• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 – O TEXTO LIVRE

4.3 E como o Texto Livre chegou ao 1º ano?

O início do trabalho com o 1º ano trouxe-me muitas inquietações e angústias. Eu não sabia como trabalhar com as crianças, por não ter experiência com essa faixa etária. Eu estava ingressando no mestrado, com o propósito de pesquisar a minha prática com o Texto livre, e não sabia nem como e nem por onde começar...

Desde o início, meu desejo era o de instituir, no 1º ano, o trabalho com o “Texto Livre”, com a produção de texto, com a questão da autoria, pois acredito que esse instrumento faz com que a criança escreva “livremente”, e, por isso, considero-o tão importante para alfabetização, apesar de, no percurso, ouvir muitas críticas de outros colegas professores, que não acreditavam no trabalho com produção de texto no 1º ano do Ensino Fundamental.

As rodas de leitura surgiram, então, como a possibilidade de dar à criança o estatuto de escritor. Como já mencionei neste texto, minha inexperiência em trabalhar com crianças nesta faixa etária, somada a minha crença na possibilidade de trabalhar com o texto livre como um instrumento de alfabetização, fizeram-me inventar um modo de trazer o texto livre para as crianças.

Em meados de março, eu estava conversando com a professora Cinthia Brum, minha parceira de trabalho na EMEF, professora do 5º ano e também simpatizante da pedagogia Freinet, e explicitei minha angústia: queria trabalhar com o texto livre, acreditava que esse instrumento poderia proporcionar às crianças uma alfabetização realmente significativa, mas não sabia como começar, pois as crianças tinham pouca experiência com a linguagem escrita, estavam aprendendo a reconhecer letras, bem no início do processo de alfabetização.

101

Nessa conversa, nasceu a ideia de parceria entre as turmas: as crianças de 5º ano teriam a “missão” de apresentar o texto livre aos pequenos do 1º ano. Começamos, então, semanalmente, a organizar rodas de leitura de textos livres, nas quais os alunos do 5º ano liam seus textos para os pequenos.

Imagens das crianças nas rodas de leitura, ano de 2012.

Segue um trecho do meu diário de campo que conta um pouco como aconteciam as rodas:

Hoje (sexta-feira, 27/7/2012) foi dia de “Roda de leitura” com o 5o ano. As crianças estavam ansiosas para este dia chegar (tanto meus pequenos, quanto os grandes da Cinthia). Eu não fazia ideia de como estava sendo positivo esse momento, agora de volta do recesso percebi que eles estavam tão ansiosos para retomar as rodas como estavam para a aula de Informática ou pelo parquinho, por exemplo (que eles adoram!!!).

Bom, chegamos sexta-feira e organizamos, juntos, nossa sala para receber o 5o ano. Enquanto nossos leitores/contadores de histórias não chegavam, distribui para as crianças, umas pranchetas pequenas e ½ sulfite para que eles fizessem os registros da roda nessa folha

(a prancheta serve de apoio e ficou ótima, sem contar que eles adoram usar coisas “diferentes” para trabalhar, né?)

Comecei a orientar o que deveria ter nessa folha (antes do recesso eles faziam registros já, mas mais livres, agora achei que era o momento de dirigir mais este trabalho). Pedi que escrevessem o nome na folha e a data – lembrei que ontem foi dia 26 então hoje é... e eles completaram, falei também que não colocaria nada na lousa, que ia ditar o que escrever na folha, inclusive a data, porque eles já sabem fazer sozinhos (e a maioria sabe mesmo, os que não sabem espiam o colega do lado e no fim dá certo!).

Na sequência pedi que escrevessem: Roda de leitura. E eles foram escrevendo, cada um do seu jeito, elaborando suas hipóteses: uns silábicos com valor, outros sem valor e até os pré-silábicos, colocando as letrinhas no papel...

102

Percebi que o Luiz estava inquieto (isso não é novidade!), mas de um jeito diferente: ele estava “pensando alto” e trabalhando. Aproximei-me e vi que ele já tinha escrito ROD e continuou, fiquei só observando e “ouvindo” sem pensamento que se materializava em palavras quase que num balbucio “DA – D A, RODA... DE … D com E, DE...” até que ele escreveu “RODA DE LETURA”. Na mesma hora sentei ao lado dele e falei para ele ler o que tinha escrito, ele leu e percebeu que estava certo, que desta vez não ia precisar de reescrita!

