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Editio Critica Maior

No documento Versão Completa (páginas 98-104)

Antes de uma exposição sobre o CBGM, convém apresentar, ainda que sucin- tamente, a mais recente edição crítica do texto do Novo Testamento.

Em meados de 1997 foram publicados os dois primeiros fascículos (um com o texto, outro com o material suplementar) do Novum Testamentum Graecum: Editio

Critica Maior (de agora em diante, ECM). Começou-se pela carta de Tiago. Nos anos

seguintes, completaram-se os fascículos do volume IV, correspondente às “Cartas Ca- tólicas”: em 2000, as Cartas de Pedro; em 2003, a Primeira Carta de João; em 2005, a Segunda e Terceira João. Em dezembro de 2012 saiu a segunda edição revista, agora não mais em fascículos, mas em dois volumes encadernados.8 Quando estiver com- pleta (sem prazo para o término da publicação), a ECM terá cinco volumes, cada qual com dois tomos (novamente, um para o texto e o aparato crítico, outro para materiais complementares).

Na introdução do primeiro fascículo, fi ca assim defi nido o objetivo da ECM: oferecer todos os recursos necessários para que o cientista bíblico possa estabelecer o texto do NT e reconstruir sua história nos primeiros mil anos da tradição cristã. Por isso a ECM apresenta um novo modo de arrolar e organizar tanto as variantes textuais como os manuscritos, o que inclui:

6 Os endereços e links citados neste artigo foram acessados durante sua redação, em dezembro de 2013. 7 INSTITUT für Neutestamentliche Textforschung. Novum Testamentum Graecum: Editio Critica Maior.

IV: Die Katholischen Briefe. 3. ed. rev. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2013. 2 v.

8 Nesse meio tempo, em 2011, foi publicado também um volume especial com a sinopse de algumas perí- copes, como uma prévia dos evangelhos.

– todas as variantes encontradas nos manuscritos gregos selecionados e nas citações dos padres gregos;

– as leituras dos três mais importantes versões antigas (latina, copta e siríaca) quando divergem do texto grego;

– as leituras de outras versões (armênia, georgiana, antiga igreja eslava e etíope) quando divergem do texto grego, conforme as edições disponíveis9.

Com essa nova publicação, passa a ser considerada “edição crítica menor” o aclamado Nestle-Aland, Novum Testamentum Graece (versão para exegetas), cuja 28ª edição foi lançada em fi nais de 2012.10 Quem está habituado ao seu aparato crítico ou mesmo com o aparato do The Greek New Testament11 (versão para tradutores) sentirá um forte impacto com a nova diagramação e o novo modo de apresentar o texto e as variantes, sem falar nas novas abreviações para indicar os manuscritos.

Cada volume da ECM é formado por dois tomos: um com texto, outro com su- plementos. No primeiro, cada palavra do texto estabelecido12 recebe uma cifra, sem- pre números pares, sem números ímpares (que são atribuídos a palavras presentes nas variantes, mas ausentes no texto estabelecido).

O aparato crítico é composto de duas partes. Na primeira, logo abaixo do texto estabelecido, o elenco das variantes. A extensão da leitura divergente é dada pelos números atribuídos às palavras do texto e cada variante é identifi cada por uma letra (começando por b, uma vez que a corresponde ao texto estabelecido).

Na segunda parte do aparato crítico, repetem-se essas mesmas informações, mas com o elenco completo dos manuscritos nos quais tal leitura se encontra. Após as evidências para cada variante da primeira parte do aparato crítico, casos não con- templados, indefi nições, testemunhos textuais sem um claro enquadramento e outras informações complementares.

Um breve exemplo para ajudar o leitor a visualizar isso tudo: Tg 2.5/38. A no- tação complementar – /38 – indica a palavra que em Tg 2.5 é identifi cada pelo número 38, isto é, βασιλειας.

