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E Geográfico: considerações acerca da escrita da terra

No documento MICHELLE ROSE MENEZES DE BARROS (páginas 73-77)

Capítulo II: Antônio Baena e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

1. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)

1.1. E Geográfico: considerações acerca da escrita da terra

149 Cf. Demétrio Magnoli. O Estado em busca do seu território. István Jancsó (org.), op. cit., 2003, p. 285-296. 150 Geraldo Mártires Coelho. Onde fica a corte do senhor imperador. István Jancsó (org.), op. cit., p. 274.

História e geografia forneciam elementos importantes para se compreender o quadro nacional no cerne dos debates do IHGB. Ao utilizar os discursos da história e da geografia, almejava-se a legitimação do poder frente às fronteiras externas e internas. 151 Contudo, estudos que se debruçam sobre o Instituto, o abordam predominantemente pela sua relação com a história. Todavia, era ele também Geográfico. 152

O secretário Januário da Cunha Barbosa enfatizava a importância da junção da geografia com a história. Definida como uma “sciencia real das relações do nosso globo com o espaço”, a geografia era o palco onde as sucessões de fatos se operavam, sendo seu objeto de estudo a superfície da terra, “o theatro da actividade do homem, ella se modifica debaixo de sua acção, e com elle está em uma relação eterna”. 153 Era, portanto, o palco com o qual o homem interagia e que modificava de cenário a medida de sua ingerência sobre ele.

Interessante observar, ainda nas palavras do secretário, que havia fenômenos produzidos pelas mãos dos homens, como a mudança do curso de um rio, as cidades que surgiam, as plantas e animais transportados para outros lugares, fenômenos estes pertencentes à história, mas que também pertenciam a geografia, devido os mesmos estarem numa “immediata relação com o espaço, e sobre elle exercem uma bem clara influência [sic]”. 154 Januário da Cunha Barbosa propunha uma relação entre o homem e o meio, associando os acontecimentos sociais ao espaço e salientando a influência da sociedade sobre o mesmo. História e geografia deviam caminhar juntas, pois sua separação significava um retrocesso da Ciência.

Conforme Januário da Cunha Barbosa, a civilização ensinava a ajudar a natureza. Conhecer a natureza significava, de certo modo, desprender-se dela, como discursou, “a humanidade civilisada desprende-se morosamente, assim como o homem individual, dos fortes laços da natureza, e do lugar [sic] que habita”. 155 Segundo José Augusto Pádua (2002), a valorização da natureza fundamentava-se na sua importância para a construção nacional, principalmente econômica e política e não no valor estético, espiritual ou ético. Neste sentido, como parte da geografia, a natureza vai adquirir um papel de destaque, relacionando-se à questão nacional.

151 Cf. Arruda, op. cit.

152 Os estatutos do IHGB definiam um equilíbrio entre o número de membros na Seção de História e Geografia,

comportando cada seção a quantidade de 25 membros. Porém, ficou estabelecido ilimitado número de sócios correspondentes nacionais e estrangeiros.

153 RIHGB, Rio de Janeiro, tomo II, 3ª ed. 1916. p. 587. 154 Ibidem, p. 588.

Essa natureza que se procura perscrutar já não se traduz apenas pela natureza fabulosa, portentosa, mas tornava-se caracterizadora das especificidades do Império brasileiro. Simon Schama (1995 apud NAXARA, 2004) destaca que a natureza não se nomeia, nem demarca a si própria. Ela, portanto, é definida e representada pelos indivíduos. O posicionamento humano diante da natureza não é algo estável. A relação homem-natureza constitui-se permeada de sentidos e valores ao longo do processo histórico. É imprescindível, portanto, buscar a compreensão de seu conceito e de seu valor no próprio contexto analisado, para não incorrer a conceituações estanques. 156

Para esboçar sucintamente diferentes posicionamentos frente à natureza, podemos adentrar nas motivações e estilos de escrita, no caso pontuando a Amazônia de outrora, dos viajantes e naturalistas, vindos à região nos mais diversos contextos. No século XVI, as narrativas imaginárias, objetivando o conhecimento da região, marcam algumas obras. 157 Já no século XVIII, a preocupação voltava-se para o mapeamento e ocupação. Em meados do século XVIII, duas novas inflexões vão então marcar os relatos dos viajantes: o Iluminismo e os acordos diplomáticos para delimitação das fronteiras. 158

O Iluminismo, apesar de receber denominações diferenciadas de acordo com cada país, contemplava o desenvolvimento racional em oposição à superstição, que no entender de seus filósofos, estava vinculada a tudo o que era anterior ao movimento das idéias filosóficas ilustradas.

