dos tipos de raças

No documento Da teoria racial na antropologia em Kant (páginas 40-43)

31 estimulado pelo meio em uma composição de longa exposição com isolamento de grupos do gênero humano ao redor da crosta terrestre, foi responsável pela diferenciação fenotípica do homem. Todavia, o homem ainda continua sendo um só, suas características externas não podem definir sua relação com os demais membros do tronco originário, mas a própria capacidade interna de reprodução assim o faz, uma vez sedimentadas as raças básicas geradas desde os princípios dos tempos.

Fundamentada a discussão, de maneira não exaustiva, e introdutória, sobre a gênese do gênero humano, faz-se necessária a apresentação dos tipos de seres humanos classificados por raças a partir das derivações hereditárias (Abartungen) aqui explicadas. Assim, o próximo tópico do presente trabalho abordará os diversos tipos provenientes do gênero humano, apresentando consequentemente suas características e formulando um apanhado geral sobre a teoria racial e seus desdobramentos a partir da perspectiva do debate filosófico acadêmico da época em que Kant publicou suas conclusões sobre o tema, com a finalidade de jogar luz sobre as possíveis consequências racistas do seu sistema antropológico racial desenvolvido.

3 DAS DIVERSAS RAÇAS DOS HOMENS

“(...)dieser Kerl war vom Kopf bis auf die Füsse ganz schwarz, ein deutlicher Beweis, dass das was er sagte, dumm war” (Esse sujeito era completamente preto da cabeça até os pés, uma prova clara que o que ele disse era estúpido) (GSE, AA II, p.255).

32 Kant (2010), na sua obra “Das Diferentes Raças Humanas”, trata da tipologia racial, estabelecendo nas relações migratórias dos mais variados agrupamentos humanos e no isolamento geográfico ao longo do tempo, as pistas necessárias, para, em paralelo com suas fontes de pesquisa, estabelecer as raças básicas, das quais todas as demais são variações (Abstammungen) destas. Aqui abre-se um parêntesis para explicitar o uso substancial de literatura de relatos de viajantes e expedicionários a terras distantes por Kant, para estruturar, de um ponto de vista etnológico e concreto, a teoria a ser defendida. Com efeito, sistematicamente, Kant cita como fonte de pesquisa de campo o relato de outros viajantes, que não ele, para justificar seus pontos de vista e conclusões estabelecidas de maneira teórica ou mesmo teleológica12.

Na definição do povo árabe como pertencente à raça dos brancos (die Weissen), Kant (2010) aponta em seu texto, “conforme Niebuhr”, este, Carsten Niebuhr (1733 – 1815), matemático alemão participante de expedição dinamarquesa ao Oriente entre 1761 e 1767. Para justificar seus conhecimentos sobre a raça vermelha ou calmuca, evoca Heródoto, historiador e geógrafo grego (c. 484 – c. 425) para situar a origem desta raça calmuca e sua migração do extremo norte para região mais amena, “aos pés das montanhas” Urais. Todavia, Kant estabelece, por meio de relatos de terceiros, sua postulação teórica, em terra firme, sem nunca ter cruzado o mar báltico ou adentrado, por meio terrestre ou marítimo, a partir do mediterrâneo romano (mare nostrum), as terras a leste da Europa e da Ásia.

Com efeito, Kant (2010) define quatro raças básicas, das quais os demais possíveis tipos são variações das quatro primeiras, quais sejam: a raça dos brancos, a raça dos negros, a raça dos hunos, também chamada por Kant de mongoloide ou calmuca, e uma raça hindu ou indiana.

Os brancos seriam os homens e mulheres cujas ascendências advêm da região da Europa, dos povos mouros, dos turco-tártaros, dos árabes, dos persas e demais povos da Ásia não pertencentes a alguma das três outras raças possíveis.

Os negros, por sua vez, são oriundos, no hemisfério norte, da África e no hemisfério sul, da Nova Guiné e de suas ilhas vizinhas, conforme “Determinação de um conceito de Raça”, Kant (2010). Por conseguinte, a raça dos calmucos vindos principalmente da região da Mongólia, mais pura entre os chamados Cochotes, povos habitantes da Mongólia oriental e, por

12 O estudo do homem, a partir do seu estado de natureza, por não mais ser possível a observação em campo da primeira raça originária, dependeria de uma cosmovisão teleológica, a partir do argumento da criação divina do homem integrada a uma história natural, para que, a partir desta premissa, ser possível desenvolver toda a cadeia sucessória de argumentação e construção teórica sobre as raças. Vide “Über den Gebrauch teleologischer Principien in der Philosophie”. (Sobre a Utilização de Princípios Teleológicos na Filosofia, 1788) (ÜGTP, AA VIII, p.161-184).

33 fim, a raça dos indianos considerada por Kant (2010, p.14) como “(...) muito pura e antiquíssima”.

