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E mostramos a apresentação institucional da Cáritas RJ

4.2 No dizer da instituição que acolhe o imigrante refugiado

4.2.2 E mostramos a apresentação institucional da Cáritas RJ

O evento Cáritas de Portas Abertas, realizado periodicamente desde o início de 201587, é dedicado aos que vivem no Rio de Janeiro, têm interesse na questão dos imigrantes

refugiados e querem conhecer os projetos desenvolvidos pela Cáritas. Trata-se de um encontro na sede da instituição, em que é permitida a entrada de qualquer pessoa.

85 Segundo Bittencourt Waldely: “o termo de solicitação [...] se encontra disponível nos idiomas português, inglês espanhol e francês” (2016, p. 42) e costuma ser preenchido manualmente pelos próprios solicitantes de refúgio. Entretanto, nos casos de analfabetismo, não entendimento de nenhum dos idiomas citados, dificuldade com os termos e as sutilezas do processo de refúgio, ou ainda por outras razões de ordem psicológica ou emocional, uma terceira pessoa se encarrega de auxiliá-los no preenchimento.

86 Por requisitos trazemos de Bittencourt Waldely (idem), a rigorosidade do processo de elegibilidade para a obtenção do visto de refúgio no Brasil. Segundo a autora, diante de tal rigor, o imigrante deve ser capaz de corresponder a um determinado padrão de comportamento definido pelo Estado, representado pelas instituições que compõem o Sistema de Refúgio. Espera-se que seu discurso produza efeitos de “coerência objetiva” (ibidem, p. 89) entre os episódios narrados. Como coerência objetiva a autora explica o desafio que o imigrante tem diante de si para conquistar a confiança do entrevistador, “comunicar sua dor, seu medo, seu sofrimento através de uma postura que condiga com a imagem construída sobre a definição de refugiado” (idem). Discursivamente, estamos diante da ilusão de transparência da linguagem e do domínio do dizer, que apaga a inscrição da língua na história.

87 O primeiro encontro ocorreu no dia 25 de maio de 2015.

Disponível em: http://www.acidigital.com/noticias/caritas-rj-de-portas-abertas-encontro-busca-aumentar-parcerias-para- apoio-aos-refugiados-88377/. Acessos em: 02/03/2017.

Como dissemos anteriormente, neste evento, representantes da Cáritas falam sobre o funcionamento do Programa de Atendimento a Refugiados, esclarecem dúvidas sobre o sistema brasileiro de proteção e as iniciativas de apoio, e abrem espaço para outras questões que sejam levantadas pelos participantes desta reunião. As informações são expostas a partir dos slides da apresentação institucional e os participantes podem se manifestar e fazer perguntas sobre a situação dos imigrantes refugiados que estão na cidade. Além dos representantes, que costumam ser funcionários da Cáritas, o encontro também conta com a participação de imigrantes refugiados (geralmente um imigrante para cada evento) que são convidados para falar sobre sua experiência pessoal no Rio de Janeiro. Mas, em função da curiosidade das pessoas, este estrangeiro acaba falando também um pouco sobre a sua história e, às vezes, sobre o que deixou para trás.

Vamos, a seguir, fazer um painel dos slides que constituem a apresentação institucional que trazemos para nossas análises. Não é nossa proposta a análise do conjunto. Focalizaremos: (i) o conceito de refugiado; (ii) o acolhimento; (iii) bem como as normas para o trabalho dos voluntários.

A apresentação da Cáritas contém 53 slides e está dividida em oito partes, a saber: 1) Programa de atendimento a refugiados; 2) Sobre o conceito de refugiado; 3) Perfil dos refugiados; 4) As instituições da dinâmica de acolhimento a refugiados; 5) Sobre a Cáritas; 6) Atividades atuais; 7) Perfil da população cadastrada na Cáritas/RJ; e 8) Sobre o voluntariado na Cáritas.

A primeira parte – Programa de Atendimento a Refugiados – fala sobre os imigrantes refugiados no mundo (slide 2), trazendo um gráfico para mostrar a situação do deslocamento forçado em números. As informações ratificam o que dissemos quando tratamos dos números no capítulo 2 desta pesquisa. Nesta parte inicial, também são mostrados os principais países de origem e os documentos que compõem o chamado Sistema de Proteção, slides 3 e 4 respectivamente.

A segunda parte, localizada entre os slides número 5 e número 8, diz respeito ao conceito de refugiado, que trataremos mais adiante.

A terceira parte da apresentação, que se inicia no slide 9 com o título Perfil dos

Refugiados, volta-se sobre a descrição do refugiado. Aqui encontramos: indicações dos

principais países de onde emigram estrangeiros em situação de fuga para o Brasil, bem como a quantidade de imigrantes desses países que estão no Brasil e sobre os quais também tratamos no capítulo 2. Além disso, aponta as quatro principais causas dos pedidos de refúgio, a saber: violação dos direitos humanos; perseguição política; reunião familiar; e

perseguição religiosa. Para finalizar esta parte, são listados os direitos dos solicitantes de refúgio: documentos; residência e circulação no território nacional; trabalho; estudo; acesso a políticas e serviços públicos.

