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2.7. Fundamentos do tratamento biológico

2.7.3. Ecologia microbiana

A actividade microbiológica nos biorreactores transforma poluentes em produtos inócuos. As espécies presentes, as suas densidades, as transformações catabólicas que estão a catalisar, e as suas interacções com o ambiente e entre si são fundamentais para a operação de um biorreactor.

Ainda hoje, pouco se sabe acerca de evolução das culturas microbianas nos biofiltros e como são afectadas pelas condições operacionais ou pelo seu ambiente directo. Na maioria dos casos, as emissões de microrganismos para a atmosfera (Ottengraf e Konings, 1991) e lixiviação dos nutrientes (Smet et al., 1996) podem ser desprezados, concluindo que os biofiltros podem ser considerados sistemas fechados tendo em conta o balanço de nutrientes (Deshusses, 1997).

2.7.3.1. Espécies microbianas no biorreactor

2.7.3.1.1. Selecção e proliferação

O ar que atravessa um biorreactor transporta aerosóis e poeiras, e estes transportam células, esporos, e cistos de uma larga variedade de microrganismos. À medida que se dá a biodegradação, estas espécies vão, de acordo com as suas capacidades, encontrar um local no ecossistema do biofilme. Os compostos mais complexos de degradar podem necessitar de várias etapas metabólicas na transformação para produzir CO2 e H2O, e diferentes espécies podem-se especializar em

diferentes partes do processo.

As espécies que consomem o mesmo substrato, seja ele o contaminante original ou um metabolito, vão competir vigorosamente. As espécies menos capazes podem ser eliminadas. Existe uma distinção de microrganismos entre a superfície do biofilme e o seu interior.

As bactérias e os fungos são os dois grupos de microrganismos dominantes na biodegradação. As bactérias têm a vantagem de reterem facilmente o substrato e promoverem um rápido crescimento. Em condições favoráveis, as bactérias dominam mesmo na presença de fungos, embora degradem apenas pequenas moléculas orgânicas que são facilmente incorporadas nas suas células. Pseudomonas e Nocardia são normalmente as bactérias presentes nestas situações. Algumas espécies como as Flavobacterium podem-se adaptar para oxidar componentes como o pentaclorofenol. Normalmente o composto (meio filtrante) apresenta cerca de 1 bilião de bactérias por grama (Bohn, 1992). Os fungos geralmente crescem mais devagar e as suas dimensões superiores levam a uma relação baixa entre a superfície e o volume para retenção de substrato. No entanto, os fungos são capazes de degradar uma grande variedade de contaminantes e alguns de elevada complexidade, excretando enzimas que quebram as ligações entre polímeros e resistem a condições bastante adversas. Van Groenestijn et al. (1995) mostraram que os fungos podem resistir a pH = 2.5 em biorreactores cujo ar apresenta baixa humidade, e a temperaturas entre os 60 oC e os 71 oC. É importante notar que os

fungos produzem grandes filamentos que podem bloquear o fluxo do ar e impedir a degradação pelas bactérias. Existem cerca de 100 000 fungos por grama de composto (Bohn, 1992).

populações os protozoários começam a parasitar as bactérias. Cada espécie de degradação pode ser alimento para vários predadores.

Protozoários têm sido encontrados num número vasto de biorreactores. Castros et al. (1997) verificaram a presença de vários protozoários em biofiltros em escala piloto, de tamanhos de 5 µm a 50 µm.

2.7.3.1.2. Inoculação dos biorreactores

Muitos investigadores defendem a utilização de uma única espécie ideal, conhecida por degradar vigorosamente o composto em interesse, como inóculo na biodegradação. Tal crença pode ser um sucesso, mas unicamente se a espécie em causa é economicamente viável. As espécies devem ser capazes de ter sucesso nas condições ambientais do biorreactor, crescer a pH e temperatura característicos do biorreactor e serem capazes de aguentar variações inevitáveis. As espécies devem ser capazes de sobreviver a organismos competitivos, evitar predadores e crescer suficientemente rápido de modo a compensar a sua perda (Deshusses et al., 1999).

Uma vantagem de utilizar um consórcio de microrganismos, por exemplo de lamas activadas de uma ETAR, é que foram expostos aos efluentes típicos de uma civilização. Embora a maioria das espécies presentes no inóculo possa desaparecer, existem sempre algumas espécies presentes que vão degradar o poluente em causa.

Outra espécie de inóculo é escolhida especificamente para o poluente em causa. Por exemplo, um biofiltro que se pretende que remova hidrocarbonetos clorados pode ser inoculado com uma porção de solo presente numa área contaminada durante alguns anos por hidrocarbonetos clorados. Van Groenestijn et al. (1995) desenvolveram um biofiltro para o tratamento de etileno e 1,3-butadieno, usando uma amostra de solo da estrada (Deshusses et al., 1999).

A relação entre o inóculo escolhido e as características do ecossistema microbial no estado estacionário do biorreactor são relativamente complexas e ainda pouco conhecidas. Observações ecológicas sugerem que os diferentes grupos de espécies reorganizam-se e desenvolvem um ecossistema harmonioso, que segundo Castro et al. (1996) se verifica nos biofiltros. Castro et al. (1996) comparam o desempenho de um biofiltro utilizando três inóculos distintos: solo de floresta, lamas activadas e pedaços de madeira cheios de composto de cogumelos. Verificaram que o biofilme formado pelas lamas activadas era distinto dos outros dois e que, inicialmente, o biofilme das lamas activadas removia melhor o poluente, mas com o passar do tempo os três inóculos atingiam as mesmas eficiências de remoção.