Dessas quatro raças derivar-se-iam os demais “caracteres hereditários” dos demais povos do orbe terrestre. Para essas variações (Abartungen), Kant (2010) nomeou-as como raças mistas e raças nascentes. As raças mistas seriam as raças derivadas de misturas entre as quatro raças basilares acima apresentadas. Como raças nascentes entende ser o autor aquelas que uma vez transplantadas para outras regiões que não a originária da raça a que pertencem (derivativamente), ainda não estão suficientemente adaptadas ao clima da nova realidade geográfica, da qual estabeleceram novo habitat, não assumindo totalmente, até então, o caráter deste clima, na potência da adaptabilidade do corpo humano, por meio dos germes (Keime).

Para a melhor compreensão das raças mistas, Kant (2010) estabelece exemplos do que seriam o resultado das misturas entre raças e suas respectivas descendências. Para a mistura dos tártaros (turcos, da raça dos brancos) com os hunos, calmucos, produzir-se-ia a etnia turca dos caralpaques, habitantes do mar do Aral. Da mistura da raça indiana com os povos citas (Tibet) em conjunto com os hunos, para o autor, poderia ser uma possibilidade para a geração dos chineses e dos tonquinêses (naturais de Tonquim, região do Vietnã).13

Por sua vez, seriam exemplos de raças nascentes, os habitantes da costa glacial norte da Ásia, que teriam migrado da zona glacial para regiões mais amenas. Kant (2010, p.15) estabelece relação de parentesco entre os habitantes dos Montes Urais e os habitantes da zona glacial do norte da Ásia. O “(...)rosto plano longitudinal e olhos pouco abertos” seriam exemplos de características adaptativas do efeito da zona glacial sobre os habitantes de climas mais amenos, cujas características originárias do clima frio continuariam presentes apesar da migração para regiões de clima mais brandos.

Os americanos, contudo, são objeto de detida análise de uma raça nascente. Para Kant (2010), os americanos são oriundos da raça dos hunos, constituindo-se uma raça ainda não

“completamente implantada” no continente americano. Do nordeste da Ásia passando pela Baia de Hudson até as terras ao sul do continente americano, seus habitantes fazem parte de uma mesma raça calmuca.

“Por fim, os Americanos parecem ser uma raça huna ainda não completamente implantada, pois no noroeste mais extremo da América (onde toda suposição acerca do povoamento dessa parte do mundo a partir do nordeste da Ásia se baseia no fato de as espécies de animais concordarem em ambos os lugares), na costa norte da Baía

13 Kant deixa em aberto a possibilidade da origem dos povos chineses e vietnamitas a partir da mistura da raça dos indianos, dos hunos e dos povos Citas do Tibet), mas não engendra raciocínio suplementar para a explicação ou afirma de maneira enfática. Vide “Von den Verschiedenen Racen der Menschen” (Das Dieferentes Raças dos Homens, 1775) (VvRM,AA II, p.427-443).

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de Hudson, os habitantes são muito parecidos com os Calmucos. Mais ao sul, o rosto torna-se, de fato, mais aberto e altivo, mas o queixo sem barba, o cabelo uniformemente negro, a cor marrom avermelhada do rosto, da mesma forma a frieza e a insensibilidade do caráter natural (Naturell), são claros vestígios do efeito de uma longa estadia em regiões frias (e), como nós veremos em breve, vão desde a região mais ao norte dessa parte do mundo até a Ilha dos Estados. A longa estadia dos ancestrais dos Americanos no nordeste da Ásia e na vizinha região noroeste da América trouxe à perfeição a forma (Bildung) calmuca; mas a rápida disseminação dos seus descendentes para o sul deste continente (aperfeiçoou) a forma americana”

(Kant, 2010, p. 15).

Sobre os tipos de raças dos homens, ainda é válido considerar o porquê de as raças branca, negra e indiana não terem se misturado, entre si, no processo de construção da identidade hereditária, por meio dos chamados germes (Keime). Para o autor, a existência de um mar sobre a Mongólia, passando pela Pérsia e Arábia e também pela Núbia e o Saara teria impedido a raça indiana de ser transplantada para a Pérsia e Arábia, assim, da mesma forma o sangue nórdico também não pode se misturar aos demais povos indianos e negros.

Portanto, grandes muralhas geográficas foram responsáveis pelo isolamento geográfico definido ainda no tópico sobre a gênese das raças como peça importante para a constituição das raças básicas que constituem variações do mesmo tronco originário, a partir da capacidade de adaptação e sobrevivência do corpo humano. Os fatores internos e externos da gênese das raças como os germes (Keime) e o solo e o clima, para Kant, produziram além das quatro raças básicas de homens uma miríade de raças mistas e nascentes. Dentre estas, destaco os americanos, como exemplo de raça nascente, assim como, em relação às raças mistas, dentro do sistema teórico desenvolvido pelo autor, este especula sobre uma possível teoria do surgimento dos chineses a partir da mistura de povos indianos, hunos e dos povos citas oriundos do Tibet.

Assim, após a apresentação dos tipos e variações de raças de homens, passamos para as suas respectivas caracterizações, a fim de melhor entender o sistema hierárquico da teoria racial de Kant.

No documento Da teoria racial na antropologia em Kant (páginas 40-43)