No primeiro tomo, a primeira parte do primeiro aparato crítico traz:

38 b βασιλειας αυτου

c επαγγελιας

9 INSTITUT, 2013, p. 1* (alemão) e 21* (inglês).

10 NESTLE, Eberhard; NESTLE, Ewin; ALAND, Kurt et al. Novum Testamentum Graece. 28. ed. rev. Stut- tgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2012. Obviamente, não só a 28. ed., mas também todas as anteriores e, sem dúvida, as posteriores passam a ser consideradas “edições críticas menores”.

11 ALAND, Barbara; ALAND, Kurt et al. The Greek New Testament. 4. ed. rev., 2. imp. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994.

12 Cumpre lembrar que, até o momento da elaboração deste artigo, foi apenas publicado o volume IV da

ECM, isto é, as cartas católicas. Na primeira edição, ainda em fascículos, o texto estabelecido correspondia

ao da 27. ed. do Nestle-Aland. Nas edições de 2013, porém, o impacto da nova pesquisa fez-se sentir e o texto estabelecido para as cartas católicas na 28. ed. do Nestle-Aland corresponde à segunda edição da

ECM. A introdução da 28. ed. do Nestle-Aland deixa a entender que isso se repetirá nas edições posteriores

Na segunda parte, o seguinte: 38 a βασιλειας ... 01C2. 136*f1. 1367Cf2. PsOec. L:SFV. K:SB. S:PH. Ä 38 b βασιλειας αυτου 056. 0142. 1066 c επαγγελιας (Hebr 6,17) 01*. 02 – P20. P23. P54. 048. 0166. 0173. 0246. 197. 1846. L60. L156. L170. L1126. L1442

No segundo tomo, um aparato crítico suplementar explica e expande as infor- mações do aparato crítico do primeiro.

Como o exemplo é meramente ilustrativo de como é a apresentação visual da

ECM, evitou-se aqui a explicação de cada sigla e abreviatura, bem como a reprodução

do aparato crítico suplementar (tomo 2), longo e complexo demais para ser reprodu- zido aqui.

Apenas para completar essa exposição, dois exemplos de notações:

– Tg 2.5/43: Recorde-se o leitor que cada palavra recebe um número par. Essa notação signifi ca que entre as palavras 42 e 44, em alguns manuscritos, há outra(s) não assumida(s) no texto estabelecido. Ou seja, no texto o que se tem é somente o espaço entre as palavras 42 e 44.

O primeiro aparato crítico traz:

43 b κυριος

c ο κυριος

d ο θεος

e o segundo aparato elenca os manuscritos nos quais se encontram essas va- riantes.

– Tg 2.19/20-24: Essa notação refere-se ao conjunto de duas ou mais palavras que, nas leituras variantes, podem estar em ordem trocada, bem como apresentar au- sências e acréscimos. Nesse caso, as palavras 20 a 24 são και τα δαιμονια e assim se encontra no primeiro aparato crítico:

20-24 b και νυν τα δαιμονια

c και γαρ και τα δαιμονια

d και τα δαιμονια γαρ

variantes que no segundo aparato receberão suas respectivas evidências de atestação.

A ECM, sem dúvida, exige que o cientista bíblico se adapte ao novo aparato crítico, mas nada que justifi que qualquer medo dessa nova ferramenta exegética, uma vez que o trabalho da crítica textual permanece basicamente o mesmo. Ao menos, até aqui...

O CBGM

Ao menos até aqui... pois é então que se propõe o “método genealógico basea- do na coerência”: o CBGM. Como já descrito, esse “novo” método fundamentalmente

estatístico baseia-se na coerência (ou não) entre os manuscritos, de modo a elaborar um estema, isto é, uma árvore genealógica (ou parte dela) com as relações de “paren- tesco” entre os manuscritos, isto é, qual manuscrito copia qual.

