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3 APLICABILIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO

3.1 Doutrina

A doutrina entra em discordância tanto no que tange à redação constitucional que assegura o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes aos acusados em geral e aos litigantes em processo judicial ou administrativo, quanto no que se refere à própria natureza e essência do inquérito policial. A partir destes e de outros vieses serão apresentados a seguir os apontamentos doutrinários.

Encontra-se na doutrina o entendimento de que a imputação de fatos e indícios de um delito, a notícia-crime e o indiciamento, já se caracterizam como acusações, ainda que não tenham sido formalizados pela ação penal. Visto que imputam um fato delitivo a um sujeito e, por isso, já configura-se a atuação coercitiva do Estado. (LOPES JÚNIOR., et al., 2013)

Com isto, o legislador constitucional ao assegurar o contraditório e a ampla defesa “aos acusados em geral” estendeu o direito para os indiciados e imputados, além dos acusados judicialmente. Afinal, em sua visão, o imputado – por

notícia-crime ou representação - já poderia se fazer valer do seu direito à defesa, e exprime:

“Em outras palavras, qualquer forma de imputação determinada representa uma acusação em sentido amplo. Por isso o legislador empregou acusados em geral, para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um intuito de proteger o sujeito passivo”. (LOPES JÚNIOR., et al., 2013 p. 470)

Entretanto, o contraditório garantido ao indiciado no inquérito policial está relacionado apenas ao direito à informação dos fatos e da imputação, não podendo se estender a todo o decorrer da investigação pois não há relação jurídico-processual nesta fase.

“É importante destacar que, quando falamos em ‘contraditório’ na fase pré-processual, estamos fazendo alusão a seu primeiro momento, da informação. Isso porque, em sentido estrito, não pode existir contraditório pleno no inquérito porque não existe uma relação jurídico-processual, não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo. Contudo, esse direito à informação importante faceta do contraditório – adquire relevância na medida em que através dele que seja exercida a defesa”. (LOPES JÚNIOR., et al., 2013 p. 470)

O contraditório, como direito de defesa que é, deve ser concedido de modo que o sujeito alvo da investigação possa contrapor todas as acusações, contando com a assistência de um advogado e com a possibilidade de produção das diligências pelo indiciado requeridas, como meio de comprovar sua inocência ou atenuar sua culpabilidade. Assim, Marta Saad fundamenta seu entendimento sobre o direito de defesa no contraditório, citando o esclarecimento de Joaquim Canuto Mendes de Almeida:

“Tudo isso [direito de participar da obra inquisitiva do juiz sumariamente, presente às inquirições, para contestar as testemunhas, e oferecer conclusões antes do despacho da pronúncia e impronúncia] significa ‘contrariar’, posto que seria contrariar o inquisidor, defender-se, em suma, ser ouvido. O mesmo legislador pátrio conservou, para os indiciados em inquérito policial, essas prerrogativas, exatamente, em face do poder-dever inquisitivo da autoridade policial. Representam elas, pois, direito de defesa, que só a violência pode suprimir.” (SAAD, 2004 p. 223/224)

Seguindo o entendimento apresentado acima, a defesa deve ser assegurada de tal maneira que independa do funcionamento do contraditório na fase

investigatória, ou seja, apesar de se assemelhar à atos de contraditoriedade, são atos do direito de defesa. (SAAD, 2004)

Em entendimento semelhante relacionado à ciência dos atos de investigação e imputação, a doutrina estabelece que na fase investigatória é preciso proporcionar a atuação da defesa, mesmo que não ocorra a prévia intimação dos atos que serão realizados, como ocorre no contraditório. (FERNANDES, 2010)

A ampla defesa, por sua vez, poderá ser exercida pelo próprio indiciado no interrogatório e através de seu defensor constituído, atuando a partir da defesa técnica indisponível no curso do inquérito policial, devendo o Estado atuar de forma proativa oferecendo meios de realizá-la efetivamente. (LOPES JÚNIOR., et al., 2013)

