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3.1 Análise das Revistas

3.1.1 Revista Superinteressante

3.1.1.7 E se não sonhássemos? (S7 nov/2006)

O artigo “E se... não sonhássemos?” é mais um da seção Super Respostas, mencionada anteriormente. Desta vez, o tema discutido são as possíveis conseqüências que a espécie humana sofreria caso não tivesse a capacidade de sonhar. O artigo afirma que a capacidade de sonhar surgiu com os primeiros mamíferos e, como existe até hoje, deixa sugerido que foi mantida por ser uma característica vantajosa.

O artigo é dividido em uma coluna de texto que ocupa aproximadamente três quintos de uma das páginas, e boxes com textos curtos, encravados no meio da ilustração. As figuras que compõem a ilustração estão todas agrupadas e ocupam uma página inteira e mais a parte não ocupada por texto da outra página. São fotomontagens, todas coloridas e misturadas, talvez como alusão à “confusão mental” causada pela falta de sonhos. De fato, a aparência é caótica e nem todos os elementos da fotomontagem enriquecem ou ilustram as idéias do artigo (Figura 4). Imagens como os cisnes sobre um carro, um ser humano com lábios no lugar da cabeça e um peixe dourado são exemplos de figuras que não se relacionam com o artigo.

Figura 4. Aspecto geral das ilustrações do artigo “E se... não sonhássemos?”.

Na tentativa de deixar o texto mais chamativo, o jornalista se vale do sensacionalismo e acaba incorrendo em noções inadequadas. Por exemplo, um dos boxes, pela forma como o texto foi escrito, pode levar à interpretação de que o ser humano seria o topo da Evolução:

(...) algum outro bicho que sonha – mamíferos e aves – poderia ocupar o nosso trono na natureza.

Essa impressão é reforçada pelas figuras que cercam o boxe, cabeças de animais em corpos humanos (Figura 5). O trecho conota noção de Evolução direcionada ao progresso.

Figura 5. Corpos humanos com cabeças de mamíferos e aves, reforçando o comentário de

A palavra “evolução” como sinônimo de progresso é usada no texto, embora em contexto diferente do da Evolução biológica:

(...) a ciência evoluiria muito lentamente (...)

Em outros contextos, o uso de “evolução” para significar “progresso” não seria inadequado. Contudo, essa noção inserida em um artigo que fala de Evolução biológica pode induzir o leitor a associar “evolução” e “progresso” indiscriminadamente, levando ao entendimento de que a Evolução biológica implica necessariamente em melhorias.

Em outro boxe, que comenta a importância do sonho na capacidade de resolução de problemas, o texto foi escrito de forma que deixa a sensação de que algumas descobertas científicas foram resultado de uma inspiração súbita, quase uma clarividência, surgida em um sonho, e não de anos de pesquisa e estudo por parte de inúmeros pesquisadores tendo um sonho somente como inspiração. O exemplo citado é o da descoberta da estrutura molecular do benzeno (termo explicado no artigo), que segundo o texto

surgiu de um sonho em que [o químico alemão Kekulé] viu uma serpente mordendo o próprio rabo.

A idéia que o texto passa é de que essa descoberta ocorreu por acaso.

O jornalista também usa metáforas e analogias para deixar seu texto mais impactante. Em um boxe, o trecho

Viveríamos o tempo todo em um estado de sobrecarga mental, sem assimilar nada, como se estivéssemos o tempo todo numa rua de Salvador, no Carnaval, ouvindo 10 trios elétricos ao mesmo tempo ilustra o uso de metáforas e analogias no texto. Além da metáfora da “sobrecarga mental”, a analogia com o Carnaval é forte e meramente especulativa, embora isso não esteja explicado. Em outro boxe, o sonho é equiparado a uma “válvula de escape” para os problemas cotidianos, sem a qual

O artigo continua e afirma que, sem os sonhos, tenderíamos a ser violentos para

resolver todos os nossos conflitos e desavenças. No texto, o jornalista destaca que

o ser humano, esse animal tão frágil diante das ameaças da natureza, não poderia tirar tanto proveito de sua arma mais poderosa – o cérebro.