2.7.3.1.3. Utilização de substrato

A existência de um biorreactor depende da comunidade de microrganismos presente que utilizam o poluente como alimento ou substrato. O poluente serve de fonte de energia ou de material para o crescimento, ou ambos. Quando o poluente é simplesmente utilizado para energia, o composto é convertido a CO2 e H2O, que se libertam do biorreactor. Os

microrganismos lutam para se desenvolver e reproduzir. No entanto, parte do carbono do poluente fica retida como parte do microrganismo. Um crescimento vigoroso do microrganismo, na presença de abundante alimento, pode ser convertido (cerca de 50 % do carbono do substrato) em biomassa (Deshusses et al., 1999).

Alguns compostos eliminados nos biorreactores não contribuem com os seus elementos para o crescimento. Os microrganismos dos biofiltros que removem o sulfureto de hidrogénio, convertem-no na sua totalidade a sulfatos que ficam retidos na água. A conversão fornece energia, mas muito pouco enxofre fica incorporado nas células. O organismo utiliza a energia para fixar o CO2 atmosférico para crescimento.

2.7.3.2. A comunidade microbiana

2.7.3.2.1. Estratificação longitudinal

Os biorreactores operam essencialmente como mecanismos de Plug Flow. As concentrações do poluente decrescem à medida que o o ar passa pelo biorreactor, isto é, as concentrações do poluente são muito maiores perto da entrada de ar que na saída. As características da comunidade biológica também mudam de acordo com a concentração de poluente. Na entrada de ar existe normalmente uma maior densidade de biomassa. Esta região necessita de mais nutrientes, gera mais calor, e é mais susceptível de gerar ácidos. Os microrganismos existentes na saída do biorreactor podem estar em fase de supressão de nutrientes e consequentemente produzir pouca ou nenhuma biomassa. Hugler et al. (1996), no estudo de um biofiltro, encontraram biofilme de 5 mm de espessura na entrada e só 2 mm na saída.

2.7.3.2.2. Biofilmes em biorreactores

Em ecossistemas microbianos, as células organizam-se comumente em filmes em superfícies de sólidos. Existem muitos benefícios ecológicos relativamente a esta disposição física. Podem parecer bastante activos quando observados ao microscópio, mas os microrganismos movimentam-se a velocidades bastante baixas à escala macroscópica. Os microrganismos são essencialmente plantónicos, incapazes de nadar contra-corrente, mesmo que seja um fluxo bastante baixo. Um microrganismo que se encontra num ambiente desfavorável pode evitar ser eliminado ao aderir-se a uma superfície. Existem microrganismos que simplesmente se aderem por espaços curtos de tempo, outros ficam aderidos permanentemente ao final de alguns minutos do seu primeiro contacto.

Os microrganismos tornam-se biofilme devido a excretarem um gel polissacarídeo. À medida que a população aumenta, as células acumulam-se na superfície e ficam embebidos numa camada contínua de gel. Esta camada protege os microrganismos contra predadores, que normalmente não conseguem penetrar no biofilme. O biofilme também fornece protecção contra substâncias tóxicas, possivelmente porque são adsorvidas nos polissacarídeos.

À medida que o biofilme espessa também se torna uma barreira ao transporte químico. A água no interior do gel polissacarídeo é estacionária, sendo a advecção suprimida, e a difusão molecular é o único modo de transporte. Se os microrganismos estão activos, eles podem consumir mais rapidamente do que o substrato pode difundir ao interior do biofilme, deixando os microrganismos do interior do biofilme sem substrato. Nestas condições, a taxa de tratamento é controlada pela taxa de difusão no biofilme, em vez da quantidade de biomassa presente. Se o substrato é abundante e degradável, o oxigénio pode não penetrar à taxa suficiente para fornecer aos microrganismos e as partes mais interiores do biofilme podem-se tornar anaeróbias.

A concentração do substrato varia com a profundidade do biofilme. Os microrganismos da superfície são capazes de degradar concentrações maiores de contaminante, enquanto que espécies que se encontram mais no interior do biofilme degradam a concentrações mais baixas de contaminante. Mirpuri et al. (1997) propuseram um modelo incluindo três categorias de células: as capazes de degradar tolueno a altas concentrações, as capazes de degradar tolueno a baixas concentrações em condições favoráveis e as células incapazes de degradar tolueno. As experiências indicam que os degradadores de tolueno encontram-se perto da interface gás-líquido, enquanto que os outros tipos se encontram mais perto do fundo do biofilme.

Uma vez que a fase líquida do reactor no tratamento de ar é relativamente estacionária, pode suportar uma população de microrganismos nadadores. Estes podem movimentar-se livremente perto da superfície da água, encontrando assim elevadas concentrações de contaminantes devido à baixa limitação difusional. Podem contribuir significativamente para a actividade do biofilme.

Hugler et al. (1996) mediram a concentração bacteriana no biofilme e na fase líquida de um biopercolador para tratar sulfuretos. Verificou-se que a densidade bacteriana na água era cerca de um terço da densidade do biofilme. O biofilme de um biopercolador é constituído por uma mistura vasta de fungos, bactérias, leveduras, protozoários ciliados, amebas, nematódos e algas. Também é afirmada a existência de espécies diferentes ao longo da espessura do biofilme. A camada superficial do biofilme em contacto com a fase líquida é constituída por bactérias e hifas dos fungos. A camada intermédia é muita densa, com mais fungos e menos bactérias e uma população vigorosa de nemátodos. Na camada basal, mais próxima da superfície, existem muitos fungos, mas inactivos ou mortos, e poucas bactérias (Deshusses et al., 1999).

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