O sorriso do Luiz (e o meu, que nessa hora já sentia um nó na garganta e segurei para não chorar de emoção, sim, é emocionante fazer parte disso e agora, escrevo com os olhos marejados!) foi lindo! Mostrei para a Turma o trabalho do Luiz e todos ficaram felizes, senti que a Emanulle ficou um pouco chateada, com ciúme, ela tem sempre essa necessidade de ser a 1a. em tudo, quer ser líder, mesmo que de forma imposta, enfim, conversei com ela sobre isso, mostrei que todo mundo ficou feliz pelo Luiz e que ela também já conseguia escrever muitas coisas com ajuda, que o Luiz estava conseguindo sozinho e que logo ela também vai conseguir...

A Turma do Espaço (5o ano) chegou e começamos a roda. Como de costume, os grandes ajudando os pequenos a registrarem o nome de cada autor (eles escrevem o nome de cada um que vai ler).

Observamos - Cinthia e eu, que agora meus pequenos participam mais da roda, mesmo sem lerem. A dinâmica da roda é a seguinte: as crianças do 5o ano leem seus textos, um de cada vez e, a cada texto lido, abrimos uma seção de perguntas e comentários sobre os textos.

Geralmente as crianças do 5o. Ano que falam coisas do tipo: “ Faltou usar plural”, “O título não está adequado para sua história”, “De onde você tirou a ideia de seu texto?”, enfim, perguntas que, na maioria das vezes, são para ajudar o autor a melhorar. Nesse momento, nós aproveitamos para comentar também, por exemplo, explicar para o 1o ano o que é titulo – e na verdade a explicação é dada pelas próprias crianças maiores. Nosso papel é interferir, destacar alguns pontos...

O que observamos é que, inicialmente os pequenos não perguntavam, só ouviam e hoje eles perguntam, na verdade o que fica claro é que eles reproduzem (imitam) as perguntas dos grandes, sem pensar muito na pergunta em si, é comum ver os pequenos pedindo a palavra e perguntando exatamente igual ao “grande” que acabou de perguntar. Acreditamos (escrevo agora no plural, pois isso é reflexo de conversas com a Cinthia, é meio que uma hipótese coletiva!) que eles estejam incorporando os modos de fazer em uma roda de leitura e por isso usam a

imitação.

No fim das leituras, a Hilana do 1o ano disse que: “ As ideias vem da cabeça. A gente pensa e a gente escreve”. Perguntei para ela: “ E a gente (do 1º ano) já escreveu texto livre?”, ela disse que não (e não mesmo!); perguntei então: “ E aí, vocês estão com vontade de escrever?” e ela e toda a turma: “Sim!” e então, depois do lanche (já era quase a hora do lanche quando a roda terminou!), voltamos para a sala para inaugurar nosso caderninho de texto livre. Uns fizeram só a capa, outros já escreveram seus textos, eu consegui olhar todos, mas fiz a reescrita só de 5 crianças, segunda vou retomar esse trabalho!

E termino feliz a 1a. semana de volta do recesso!

103

eles amadureceram depois do recesso. O Paulo (OP) disse que talvez seja meu olhar para as produções deles, pois tive essas duas semanas de distanciamento, disse também que talvez seja a maturidade deles... não sei pode ser as duas coisas! O fato é que eles estão avançando – observei que tanto na escrita como na matemática !

(Registro de Diário de campo – 27 de julho de 2012)

A retonada da leitura desse registro explicitou que é o ato de ler para o outro que encanta e motiva as crianças a se aventurarem pela escrita e não o instrumento texto livre em si. É o sentido que é atribuído ao texto, o que se faz com o texto livre produzido pela criança que se mostra relevante, e, por isso, a prática de circulação dos textos das crianças nas rodas de leitura torna-se um importante lugar de comunicação.

A função da escritura ‘para o outro’ e a presença de interlocutores provocam uma tensão: o esforço de explicitação do discurso interior, abreviado, sincrético, povoado de imagens, pela escritura, adquire realmente a característica de um laborioso trabalho gestual e simbólico. É nesse esforço, nesse trabalho de explicitação das ideias por escrito para o outro, que as crianças vão experienciando e apreendendo as normas da convenção: os interlocutores, vão apontando a necessidade e delineando os parâmetros consensuais para a leitura. (SMOLKA, 2003, p. 110, grifos nossos).

104

CAPÍTULO 5 – AS HISTÓRIAS DAS CRIANÇAS COM RELAÇÃO À