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E ENTÃO, QUAL O LUGAR DO PSICANALISTA NO HOSPITAL?

CAPÍTULO 2: O LUGAR DO PSICANALISTA NOS HOSPITAIS GERAIS:

2.5 E ENTÃO, QUAL O LUGAR DO PSICANALISTA NO HOSPITAL?

Pensar a psicanálise fora do enquadre clássico não é tarefa fácil, pois, como se observou, Freud não teoriza sobre a inserção da psicanálise fora do enquadre convencional. Esse fato faz com que a clínica psicanalítica constantemente se misture a outros campos do saber. Dessa forma, a extensão da psicanálise exige do analista responsabilidade com sua formação e com a formalização da práxis analítica. Essas exigências são fundamentais para refletirmos sobre as condições de possibilidade para sustentar o lugar do psicanalista no hospital.

A partir das ideias discutidas ao longo deste estudo, apresentamos alguns desafios que o psicanalista enfrenta quando se insere em hospitais gerais. Esses desafios certamente nos convocam ao questionamento sobre a legitimidade da psicanálise nesses locais. Isso porque, diante desses desafios, muitas vezes observa-se uma descaracterização e até mesmo uma alteração dos fundamentos da psicanálise por parte dos profissionais que se dizem psicanalistas. Quando o psicanalista se insere num local marcado pelos critérios de eficácia e por um discurso que visa à restauração da saúde perdida, ele pode levar a psicanálise a se diluir nesses tratamentos que propõem o bem-estar. Nesse sentido, delimitar o lugar do psicanalista a partir da vertente do discurso, da ética e das “condições mínimas” de um trabalho especificamente psicanalítico foi fundamental, já que, no contexto hospitalar, o analista é constantemente convocado a sustentar o lugar da sua prática.

Esta posição não é alcançada apenas por meio dos livros e estudos didáticos, apesar de eles serem essenciais para a construção do saber referencial indispensável na formação. Entretanto, é a partir de sua trajetória de analisando a analista, em seu tempo próprio de elaboração, com avanços e recuos, que o analista pode convir com os pontos essenciais do trabalho psicanalítico no hospital geral.

Dentro desse contexto, cita-se a conclusão de Moretto (2001): “O que um analista pode num hospital, concluo, não é mais nem menos do que ele pode em qualquer lugar. O que um analista pode fazer se aproxima bastante daquilo que ele deve fazer, daquilo que é sua função” (p.207). No entanto, para ocupar esse lugar, o analista precisa estar apto para isso; “ciente da sua função e dos seus limites, é bem provável que ele consiga fazer um trabalho rico e eficaz” (p.207).

A partir daí, observa-se que a aplicação da psicanálise para além dos consultórios privados é viável, mas depende fundamentalmente da implicação do psicanalista nas especificidades dessa clínica e na exigência de um rigor ético de formalização permanente de sua prática. Quando o analista tem clareza de seus propósitos e de sua função, é possível sustentar essa prática fora do enquadre clássico. Conforme Lacan (1953/1998) afirma, a técnica não pode ser compreendida nem aplicada, quando se desconhecem os conceitos que a fundamentam. “Nossa tarefa será demonstrar que esses conceitos só adquirem pleno sentido ao se orientarem num campo de linguagem, ao se ordenarem na função da fala” (p.247).

Ao investigarmos o lugar do psicanalista no hospital, a partir da vertente do discurso, da ética e das especificidades, observa-se que a função do analista nos hospitais é a mesma que a do consultório particular. No entanto, no contexto hospitalar, ele é obrigado a lidar com muitas variáveis que não se apresentam no seu trabalho no consultório. O psicanalista no

hospital se afasta das normas e padrões adotados pelas técnicas convencionais. Ele encontra à sua disposição um conjunto limitado de utensílios e materiais. Além da ausência do tradicional divã, muitas vezes faltam salas para o atendimento ou, embora elas existam, os atendimentos podem também ocorrer nos corredores ou escadarias do hospital. Além disso, o analista no hospital faz parte da equipe e não tem como ele se desprender dela. Em relação aos atendimentos, na maioria das vezes é o analista que vai até o paciente sem ainda ter uma demanda de análise. Nota-se, portanto, que são várias as situações específicas do hospital com que o analista se depara.

Diante dessa discussão, percebe-se que o lugar do psicanalista no hospital pode ser abordado a partir de duas dimensões que não se excluem e, ao mesmo tempo, se articulam: a dimensão da clínica psicanalítica e a dimensão da instituição. Neste capítulo, ao tratarmos o lugar do psicanalista a partir do discurso, da ética e das especificidades da psicanálise, delimitou-se esse lugar a partir da dimensão da clínica. Isso significa que do ponto de vista dessa dimensão, a função do psicanalista no hospital não se distingue daquela que o analista ocupa nos consultórios ou em qualquer lugar onde ele atue.

No entanto, quando esse lugar é investigado a partir da dimensão institucional, ele se torna específico do hospital, ou seja, diferente daquele do enquadre convencional. Isso porque, no contexto hospitalar, o analista precisa lidar com situações particulares desses locais. É importante enfatizar que essas situações devem ser enfrentadas e discutidas a partir dos princípios da psicanálise, isto é, da dimensão clínica. Portanto, trata-se de duas dimensões que estão articuladas.

Seguindo essas ideias, o lugar do psicanalista no hospital precisa ser criado a cada dia de modo que ele possa operar. É um lugar que não se define pela vaga disponível para esse

cargo, pelo espaço físico e nem mesmo pela demanda do médico por um “psicólogo”. É um lugar que não corresponde necessariamente ao lugar em que a equipe o coloca. Ele precisa ser construído a partir do posicionamento do psicanalista no que diz respeito à dimensão de sua clínica e à dimensão institucional. Isso exige do analista condições de sustentar seu discurso e sua ética na interlocução com os outros, possibilitando a transmissão da psicanálise.

Até este momento da pesquisa, investigamos, principalmente, o lugar do psicanalista a partir da dimensão da clínica. Agora, faz-se necessária a discussão sobre o lugar do psicanalista a partir da dimensão institucional. Isso significa pesquisar sobre as diversas situações – aquelas que não se apresentam no consultório – com que o analista é obrigado a lidar quando trabalha num hospital geral. Essas variáveis serão designadas, no próximo capítulo, como particularidades.

CAPÍTULO 3

O LUGAR DO PSICANALISTA NOS HOSPITAIS GERAIS: DIMENSÃO INSTITUCIONAL

No capítulo anterior, demarcamos o lugar do psicanalista no hospital a partir da vertente do discurso, da ética e das especificidades. Designamos essas vertentes como a dimensão clínica do lugar do analista no contexto hospitalar e concluímos que, nesse âmbito, a função do analista é a mesma que nos consultórios particulares ou em qualquer outro espaço que ele atue.

Todavia, ao considerarmos as situações particulares que envolvem o analista na instituição hospitalar, sua função se torna específica desse local. No capítulo II, vimos que quando tratamos o lugar do analista a partir da dimensão institucional, sua função não é a mesma que a dos consultórios, ainda que ele trabalhe com os mesmos conceitos. Isso porque o analista vai lidar com variáveis que se distanciam do enquadre convencional. Neste capítulo, essas situações variáveis serão designadas como particularidades da clínica psicanalítica no hospital.

Portanto, o objetivo deste capítulo é investigar o lugar do psicanalista a partir do que designamos como dimensão institucional. Ressalta-se que discutir sobre essa dimensão implica, necessariamente, também tratar da dimensão clínica, pois é aí que se encontram os arcabouços teóricos da psicanálise.