Na já citada apresentação introdutória de Mink, encontram-se os pressupostos do método:

(a) o escriba quis copiar sua principal fonte (Vorlage) fi elmente;

(b) se um escriba introduziu mudanças, elas provêm de outra fonte (isto é, não foram “inventadas”);

(c) o escriba utilizou poucas fontes (e não muitas);

(d) as fontes indicam textos próximos, e não distantes entre si13.

Esses pressupostos explicam sufi cientemente as evidências. Quando isso não acontece, o caso deve ser considerado uma exceção.

Como já afi rmado no início deste artigo, para comparar manuscritos e gerar estatísticas e estemas é necessário acessar o programa de computador on-line do INTF da Universidade de Münster. Mas para saber como preencher os campos e como in- terpretar os resultados é necessário ler a apresentação introdutória de Mink e ter em mãos a ECM (preferivelmente a segunda edição, de 2013).

Não é o caso aqui de explicar detalhadamente as muitas possibilidades de aná- lises oferecidas pelo software do INTF. Para os propósitos deste artigo, basta dizer que o programa pode comparar os textos completos dos manuscritos, bem como uma variante específi ca.

O programa pode comparar manuscritos no que se refere a um livro inteiro ou a um conjunto de livros. O manuscrito que se quer comparar a outros é o W1 (witness 1, testemunho/evidência 1); os demais manuscritos com o qual o W1 é comparado são chamados de W2 (witness 1, testemunho/evidência 2). Fornecidas as instruções, o programa gera dez colunas de estatísticas:

W2 = uma lista de possíveis “ancestrais”, isto é, quais manuscritos entraram na comparação;

NR = o grau de importância do manuscrito

DIR = a provável direção de fl uxo entre os manuscritos PERC1 = o percentual de concordância entre os manuscritos EQ = equivalência (concordância absoluta) entre os manuscritos PASS = o número de passagens comuns entre eles

W1<W2 = admitindo a prioridade de W2, quantas variantes deste manuscrito explicam as variantes de W1

W1>W2 = inversamente, admitindo a prioridade de W1, quantas variantes deste manuscrito explicam as variantes de W2

UNCL = o número de passagens de origem não clara

NOREL = o número de passagens sem nenhuma relação entre os manuscritos

Algumas observações:

a) As colunas W2 e PERC1 são as mais importantes.

b) A coluna W2 apresenta o elenco dos manuscritos que podem ter servido de fonte e/ou contaminado o manuscrito analisado, isto é, o W1.

c) A coluna PERC1 (percentual de concordância) permite inferir qual a distân- cia entre os manuscritos: um alto percentual qualifi ca a concordância como genealogi- camente relevante; um baixo percentual qualifi ca a concordância como coincidência. Para que o percentual de concordância seja considerado forte, deve superar os 87,6%. d) Os números das colunas W1<W2 e W1>W2 hipotizam as duas direções de fl uxo dos testemunhos textuais, isto é, qual depende de qual. Se a diferença for pe- quena, a direção pode ser invertida; mas se a diferença for grande, o número maior é assumido como indicativo da direção de fl uxo a ser aceita.

Um exemplo tirado da apresentação de Mink pode nos ajudar a concretizar e visualizar isso tudo: 1Pe 2.1/2-4. O texto estabelecido e duas variantes:

a αποθεμενοι ουν 122 manuscritos, incluindo o Códice Bizantino

b αποθεμενοι γουν 2147. 2652

d αποθεμενοι 1881. 2541

Vejamos o caso da variante d. Ela pode ter como ancestral tanto a (o texto estabelecido) como b.

Comecemos com a comparação dos manuscritos de 1Pedro, e, só para o exem- plo, o 1881 (W1). No menu “genealogical queries” (buscas genealógicas), clica-se no

link “potential ancestors and descendants” (possíveis ancestrais e descendentes). No

campo para o número do manuscrito, escreve-se “1881” e se excluem os fragmentos menores. O programa então gera as seguintes estatísticas:

W2 NR D PERC1 EQ PASS W1<W2 W1>W2 UNCL NOREL

1739 1 92,432 2.064 2.233 121 24 20 5

323 2 91,334 2.034 2.227 116 47 20 11

2298 3 90,416 2.019 2.233 127 58 21 10

...