Novamente o jornalista usa uma metáfora em seu texto, na equiparação do cérebro humano a uma arma, o que também confere um tom sensacionalista ao texto. O jornalista classifica o ser humano como impotente frente aos fenômenos naturais, levando ao entendimento que, se não fosse por nosso desenvolvimento intelectual e o decorrente desenvolvimento científico- tecnológico, talvez não fôssemos capazes de sobreviver. De fato, as capacidades mentais do ser humano, fruto da Evolução biológica, constituem o diferencial da sobrevivência em nossa espécie. Porém, visto que os demais animais, que em princípio não têm a capacidade intelectual tão desenvolvida quanto a nossa, são capazes de sobreviver sem tecnologia, é categórico afirmar que a sobrevivência humana deve-se exclusivamente ao nosso cérebro.

No texto, o jornalista afirma que o sonho surgiu

quando os primeiros mamíferos se desenvolveram a partir dos répteis.

No entanto, em um dos boxes, está escrito que, além dos mamíferos, as aves também sonham. Como os mamíferos, as aves surgiram de ancestrais répteis, porém pertencem a grupos surgidos de ancestrais imediatos diferentes. Logo, o sonho teria que ter surgido com o ancestral comum entre mamíferos e aves, ou teria que ter surgido duas vezes por convergência. Essa é uma possibilidade para discussão em sala de aula: por que existem características em comum entre os seres?

Embora os procedimentos internos da ciência não estejam claramente mencionados no texto, o jornalista menciona que, por ora, o que os cientistas têm são hipóteses acerca do tema:

(...) segundo as suspeitas de alguns cientistas (...)

Este é um trecho que, embora não deixe explícito, indica que as conseqüências da incapacidade de sonhar são hipóteses, ou seja, são idéias prováveis que ainda carecem de corroboração ou demonstração. O artigo não deixa claro que as conseqüências listadas são prováveis e não estabelecidas, podendo levar ao entendimento de que inevitavelmente todas aquelas conseqüências ocorrerão caso percamos a capacidade de sonhar.

No corpo do texto, o jornalista afirma que, se não sonhássemos,

a ciência evoluiria muito lentamente, viveríamos com medo de tudo e seríamos dominados por outros bichos sonhadores. Isso tudo aconteceria se a nossa espécie como um todo não pudesse sonhar. Apesar de afirmar que “viveríamos com medo de tudo”, o jornalista traz duas idéias diferentes sobre a relação entre falta de sonhos e medo. A primeira idéia é a mencionada no trecho acima:

O psicólogo Antti Revonsuo, da Universidade de Turku, na Finlândia, afirma que o sonho serve para simular ameaças reais. (...) Sem sonhos, ficaríamos vulneráveis e teríamos medo de tudo, sem discernimento – tanto faz se a ameaça é um mamute ou uma formiga. A outra idéia, contrária à primeira, afirma que não teríamos medo de nada:

Na contramão da teoria defendida pelo finlandês Antti, há a tese de que perderíamos o medo. A razão, de novo, é a falta de discernimento.

Essa é uma indicação, no artigo, de que as informações escritas não são definitivas. Ao destacar que existem idéias contrárias sobre um mesmo assunto, e sugerir que existe um debate em torno disso, o texto aborda a ciência como instituição.

Outra indicação de que as conseqüências não são definitivas vem junto com a explicação de uma doença que impede a pessoa de sonhar:

Mas o fato é que algumas pessoas realmente não sonham. Elas sofrem de uma doença raríssima, a síndrome de Charcot-Willbrand, que geralmente surge após um acidente vascular cerebral e costuma vir acompanhada de problemas visuais. (...) Os resultados podem ser devastadores: amnésia, agressividade e ansiedade são alguns sintomas prováveis.

Com relação à Evolução, que aparece discretamente no texto, o que pode ser retirado do texto para uso em sala de aula é a importância do cérebro para a Evolução humana. O artigo ressalta que o cérebro é a “arma mais poderosa” dos homens. Sendo assim, qual teria sido a influência do cérebro na Evolução da nossa espécie?

Outro aspecto que pode ser levado para a sala de aula é o surgimento de características novas, que aparece no trecho abaixo:

O sonho, que surgiu há mais ou menos 140 milhões de anos, quando os mamíferos se desenvolveram a partir dos répteis, é importantíssimo no processo de aprendizado.

Desse trecho, também pode surgir a pergunta: por que as aves, que não são mamíferos, também sonham? Essa questão pode implicar conceitos como convergência (características semelhantes surgem independentemente em grupos diferentes), constituindo mais uma possibilidade de uso em sala de aula.

O artigo pode, ainda, ser explorado em aulas de Artes, com base na ilustração. Por que a ilustração é tão confusa? A partir disso, podem sair estudos sobre cores, diagramação, arte eletrônica, entre outros.