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5. A GESTÃO DAS REDES DE ATENÇÃO ESTABELECIDAS NO ÂMBITO DA

5.3 R EDES DE ATENÇÃO À SAÚDE : A NÁLISE DOS F LUXOS ESTABELECIDOS NA CIDADE DO

De acordo com Raffestin (1993), a circulação e a comunicação estão presentes nas estratégias de domínio de superfícies e pontos por meio da gestão e do controle das distâncias. Conforme relata este autor, a circulação se refere à transferência de seres e/ou de bens e a comunicação diz repeito à transferência de informação. Ambas se constituem um desafio à rede de atenção à saúde que prevê a circulação eficaz de pacientes entre os distintos níveis assistenciais e a comunicação efetiva entre os atores envolvidos neste processo.

O que se vê de fato é que este desafio está ainda longe de ser superado. Fluxos informalmente estabelecidos ainda são alternativas utilizadas por médicos e usuários para acessar o sistema, e a comunicação, por sua vez, é fortemente influenciada pela má gestão da rede e esta deficiência torna-se latente quando a análise está baseada nos sistemas de referência e contra-referência, conforme já debatido anteriormente.

Sendo a circulação visível por meio dos fluxos de homens e de bens que mobiliza e pelas infra-estruturas que supõe, analisar os fluxos de usuários que buscam atendimento pelo Sistema Único de Saúde possibilita a identificação dos entraves existentes na distribuição e acesso aos serviços, avaliando até que ponto do SUS realmente conseguiu promover a universalização e em que medida os equipamentos atualmente estabelecidos são suficientes à demanda existente. A identificação em nível local da distribuição de serviços e usuários auxilia em um melhor planejamento do setor.

De acordo com dados da Central de Regulação, em 2013 foram realizados 526.203 solicitações de encaminhamento aos especialistas, divididos em 67 procedimentos em toda a cidade do Recife14.

Antes de iniciar a análise dos fluxos estabelecidos é importante ressaltar que alguns fatores podem influir no decréscimo ou acréscimo do quantitativo de serviços executados ou na procura destes em determinado momento. Por este motivo, analisam-se neste estudo dados de todo o ano de 2013. Apesar de ainda estar sujeita às variações, a média anual é utilizada no sentido de minimizar estas possíveis distorções.

Entre os fatores que interferem nas variações nestes fluxos, podendo influir no decréscimo dos agendamentos em determinado procedimento, está a quebra de alguns equipamentos destinados ao diagnóstico ou afastamento de algum médico. Outro fator está intimamente relacionado à diminuição da oferta e procura observada no período que corresponde às férias. Este é um período que caracteristicamente corresponde à diminuição da oferta de alguns serviços, em decorrência do afastamento de alguns profissionais de saúde, além de haver uma

14 Algumas solicitações são também realizadas por outras instituições de saúde que não compõem a rede municipal do Recife, por meio da Programação Pactuada e Integrada (PPI). Através do PPI são efetuados os pactos intergestores para garantia de acesso da população aos serviços de saúde. Entre as instituições conveniadas estão: Secretaria de Saúde de Itapissuma, Central de Regulação de Jaboatão dos Guararapes, Central de Regulação de Limoeiro, Policlínica Rio Doce, USF Bultrins Monte II, USF Passarinho, entre outros. Tais instituições compõem o Distrito Sanitário 0, assim denominado pela Central de Regulação. Para a análise aqui realizada, os dados do Distrito Sanitário 0 não serão considerados.

procura inferior por parte dos pacientes, assim como pode ser observado no Gráfico 6.

Gráfico 6. Distribuição dos encaminhamentos realizados por meses do ano. Recife- 2013.

Fonte: Central de Regulação do Recife. Desenho gráfico: a autora.

Além disto, o gráfico acima demonstra um leve acréscimo no percentual de agendamentos realizados no segundo semestre de 2013. Assim como relatado em tópicos anteriores, este período corresponde ao momento em que houve uma mudança na gestão das cotas. Até o primeiro semestre de 2013 as cotas eram ofertadas por unidade de saúde, a cada mês, e caso esta unidade não utilizasse o quantitativo disponibilizado, não havia reaproveitamento das vagas excedentes por parte de outra unidade.