Desta forma, em relação à ampla defesa, encontra-se o entendimento de que o adjetivo “ampla”, inserido para caracterizar a defesa, reflete a abrangência que esta deve ser exercida por parte do imputado. Assim sendo, é preciso que a defesa seja praticada, com todos os meios e recursos a ela inerentes, quando apresentada uma confrontação do estado de inocência e de liberdade do imputado. É facilmente identificável esta confrontação nas situações de notícia-crime e investigação ex officio. (LOPES JÚNIOR, 2005)

Assim, o contraditório é exercido com a informação da imputação e a defesa, considerada com ampla, será exercida no interrogatório – autodefesa - e por seu defensor, como defesa técnica. (LOPES JÚNIOR, 2005)

Em sentido contrário, parte da doutrina entende que a defesa exercida no inquérito policial não seria a ampla defesa, estaria, portanto, relacionada somente aos interesses mais importantes do suspeito, como seu direito à liberdade e direito à presunção de inocência. Mas há concordância doutrinária de que seriam possíveis no inquérito policial o requerimento de diligências, o pedido de liberdade provisória, impetração de habeas corpus, relaxamento de flagrante, entre outros relacionados aos direitos mais relevantes assegurados constitucionalmente. (FERNANDES, 2010)

Segundo outro autor, não há acusação no inquérito policial e, portanto, não haveria a possibilidade de defesa, sendo inexistente o contraditório e ampla defesa na fase investigatória. (NUCCI, 2014)

Em comum raciocínio, outra doutrina entende que o inquérito policial não necessita ser regido pelo princípio do contraditório e da ampla defesa. Não faz

sentido o exercício de tais direitos em fase investigativa, pois a ampla garantia da defesa de forma eficiente será exigida no processo penal. (CAPEZ, 2014)

É corroborado pela maioria dos autores o entendimento de que no inquérito policial não há que ter o contraditório, mas declara que a defesa deve ser exercida desde as investigações como manifestação em relação às imputações e ressalta o direito da defesa técnica:

“Se a participação da defesa, é ponto incontroverso, a dificuldade está em delimitar o âmbito desta participação, não nos parecendo que se trata de participação em contraditório, mas a que proporciona ao advogado o direito à ampla ciência das atividades de investigações desenvolvidas, podendo efetuar requerimentos e usar de todos os mecanismos do sistema em favor do investigado: pedido de relaxamento de prisão em flagrante, pedido de liberdade provisória, impetração de habeas corpus.” (FERNANDES, 2010 p. 258)

No tocante à defesa técnica, já há aquiescência de que é direito do advogado examinar os autos de prisão em flagrante ou de inquérito, findos ou em andamento, ainda que sem o instrumento de procuração, em qualquer repartição policial, podendo também copiar as peças e tomas apontamentos. (TOURINHO FILHO, 2002)

Também é analisada a natureza do inquérito policial para se avaliar sobre a possibilidade ou não do contraditório e da ampla defesa.

Compreende-se que a autoridade policial apenas investiga, sem a qualquer momento acusar e por isso não haveria razão para que se concebesse o contraditório, vez que o inquérito policial trata-se de peça informativa. Como foi visto, situação diversa ocorre em relação à ampla defesa, que se faz aplicável ao indiciado quando já tiver sofrido violência ou se estiver em ameaça de coação da sua liberdade de locomoção. (TOURINHO FILHO, 2002)

Em entendimento contrário, há autores que estabelecem que o inquérito policial não é peça meramente informativa ou de fundamentação para a ação penal, sendo de extrema importância a atuação da defesa para promover uma investigação com novos elementos ao magistrado. Afinal, o artigo 155 do Código de Processo Penal, alterou a utilização dos dados do inquérito policial na fundamentação de convencimento do juiz ao estabelecer o termo “exclusivamente” permitindo o uso de atos de investigação no processo, e tornando, assim, mais necessária a atividade da defesa na fase investigativa. (RASCOVSKI, 2012)

Outro ponto de divergência doutrinário é se o inquérito policial pode ser equiparado a processo administrativo, elencado no texto constitucional no artigo 5º, inciso LV; se é procedimento administrativo; ou se não chega a ser procedimento. A análise destes pontos leva à possibilidade ou não do exercício do contraditório e da ampla defesa nas investigações.

