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1. Teoria econômica e meio ambiente

1.3. Economia Ecológica e pluralismo metodológico

1.3.1 Economia Ecológica como uma ciência evolucionária

Para Van der Bergh & Gowdy (2000), a teoria evolucionária tem tido um papel principal para a ciência econômica por mais de 100 anos, inicialmente através da analogia direta à evolução biológica para Veblen e Friedman. Veblen, além de possuir argumentos explícitos para a adoção de uma abordagem evolucionista na economia, acreditava que “a teoria econômica não deve tomar o indivíduo como dado, mas como um produto e, ao mesmo tempo, produtor de instituições” (Cerqueira, 2002). Postulava, ainda, que a noção de equilíbrio deveria ser substituída por uma metáfora da evolução darwinista. No entanto, não conseguiu desenvolver uma teoria concisa de suas ideias, contribuindo para que estas fossem mal compreendidas.

Segundo Van der Bergh & Gowdy (2000), diferentes abordagens alternativas à teoria neoclássica, e seu núcleo baseado no “survival-of-the-fittest”, foram desenvolvidas, talvez a mais paradigmática a obra de Schumpeter, e sua teoria da mudança qualitativa e da destruição criativa, bem como a ramificação posterior dos neo-schumpeterianos, tal como Dosi (1982) e sua teoria de mudança tecnológica. Outras abordagens evolucionárias com desdobramentos relativos menos intensos, nem por isso menos relevantes, tais como a teoria do desenvolvimento cultural- institucional de Hayek, a teoria de comportamento humano, organizações e complexidade de Simon, e Georgescu-Roegen e a “bioeconomia”, com a interpretação das leis da termodinâmica e o conceito de entropia no desenvolvimento econômico de longo prazo. Com esses desdobramentos, o autor afirma que as visões evolucionárias não são meras metáforas biológicas ao enfatizar o fenômeno econômico como um processo evolutivo

Ainda, segundo Van der Bergh & Gowdy (2000), o pensamento evolucionário é importante para a economia por ao menos três razões: 1) Os sistemas econômicos têm tido ao longo dos tempos mudanças qualitativas, estruturais e irreversíveis, de forma extremamente rápida. Em nenhum momento, de uma perspectiva histórico-industrial, há movimentos a um estado estacionário do crescimento, ou de equilíbrio, como a teoria tradicional tenta provar; 2) Esses sistemas possuem grande capacidade de aprendizado e adaptação, em todas as esferas de

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atuação (sejam firmas, ONGs, setores, países, ou de escala global); 3) Como preconizado por Nelson (1995) a evolução pode ser observada em uma estrutura organizacional da economia, envolvendo ciência, tecnologia, mercados, preferências dos consumidores, instituições e outros, em um nível mais amplo.

A evolução é um processo de retenção de variação, envolvendo três processos darwinistas: variação, seleção e herança. À análise evolutiva cabe analisar como a variação é gerada, como propriedades vantajosas são retidas e passadas e porque as entidades diferem na sua propagação. Estas entidades podem ser entendidas como organismos biológicos, organizações, instituições ou tecnologias. Evolução deve ser vista como um desequilíbrio e mudança qualitativa ou estrutural que é irreversível e imprevisível, podendo ser gradual ou radical e baseada em uma variação no nível micro (variação) e seleção, bem como nas tendências e choques no nível macro. Mecanismos evolucionários têm pelo menos dois papeis importantes na economia do meio ambiente. Primeiramente, a partir do surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável há uma implicação no horizonte de longo prazo na análise científica e de políticas. Segundo, os recursos naturais e ecossistemas são afetados diretamente pelo processo de seleção, o qual é pressionado e acelerado pelas atividades antropogênicas (Van der Bergh & Gowdy, 2000).

Dentre as distintas perspectivas evolucionárias iremos utilizar o conceito de coevolução, o qual pode ser entendido como evolução simultânea de espécies, ecossistemas ou espécies. Coevolução é um conceito útil para integrar economia evolucionária e meio ambiente referindo-se à evolução simultânea de espécies interativas relevantes, ou espécies e ecossistemas, e analogamente atividades econômicas e seus ambientes naturais. Enfatiza que a pressão da seleção (advinda do conceito darwinista) não é meramente exercida por fatores abióticos, mas também por outras espécies vivas. Foi introduzida primeiramente por Ehrlich e Raven (1964) na biologia, sendo Norgaard (1984) o primeiro a introduzir o conceito à economia, aplicando a questões ambientais.