Na análise de Benedito Nunes e Aldrin Moura de Figueiredo (2002, p. 19) sobre o Iluminismo paraense, esse movimento de “aclareamento pelo saber” fundamentava-se então com o “pensamento claro, que tem no conhecer a sua luz; é fulgurante: esclarece, desfazendo as sombras da ignorância; e a iluminação das idéias, propagando o saber, de acesso comum, liberta os indivíduos”.

Com o Iluminismo, os relatos advogam o caráter de cientificidade, de verdade. Evidente que o quadro dos séculos esboçado anteriormente é sumário e simplista, porém comporta a necessária preocupação ao pensar a relação da sociedade com a natureza, não a isolando de seu contexto.

156Ver: Robert Lenoble, op. cit.

157Para uma discussão, ver: Neide Gondin. A Invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994; Sérgio

Buarque de Holanda. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 5ª ed., 1992; Laura de Mello e Souza. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e

religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

158 Mauro Cezar Coelho, 1999, p. 97-128. Sobre o Iluminismo no Brasil, ver: Maria Odila Leite da Silva Dias,

op. cit., Fernando Novais. O reformismo ilustrado luso-brasileiro: alguns aspectos. Revista Brasileira de

No século XIX, para os românticos brasileiros a natureza tropical tornou-se símbolo nacional. Símbolo que foi empregado por uma elite intelectual para pensar a própria nação e sua identidade. Vale ressaltar que o romantismo teve como pauta principal a idéia da nação e de suas especificidades, onde a natureza esteve associada à discussão da nação brasileira. 159

A natureza seria a moldura e o ambiente, onde se desenvolveria a história nacional. Havia, contudo, uma interação entre sociedade e natureza para se pensar o desenvolvimento da nação. A natureza constituía-se como cenário e concedia elementos de identidade, com suas características singulares. As expedições científicas no âmbito do IHGB, neste sentido, ganhavam relevância, pois tinham a incumbência de reconhecer e firmar os contornos do Império.

Podemos sugerir que havia uma busca em dominar a escrita do passado e da natureza com o intuito de torná-las conhecidas. A defesa de alguns sócios, como Januário da Cunha Barbosa, significava direcionar esse conhecimento para a nação, engrandecendo também àqueles que patrocinavam o conhecimento, como o monarca. Era o esforço de civilizar pelas Letras e Ciências, o anseio de interpretação do que seria o povo e a natureza nacional.

Não era unicamente a cultura escrita no passado que falava a nação sobre ela mesma, todavia a natureza exigia estudos que decifrassem seu traçado e, conseqüentemente, pudesse ser lida. Ao perscrutar a natureza, compreendendo a geografia brasileira, estava-se escrevendo também a própria nação.

Como aduziu Magnoli (2003), a transição de 1822 possui um significado importante quanto ao território brasileiro, pois se tratavam de espaços constitutivos de Portugal que iriam corporificar o Estado brasileiro. Ainda segundo o autor, inexistia um território unificado no plano político, visto que eram partes de um todo. E, o todo significava o Império português. Com a emancipação política estava lançado o desafio de dar corpo ao Império brasileiro, compor a unidade territorial.

A cartografia, as vilas e povoações, as expedições científicas, os levantamentos econômicos e censitários eram instrumentos utilizados para apropriação do território, legitimando sua ocupação. O território que se quer definir e delimitar é resultado de construções sociais. Portanto, ao se intitular geográfico, o Instituto possuía preocupações quanto à compreensão do espaço físico da pátria e acabava fornecendo subsídios documentais

para a delimitação espacial da nação. Ainda na menção do supracitado autor, “o Império aferrou-se, com coerência e firmeza, à imagem do país configurada nesses documentos cartográficos e sustentada pela doutrina das fronteiras naturais” (MAGNOLI, 2003, p. 296).

Em outro trabalho, Demétrio Magnoli (1997, p. 110) afirma que os discursos históricos e geográficos desempenhavam os mesmos papéis, “a definição e a delimitação do território apareciam como condições essenciais para a construção da nação: assim como a tradição é a pátria no tempo, o território é a pátria no espaço”. Contrapõe-se o supracitado autor, contudo, a afirmação de que a produção geográfica apenas instrumentalizava a definição de fronteiras e limites político-administrativos. Os discursos geográficos estavam voltados para a produção de uma identidade nacional.

No documento MICHELLE ROSE MENEZES DE BARROS (páginas 73-77)