Seguindo o entendimento de interpretar o texto Constitucional de forma abrangente, não é apropriado afastar o direito ao contraditório e a ampla defesa do indivíduo que encontra-se imputado em fase investigatória. A mesma interpretação extensiva deve ser dada em relação ao fato do legislador ter se utilizado da terminologia processo administrativo quando na realidade deveria ter dito procedimento administrativo. Assim, esta confusão de nomenclatura não pode servir de obstáculo para impedir o alcance das garantias asseguradas no inciso LV, do artigo 5 º da Constituição Federal. (LOPES JÚNIOR, 2005)

Em sentido contrário, há doutrina que entende que o termo “processo administrativo” enunciado no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, não se destina ao inquérito policial, mas aos processos administrativos de apuração de ilícitos administrativos e de procedimentos administrativos fiscais. Mas como foi visto, em sua opinião, o direito à ampla defesa já estaria acessível para o indiciado. (TOURINHO FILHO, 2002)

Ainda, encontra-se o juízo de que o próprio texto constitucional fez distinção entre contraditório e ampla defesa e entre acusado e litigante. Com a distinção entre cada garantia e direito e entre as figuras processuais, o momento de atuação de cada uma delas será diverso dentro do procedimento a depender de sua natureza. (SAAD, 2004)

Assim, como no âmbito penal como um todo – desde as investigações até o cumprimento da sentença -, não existe litigante, mas sim acusado. No mesmo sentido, no inquérito policial não há contraditório, mas exercício do direito de defesa, por se tratar de procedimento administrativo, apesar de ter como finalidade pretensão jurídica. Deste modo, infere-se que cada situação, seja de litígio ou acusação quanto de contraditar ou defender-se, deve ser usada de acordo com a natureza de cada procedimento:

“Assim, se é certo que no processo penal não há litigantes, mas sim acusador e acusado, no inquérito policial, procedimento administrativo com fins judiciais, não há possibilidade de se

estabelecer contraditório, mas sim exercício de defesa.” (SAAD, 2004 p. 216)

Assim, o inquérito policial trata-se de um procedimento administrativo, passível do exercício da defesa.

Salientando o entendimento de que frente a uma acusação nasce o direito do exercício de defesa, estabelecendo o inquérito policial como peça administrativa igualmente ao inquérito civil. A doutrina instrui que deve haver nos procedimentos administrativos o exercício do direito de defesa, como uma parte do direito ao contraditório, pois a ampla defesa sobressai nos procedimentos administrativos que antecedem a ação:

“Não se afirma, pois, a inafastabilidade do contraditório, nos processos e procedimentos administrativos; mas a exigência de uma das peças, a saber: o exercício do direito de defesa, sempre que ocorra uma imputação qualquer. Dizendo de outro modo: o contraditório – dito princípio da audiência contraditória – contém, por necessário, a ampla defesa. Ela, contudo, de modo prevalecente, nos procedimentos administrativos, precedem a ação, ou a preparam, deve exercitar-se; seja a tempo e a hora, sabendo-lhes de atos e termos; seja impugnando; seja, ainda, pleiteando, ou seguindo a colheita e a produção de meios de prova.” (SAAD, 2004 p. 224/225)

O contraditório referido no texto constitucional refere-se ao processo administrativo e judicial, não abrange o inquérito policial pois seus conjuntos de atos realizados pela autoridade policial não chegam a configurar um processo administrativo. O inquérito policial não se trata nem de processo nem de procedimento, pois os atos que o constituem não seguem a nenhuma ordem obrigatória pré-estabelecida legalmente. Todavia, é possível o exercício do direito de defesa. (FERNANDES, 2010)

O afastamento do contraditório no inquérito policial é explicado por alguns doutrinadores pela ausência de uma acusação formal na fase e até mesmo por não reconhecerem o inquérito como sequer um procedimento. Entretanto, vê como preciso reconhecer, em um juízo largo, que no inquérito policial já existe uma acusação, uma vez que há uma declaração ou imputação de ato ou fato ilícito penalmente a uma pessoa. (SAAD, 2004)

Além do mais, entende-se que algumas atividades realizadas na fase investigatória apresentam a ideia íntima e real de acusação, como é o exemplo do indiciamento realizado pela autoridade policial. Assim, por se observar a

possibilidade do suspeito ser indiciado é que deve ser lhe dada a possibilidade de se defender. A defesa exercida ainda quando da investigação deve ser relativa à oposição ou resistência à imputação formal quando já ocorrida uma lesão ou se houver ameaça a lesão do suspeito ou indiciado. (SAAD, 2004)

Outro ponto de análise é acerca do indiciado ser objeto de investigação ou sujeito de direitos no curso do inquérito policial.