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Segundo Norgaard, a coevolução é diferente da mudança dinâmica simultânea, embora sejam frequentemente usadas erroneamente como sinônimas, onde pelo menos um sistema está evoluindo. Por não ser um conceito normativo não se trata, por exemplo, de mudanças no sistema social evoluindo harmoniosamente com a natureza, visto que as relações coevolucionárias podem ser mutuamente cooperativas, parasitas-competitivas, predatória ou dominante. Ainda, segundo o autor, é um processo de mudança isento de valor o qual é valorado de acordo com os benefícios que a sociedade enxerga como positivos, no caso de uma coevolução entre sistema social e ecossistema. A tese exposta por Norgaard dá ênfase à ideia de que a humanidade e seu ambiente de alguma forma mudam conjuntamente, como um paradigma para descrever que tal mudança foi desenvolvida. O autor sustenta que o modernismo leva à noção vaga de progresso social e econômico, e há um grande sistema co-evolucionário envolvendo cinco componentes: meio ambiente, valores humanos, conhecimento humano, instituições e tecnologia.

Dentro da literatura da economia ecológica houve grande repercussão e interesse nesse arcabouço analítico proposto por Norgaard, se utilizando de uma tipologia de cinco distintas coevoluções: biológica, social, gene-cultural, biossocial e sócio-ecológica. A primeira surgiu devido a sua importância para políticas conservacionistas, analisando a evolução recíproca entre duas ou mais espécies. A coevolução social refere-se à evolução entre diversos sistemas sociais, citando como exemplo tecnologias e instituições, população de indústrias e universidades, comportamentos e instituições, população de produtores e consumidores. É a partir do arcabouço da coevolução social que podemos enxergar o surgimento e evolução das instituições ambientais, suas barreiras e as políticas de transição para a adoção de tecnologias ambientais ou a evolução de corporações mais verdes. A coevolução entre gene e cultura referem-se às interações evolutivas entre, como o próprio nome sugere, a evolução cultural da sociedade e sua concomitante evolução biológica. A mente humana, sua cognição e percepção aparentemente evoluíram influenciadas pelo contexto cultural. Sendo assim, o comportamento humano não é considerado como determinado apenas pela evolução biológica, devendo levar em conta a dinâmica endógena cultural. Kallis & Norgaard (2010) sugerem como bases teóricas à economia ecológica que a racionalidade

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limitada, o comportamento rotineiro e as escolhas com base na heurística podem oferecer bases comportamentais melhores que às da teoria neoclássica.

A coevolução bio-social trata da evolução social e evolução biológica não-humana, como exemplo, a interação entre população de pragas e estratégias econômicas e as políticas regulatórias para a indústria de pesticidas. Já a coevolução sócio-ecológica analisa como a evolução no sistema social afeta o meio ambiente biofísico.

A partir da conceptualização coevolucionária há um alargamento na lógica de análise, onde múltiplos subcomponentes, como genes, ideias, percepções, comportamentos, ações e instituições coevoluem e interagem. Epistemologicamente, oferece pontos de entrada para transcender debates dicotômicos dentro da economia do meio ambiente. Winder et al (2005) reconhecem que a contribuição de Norgaard foi enorme, possibilitando teóricos e práticos interessados em desenvolver e aplicar tais conceitos em uma grande gama de análises. No entanto, deve-se considerar essa obra como um ponto inicial e não como algo único.

A partir disso há a possibilidade de uma mudança irreversível e sustentada, implicando que não é meramente adaptação temporária, que pode ser revertida, mas algo único, histórico e parte de um processo de “path-dependence”. Isso afirma que eventos históricos podem em combinação com retornos a escala levar a um lock-in, possivelmente de tecnologias não ótimas. Isso se contrapõe no cerne à abordagem neoclássica – no máximo preocupada com a dinâmica, mas com problemas de alocação a-históricos.

Ao considerar a evolução do sistema econômico como processos exógenos ao ambiente natural, à evolução das instituições, tecnologias e preferências, estariam deixando de entender certas dinâmicas e interações entre tais sistemas, que dão origem a padrões históricos de mudanças irreversíveis. A ótica coevolutiva possui poderosos insights para entender como diferentes características dos recursos naturais e dos ecossistemas estimulam as inovações tecnológicas em um sistema econômico (CECHIN, 2010)

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Tabela 2 Tensões epistemológicas entre economia e outras ciências sociais.

Premissa tradicional Premissas complementares (ou alternativas)

Mecanicista Evolucionária

Neutralidade do valor Valores inevitáveis Objetividade Subjetividade (interpretativo) Regularidade universal Contextualismo, único, estudos de caso

Reducionismo Holística

Causação unidirecional Causação multidirecional

Modelos lógicos matematicamente fechados Modelos-padrão que podem ser fragmentados Soluções ótimas Esclarecimento, busca pelo consenso, mitigação do

conflito de interesse.

Conhecimento disseminado Interação (diálogo e aprendizagem cooperativa) Fonte: Norgaard (1984) e Soderbaun (200)