A coluna W2 (possíveis ancestrais) confere um alto grau de dependência – 92,432% – do manuscrito 1739, que lê a variante a. Também um alto percentual apa- rece na comparação com outros manuscritos que leem a variante a. Ou seja, nenhum dos possíveis ancestrais lê a variante b.

Além disso, nas colunas W1<W2 e W1>W2 encontramos o seguinte: – coluna 7: hipotizando 1881 (W1) como posterior a 1739 (W2), isto é, priori-

dade de W2 sobre W1, é possível explicar 121 variantes de 1881; – coluna 8: hipotizando 1881 (W1) como anterior a 1739 (W2), isto é, priori-

Ou seja, o fl uxo do texto de 1739 para 1881 é muito forte; diferente do que acontece na direção oposta.

Para casa W2 (323, 2298 etc.) há de se ler os dados de cada coluna dessa com- paração entre os manuscritos para o conjunto de cada livro.

Caso se deseje uma tabela completa das diferenças, livro por livro, entre dois manuscritos, no menu das “genealogical queries”, basta clicar em “comparison of witnesses” (comparação de testemunhos/evidências) e preencher os campos com os números dos manuscritos para W1 e W2. Ficando com 1881 (W1) e 1739 (W2), o resultado é:

W1 DIR W2 WRIT NR PERC1 EQ PASS W1<W2 W1>W2 UNCL NOREL

1881 <-- 1739 1P 1 90,505 591 653 50 6 4 2 1881 <-- 1739 2P 1 92,308 384 416 19 5 7 1 1881 <-- 1739 1J 1 93,325 713 764 33 11 6 1 1881 <-- 1739 2J 1 95,192 99 104 3 0 2 1 1881 <-- 1739 3J 1 94,737 90 95 4 1 0 0 1881 <-- 1739 Jd 2 93,035 187 201 12 1 1 0 1881 <-- 1739 CL 1 92,432 2064 2233 121 24 20 5

As colunas dessa tabela: W1 = witness / testemunho 1 DIR = direção do fl uxo W2 = witness / testemunho 2 WRIT = livro

NR = grau de importância do manuscrito PERC1 = percentual de concordância EQ = equivalência

PASS = passagens comuns

W1<W2 = prioridade de W2 em relação a W1 W1>W2 = prioridade de W1 em relação a W2 UNCL = passagens de origem não clara NOREL = passagens sem relação

O demais links no menu das “genealogical queries” abrem pesquisas para cada variante, de modo a gerar tabelas e estemas específi cos. Na variante aqui proposta, a pesquisa pela “coherence in attestations” gera este gráfi co:

1P 2: 1/2-4d Con= 10

a: 1739 a: 436

Gera também este estema local:

a αποθεμενοι ουν b αποθεμενοι γουν d αποθεμενοι

No primeiro diagrama: o testemunho 1881 é descendente de 1739; igualmente, o testemunho 2541 é descendente de 436.

No segundo: a variante a está na origem das duas outras (b e d), que não de- pendem uma da outra.

Essas e várias outras estatísticas (e decorrentes análises) são explanadas por Mink na sua apresentação introdutória. Como arremate, o mesmo Mink faz algumas afi rmações conclusivas, talvez numa tentativa de responder (previamente?) algumas possíveis críticas. O CBGM:

(a) não toma decisões textuais;

(b) não dispensa o estudo fi lológico (ao contrário, está baseado nele);

(c) é somente uma ferramenta que ajuda a ter uma visão panorâmica, a encontrar estru- tura na tradição e a ver as consequências do que você está fazendo;

(d) é um metamétodo, no qual você pode integrar tudo o que você encontra em outros métodos, e seja qual for a sua opinião (ecletismo moderado, ecletismo radical, priori- dade o texto bizantino...)14.

No documento Versão Completa (páginas 98-104)