O indiciamento, que é a declaração do sujeito praticante da infração, coloca o indiciado em uma situação de maior subordinação para com o poder coercitivo e de investigação do Estado. Com isto, uma vez que se encontra em situação de maior sujeição, o indiciado é sujeito de deveres, devendo participar de interrogatórios, de acareações, de reconhecimentos, sofrer privação da sua liberdade por intermédio da prisão preventiva ou temporária, entre outros. Da mesma forma que o indiciado passa a ter deveres referentes ao próprio inquérito policial, também é capaz de exercer em grau, ainda que mínimo, o seu direito de defesa e de contraditório, caracterizado pelo direito à informação, sendo, assim, sujeito de direitos. (LOPES JÚNIOR., et al., 2013)

Em sentido contrário, a doutrina entende que o indiciado não é sujeito de direitos, não podendo requerer provas, apresentar recursos, exercer o contraditório e nem a ampla defesa. O indiciado é considerado como objeto da investigação, ou seja, é o alvo da investigação e não podendo interferir nas investigações, como ocorre no processo penal. (NUCCI, 2014)

Para a mesma doutrina, o indiciado possui direitos e garantias individuais que, ainda assim, não o torna sujeito de direitos. Logo, tem o direito de permanecer em silêncio, ter sua integridade física preservada, não ser submetido a procedimento vexatório, constituir advogado, entre outros. O imputado, como foi visto, não pode interferir nas investigações, mas através de seu advogado pode ser feita sua defesa e pode ser acessado os autos do inquérito. (NUCCI, 2014)

Por fim, analisa-se quais os benefícios e prejuízos causados para a sociedade e para a ação Estatal no caso de se conceder o exercício do contraditório e da ampla defesa na fase investigativa, e qual o seu grau de concessão.

Ressalva-se que deve haver ponderação na concessão do exercício da ampla defesa pois se permitida ao imputado de forma ilimitada, pode impedir o alcance efetivo da finalidade do inquérito policial. E, por outro lado, se não for

concedida, o imputado terá seus direitos e princípios fundamentais penais violados, ocasionando danos. (LOPES JÚNIOR., et al., 2013)

Para o entendimento de outro autor, se fosse aplicado o contraditório à fase das investigações, ensejando a igualdade entre as partes, a ação persecutória estatal sofreria um grande prejuízo, gerando uma redução considerável das investigações que alcançassem a fase da ação penal. Justificando este entendimento, explica-se que a desigualdade de armas entre o Estado e o imputado na fase investigatória se faz necessário para um melhor esclarecimento e apurado do fatos do crime:

“É difícil estabelecer igualdade absoluta de condições jurídicas entre o indivíduo e o Estado no início do procedimento, pela desigualdade real que em momento tão crítico existe entre um e outro. Desigualdade provocada pelo próprio criminoso. Desde que surge em sua mente a ideia do crime, estuda cauteloso um conjunto de precauções para subtrai-se à ação da justiça e coloca o Poder Público em posição análoga à vítima, a qual sofre o golpe de surpresa, indefesa e desprevenida. Para restabelecer, pois, a igualdade nas condições da luta, já que se pretende que o procedimento criminal não deve ser senão um duelo ‘nobremente’ sustentado por ambos os contendores, é preciso que o Estado tenha alguma vantagem nos primeiros momentos, apenas para recolher os vestígios de crime e os indícios da culpabilidade dos eu autor”. (TOURINHO FILHO, 2002 p. 47)

Assim, do princípio do contraditório emergem a igualdade processual e a liberdade processual. Como no inquérito policial não há contraditório, não há também margem para a igualdade processual, que nesta fase tornaria mais dificultoso para a Polícia a aferição das provas. (TOURINHO FILHO, 2002)

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