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Adriano Pedrosa também foi o editor desta Bienal, e, em Nota do Editor, ele explica a proposta gráfica, apresentando ao invés de catálogos, livros. Criticando

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catálogos de exposição que “parecem estar sempre restritos à função catalogadora, pálidas cópias do verdadeiro show” (1998b, p. 324), o editor e curador adjunto apresentou livros com textos ensaísticos e obras intercalados, além de publicações realizadas especialmente para os livros, afirmando ainda que estes “estabelecem contaminações entre os quatro segmentos da mostra, desestruturando uma estrutura aparentemente rígida que havíamos construído” (1998b, p. 324). Porém, o fato de serem quatro livros, separados pelos eixos da exposição, nos faz suspeitar que a contaminação entre eles não ocorresse no catálogo dessa maneira, pois são livros separados e com muito conteúdo específico de cada eixo, o entendimento do todo, ou a contaminação entre eles, só pode ocorrer se ler todos os livros e elaborar um pensamento geral.

A mesma preocupação com a edição dos catálogos ocorre em exposições seguintes como F[r]icciones, em 2000-01 e posteriormente no Panorama 2009. O resultado são publicações que vão além de simplesmente catalogar as obras expostas, mas que possuem textos que cercam o processo curatorial e obras que aparecem no catálogo como constituintes de uma elaboração do curador, mas que não estavam no espaço expositivo. Em 2009, por exemplo, ele escolheu para o convite da exposição e para a capa do catálogo a obra de Dominique Gonzalez- Foerster, Double terrain de jeu, instalada em 2006 no pavilhão de acesso ao MAM- SP (durante a 27ª Bienal), bastando para o curador a presença do registro da obra. Com a mesma problemática, as capas dos livros da XXIV Bienal de São Paulo (o nome internacional foi retirado propositalmente, afinal não fazia mais sentido uma palavra já assimilada pelo público e pela história, segundo os curadores) também é um jogo de presenças e ausências entre territórios como afirma Adriano Pedrosa.

O diálogo entre o local e o internacional era estendido às capas dos quatro livros da exposição. Todos reproduzem “XXIV Bienal” em suas contracapas e “de São Paulo” em suas capas, sobrepostos a paisagens, interiores ou rostos paulistas... (PEDROSA, 2009, p.24)

A citação está no texto do catálogo do Panorama 2009 e reitera a presença de rastros da XXIV Bienal de São Paulo na elaboração da curadoria de 2009. Além da preocupação com os catálogos na questão de território e pertencimento, a

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montagem da exposição questiona também afirmações provincianas de nacionalidade nas duas exposições: em 1998, os curadores retiraram a palavra internacional para apresentar uma Bienal nem tão estrangeira, nem tão nacionalista, o objetivo foi encontrar um meio-termo para estabelecer o conceito curatorial que envolvesse todos os países em torno do objeto e da discussão sobre arte e não que o país de origem estivesse sobreposto à obra em si. Mas, em contrapartida, a ilustração das capas com referências paulistas lembra um regionalismo mínimo que está na primeira sala do Panorama de 2009, retomado diante do incômodo do nome oficial, inclinado a afirmar-se por demasia local: Panorama da Arte Brasileira, busca então em artistas estrangeiros obras que tem como referência algo de arte ou cultura brasileira, buscando fugir do provincianismo a que o título conduz, com ressalvas.

Antes de se deter em outra exposição que marca o gesto curatorial de Pedrosa é interessante enfatizar a repercussão da qual a XXIV Bienal de São Paulo favorece: há uma publicação norte-americana recente, editada pela Phaidon, organizada e escrita por Bruce Altshuler33 que, de 25 exposições consideradas pelo autor como cruciais para que se estabeleça uma história recente das exposições, uma é brasileira. A escolha de Altshuler pela XXIV Bienal de São Paulo de 1998 para compor o livro dá-se pelo caráter inédito da mostra na abertura da história das Bienais de São Paulo para discussões além de simplesmente mostrar artistas importantes de todo o mundo e sim fazer correspondência com o local:

But its more important significance for the exhibition was metaphorical, referring to Brazil having incorporated European and indigenous influences to forge a unique postcolonial culture. The exhibition itself can be seen in a analogous light, as emerging from the Brazilian ingestion of early European and more recent biennial models. (ALTSHULER, 2013, p. 357)34

Percebe-se que o processo estabelecido por Adriano Pedrosa e Paulo Herkenhoff repercutiu para que se buscasse um equilíbrio nas curadorias de Bienais

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Biennials and Beyond: Exhibition that made art history 1962-2002. Tradução livre: Bienais e além: Exposições que fizeram a história da arte 1962-2002.

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Em tradução livre: Mas o significado mais importante da exibição foi metafórico, referindo-se ao Brasil ter incorporado influências indígenas e europeias para forjar uma cultura pós-colonial única. A exposição em si pode ser vista de forma análoga, como emergindo da ingestão brasileira de modelos primeiramente europeus e mais recentemente de bienais.

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sobre aquilo que representa o local e aquilo que representa o internacional, sem deixá-la com caráter doméstico e sem que a exibição fique deslocada do contexto ao qual está inserida. A mesma preocupação permeia outra exposição apontada por ele como precedente ao Panorama de 2009, realizada no Museu Reina Sofia em 2000- 01, em co-curadoria com Ivo Mesquita, F[r]icciones.

Partindo do jogo indicado no título: Ficciones ou Fricciones, ou seja, Ficções ou Fricções, problematizou-se questões de pertencimento ao que seria identificado como arte latino-americana. O jogo do nome reflete as escolhas de capa e contracapa do catálogo da mostra. Na contracapa, uma reprodução da obra do mexicano Miguel Cabrera colocando o questionamento da miscigenação; já na capa do catálogo a reprodução de uma obra do coletivo canadense, General Idea composta de pontos de tinta representando inúmeros tons de pele. A exposição apresentou arte na América Latina sem que fosse requisito para a escolha das obras ter sido feitas em terras latino-americanas, levando o questionamento adiante, ao esfacelamento das fronteiras territoriais para a arte, a desnecessária rotulação de um espaço geográfico para que se considere que a arte pertença aquele lugar, da mesma forma como ocorreu geralmente no Panorama 2009.