A partir do estabelecimento deste novo modelo de gestão das cotas o limite que antes era definido para cada instituição passou a ser geral. Deste modo, todos procedem com os agendamentos até o limite das vagas para aquela determinada especialidade. Obviamente isto significou um maior aproveitamento, contudo não foi suficiente para resolver a problemática em questão. Assim como também já demonstrado anteriormente, ainda há localidades com graves

dificuldades no acesso às determinadas especialidades, ao mesmo tempo em que a não utilização das cotas excedentes é uma dificuldade não resolvida.

Por meio da análise do Gráfico 7, pode-se verificar que um elevado percentual das solicitações destes procedimentos é oriundo do Distrito Sanitário VI. Tal evidência pode ser explicada pela maior concentração populacional deste Distrito, que corresponde a 24,9% do total da população do município (Tabela 14).

Gráfico 7. Solicitação de procedimentos por Distrito Sanitário. Recife-2013.

Fonte: Central de Regulação do Recife. Desenho gráfico: a autora.

Tabela 14. População residente por Distrito Sanitário. Recife, 2012.

Distrito Sanitário Homens Mulheres Total

I 35.438 42.676 78.114 II 102.322 118.912 221.234 III 144.433 168.548 312.981 IV 128.047 150.900 278.947 V 123.783 139.995 263.778 VI 175.796 206.854 382.650 Recife 709.819 827.885 1.537.704 Fonte: SIAB, 2012.

Em contraponto, quando analisados os dados referentes às unidades executantes, ou seja, as unidades de saúde onde na prática são realizados os

atendimentos requeridos pelas unidades solicitantes, o panorama se inverte. Os números demonstram que o Distrito Sanitário I, apesar de ser o menos populoso, correspondendo a 5,1% da população, é o que abarca o maior quantitativo de execução dos procedimentos agendados, conforme demonstra o Gráfico 8.

Gráfico 8. Execução de procedimentos por Distrito Sanitário. Recife-2013.

Fonte: Central de Regulação do Recife. Desenho gráfico: a autora.

Estes dados expõem inicialmente uma disparidade na capacidade que os distritos apresentam de suprir as demandas que lhes são atribuídas. Segundo dados da Central de Regulação da Cidade do Recife, 18 das 44 unidades executantes estão localizadas no Distrito Sanitário I que atualmente concentra boa parte das clínicas médicas e hospitais que integram o polo médico do Recife. Concentração bem inferior é encontrada nos demais distritos.

Esta é uma tendência observada no campo das redes de assistência à saúde, mas que está de acordo com a proposta elaborada por Christaller (1966). Para o autor, a formação da rede urbana é associada à necessidade de localização central de alguns serviços quanto a sua oferta (serviços centrais) e a organização do espaço em torno desse núcleo de oferta (lugar central). Este lugar central apresenta uma conexão com sua região periférica (região complementar)

a qual estabelece com ele uma interdependência, perante da necessidade da oferta deste.

Esta centralidade observada na rede assistencial salienta a desigualdade na distribuição territorial dos serviços de saúde e reforça desigualdades no acesso (TEIXEIRA, 1999). Além disto, a descentralização geográfica, ao permitir melhorias das condições de acesso, é condição necessária para o estabelecimento da equidade, apesar de não ser condição única para tal (HORTALE et al, 2000).

A equidade é fundamentada na garantia do acesso a serviços de boa qualidade. Ela está intimamente relacionada com uma distribuição justa e baseada nas necessidades de saúde da população, na facilidade e eliminação de barreiras ao acesso em cada território, equiparando assim a relação existente entre a necessidade da população com a disponibilidade de serviços (WHITEHEAD, 1992).