A parte quatro é composta por apenas dois slides, 14 e 15, em que o primeiro traz o título e o segundo apresenta as quatro Instituições da Dinâmica de Acolhimento a Refugiados, a saber: Ministério da Justiça – CONARE; Cáritas RJ; ACNUR; e Polícia Federal.

A seguir, chega-se ao momento da apresentação em que se fala Sobre a Cáritas. Esta quinta parte é constituída por 19 slides, dos quais destacamos os de número 23 e 26, no subcapítulo 4.2.1, ao falarmos sobre a chegada dos imigrantes refugiados no Rio de Janeiro e na Cáritas, bem como os slides 21 e 22 a partir dos quais analisaremos o significante

acolhimento, mais adiante. Ademais, esta parte fala um pouco sobre a história da instituição,

sobre os convênios estabelecidos com as instituições mencionadas na parte 4 que descrevemos previamente, e sobre os principais objetivos dos projetos desenvolvidos pela Cáritas. Aqui também encontramos os primeiros slides com fotos, slides 24, 27, 29, 32 e 34, mostrando cenas de interação da equipe da Cáritas (funcionários e voluntários) com seus assistidos, os imigrantes refugiados, com exceção do slide número 27 cujo cenário é uma sala de reunião fora da instituição. O título deste slide explica que se trata de uma reunião do CONARE que conta com a presença de um imigrante refugiado.

A sexta parte, organizada em 8 slides, dos quais 7 mostram fotos, traz o título

Atividades atuais. Contudo, algumas atividades que são mostradas nestes slides sofreram

alterações ou foram extintas ao longo do ano de 2016, como é o caso da arteterapia que foi substituída pela recreação infantil e do curso de artesanato que foi extinto. Embora nossa proposta de análise esteja voltada para os dizeres materializados nos textos, cabe observar que as sete fotos desta parte da apresentação mostram apenas imigrantes refugiados negros. Esta observação é pertinente na medida em que as imagens também significam, movimentam e produzem deslizamento de sentidos. Há alguns slides na apresentação que dizem que estrangeiros de vários países são acolhidos pela Cáritas. Mas as imagens dos imigrantes refugiados negros são as que comparecem de forma sobressalente e com isso produzem efeitos de sentido na contradição.

A próxima parte, de número 7, que diz do Perfil da população cadastrada na

Cáritas/RJ, aponta a acolhida a estrangeiros de mais de 60 nacionalidades. Os imigrantes

refugiados acolhidos e cadastrados pela Cáritas são procedentes de países da África, mas também da Europa Oriental, do Oriente Médio e da América Latina. Então, há que se pensar que as imagens que mostram apenas imigrantes de cor negra podem produzir deslizamentos

que retomam já-ditos sobre o negro, produzindo efeitos de inferioridade. Imigrantes refugiados negros acolhidos pela Cáritas, produzindo efeitos na significação da cor da pele e do nome da instituição: caritas → no latim caridade. Imagens que remetem a uma memória e produzem sentidos sobre a necessidade de caridade aos negros.

Lembremos os dizeres da SD7 que analisamos no subcapítulo que trata dos sentidos no funcionamento da designação e da imagem − “Só pelo fato de sermos africanos, somos considerados analfabetos. Pensam que não temos cultura, que não temos formação, que somos ignorantes”.

Nas imagens que mostram apenas imigrantes refugiados negros os deslizamentos de sentido ocorrem pelo efeito metafórico. Pêcheux, em AAD 69, explica este efeito como um efeito semântico que se produz numa substituição contextual, um deslizamento de sentido entre x e y. A distância é constitutiva tanto do sentido que é produzido por x como por y. Na análise do discurso “a metáfora não funciona como comparação ou substituição”, mas sim “como transferência que se produz num processo intermitente entre deslizamentos de sentidos” (BRASIL, 2011, p. 72).

Ainda em Brasil lemos que:

A produção do não-verbal, na fotografia, envolve um fazer em que uma composição e uma perspectiva relacionam sentidos. Coloca-se assim, no espaço destinado à fotografia, o congelamento de uma possibilidade. [...] A memória discursiva ativa efeitos de sentido para que o não-verbal seja significado enquanto discurso, onde o não-verbal integra a memória discursiva, mostrando a historicidade do sentido” (BRASIL, 2011, p. 73).

O que compreendemos com a autora é que as imagens produzem nos deslizamentos, mas também nos efeitos de congelamento, a retomada de uma memória discursiva que diz sobre os estrangeiros de cor negra quando apenas eles são mostrados, isto é, as imagens possibilitam interpretações tais como: há apenas imigrantes refugiados negros atendidos pela Cáritas ou os imigrantes refugiados negros são mais necessitados, demandam caridade.

Para finalizar, trazemos a oitava e última parte que fala Sobre o voluntariado na

Cáritas. Aqui há 5 slides, dos quais extraímos os de número 51 e 52 para nossas análises,

como veremos mais adiante.

A partir dessas considerações, propomos dividir a análise do dizer institucional sobre o acolhimento e sobre como ele é exposto ao brasileiro em três eixos: o primeiro que diz

respeito ao conceito de refugiado; o segundo é aquele em que comparece o acolhimento no dizer da instituição; e o terceiro é aquele em que se diz das tensões que comparecem na relação com o outro.

Passemos ao primeiro eixo.