Os distritos sanitários foram instituídos como unidade organizacional mínima do sistema de saúde, devendo possuir uma base territorial definida geograficamente, com uma rede de serviços de saúde com perfil tecnológico correspondente às particularidades epidemiológicas da população distribuída em seus limites. De acordo com Gondim et al (2008) o Distrito Sanitário deveria ser capaz de resolver os problemas e atender às necessidades em saúde da população de seu território, passando pelos três níveis de atenção à saúde. Todavia os dados a seguir apontam uma lógica que segue outra direção.

Tabela 15. Comparação entre solicitação e execução de procedimentos por Distrito Sanitário. Recife-2013.

DISTRITOS SANITÁRIOS SOLICITANTES

DISTRITOS SANITÁRIOS EXECUTANTES

DS I DS II DS III DS IV DS V DS VI DS I 11,59% 0,07% 0,41% 0,09% 0,03% 0,00% DS II 5,09% 9,30% 1,95% 0,34% 0,07% 0,01% DS III 5,18% 0,36% 4,53% 0,41% 0,08% 0,02% DS IV 3,63% 0,10% 1,25% 11,89% 0,10% 0,02% DS V 4,72% 0,04% 1,74% 0,81% 6,30% 0,02% DS VI 7,12% 0,12% 1,90% 0,56% 0,20% 19,98%

Fonte: Central de Regulação do Recife. Elaboração: a autora.

A Tabela 15 identifica, por distrito solicitante, para quais distritos são predominantemente encaminhados os pacientes. A princípio, é presumível perceber, com exceção do DS III, que há uma tendência de encaminhamento de pacientes para instituições localizadas em seu distrito de origem: no DSI, a maioria dos atendimentos solicitados foi realizada no seu território e assim sucessivamente.

Todavia, quando analisados os percentuais dos atendimentos realizados no próprio distrito, em comparação com o somatório do total de atendimentos realizados fora do mesmo, os números demonstram que, com exceção do DSI, um percentual elevado de usuários ainda busca atendimento especializado em unidades localizadas além dos limites do seu distrito de origem. Como no caso do

DS III onde 57,15% de seus usuários foram atendidos nos demais distritos (Tabelas 16 e 17)

Tabela 16. Procedimentos executados no Distrito Sanitário de origem do paciente. Recife- 2013.

Distrito Sanitário Procedimentos executados no Distrito

Sanitário de origem do paciente Percentual

I 60022 95,05% II 48170 55,50% III 23458 42,85% IV 61592 69,97% V 32622 46,23% VI 103538 66,87%

Fonte: Central de Regulação do Recife. Elaboração: a autora.

Tabela 17. Procedimentos executados fora Distrito Sanitário de origem do paciente. Recife- 2013.

Distrito Sanitário

Procedimentos executados fora do Distrito Sanitário

de origem do paciente Percentual Total

I 3129 4,95% 63151 II 38618 44,50% 86788 III 31281 57,15% 54739 IV 26432 30,03% 88024 V 37949 53,77% 70571 VI 51289 33,13% 154827

Fonte: Central de Regulação do Recife. Elaboração: a autora.

Neste sentido, de acordo com Paim (1994) a ideia subjacente à proposta do distrito sanitário seria permitir gradativamente a estruturação dos serviços de saúde em distintas escalas territoriais, ou seja, possibilitar aos sistemas de saúde no âmbito estadual, municipal e local, a oportunidade de se estruturarem para dar cobertura a uma determinada população em um território.

Aparentemente, o primeiro nível de atenção surge como o único a ter demarcação territorial no interior do distrito, em decorrência da exigência de adscrição de clientela e demarcação de área de abrangência das unidades

básicas de saúde. Na prática, o segundo e o terceiro nível de atenção não apresentam demarcação territorial visível, sendo definido geograficamente por meio da necessidade de atenção da população. Todavia, recentes modificações na gestão dos fluxos, principalmente no segundo nível, demonstram um esforço inicial no desenvolvimento de uma nova perspectiva, fato este identificado na análise empreendida no Distrito Sanitário IV, conforme será visto a seguir.

5.4 REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE:ANÁLISE DOS FLUXOS ESTABELECIDOS NO DISTRITO