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CAPÍTULO 2 – Brasil: Das Raízes Sociais e Políticas à Chegada da

2.3 A Educação sob a Égide dos Militares

As reformas educacionais instituídas no governo dos militares foram efetuadas em um período de intensificação do poder repressivo e autárquico do Estado, época do AI-5. “É nessa conjuntura que o Estado vai propor e institucionalizar a reforma da educação brasileira. Desse modo, a reforma universitária surge na véspera do AI-5, em 1968, e a reforma do ensino de 1º e 2º graus, em pleno auge do ‘milagre’ e do governo Médici, em 1971.” (GERMANO, 1994, p.94).

Em 1965 foi então formada uma comissão de especialistas a partir do convênio MEC-USAID (United States Agency for International Development), composta por cinco norte-americanos e dois brasileiros. Essa comissão foi encarregada de elaborar um estudo mais detalhado sobre a universidade brasileira

Diante de um quadro de crise política, vivenciado nos anos de 1967/68, o governo militar constitui o GTRU – Grupo de Trabalho da Reforma Universitária, imbuído de elaborar projeto que atendesse às demandas para o setor, sem deixar de observar o relatório elaborado pela comissão anterior.

Algumas dessas demandas e reivindicações eram provenientes do movimento estudantil, como a introdução da estrutura departamental, a adoção do sistema de créditos por disciplina e a periodicidade semestral, a divisão do curso de graduação em ciclo básico e ciclo profissional, mudanças no regime de trabalho dos professores, a associação indissolúvel entre funções de ensino e de pesquisa. Nesse contexto, de forma paradoxal, iniciou-se desde então a expansão dos cursos de pós-graduação no Brasil.

Observamos que, mesmo naquele contexto, revela-se a natureza contraditória, dialética, presente na reforma universitária: Ainda que de forma desfigurada, incorporou ela experiências renovadoras conquistadas no Ensino Superior: Adoção da estrutura

departamental, do sistema de crédito e da periodicidade semestral; mudanças no regime de trabalho dos docentes, com opção para a dedicação exclusiva; organização preferencial das instituições de ensino superior sob forma de universidades; indissolubilidade das funções de ensino e pesquisa. “A reforma acarretou, finalmente, a efetiva implantação da pós-graduação, tornando possível a pesquisa universitária, ainda que permeada de notórios limites.” (GERMANO, 1994, p. 145).

Verificada a escassez de docentes do nível superior mais qualificados em termos de currículo, restou ao Ministério da Educação e Cultura a opção de viabilizar o intercâmbio com instituições e países estrangeiros, sob forma de concessões de bolsas para os docentes se deslocarem àqueles países, ou convidando professores visitantes para ministrar cursos no Brasil.

Foi dessa forma facultado, em pleno período de endurecimento do regime militar, no ano de 1970, ocorrer a vinda de uma equipe de educadores franceses filiados à Pedagogia Freinet, responsáveis para ministrar cursos nas regiões Sudeste e Sul do país. Segundo Yamamoto (1996, p. 77), a própria carência de material específico levou o MEC a não apenas deixar de fazer qualquer resistência a esta pedagogia, como inclusive manifestar formas de incentivo para-oficial a mesma. Não obstante as potenciais ameaças que a expansão dessa proposta poderia acarretar aos diversos níveis de ensino, restava ao despotismo fardado outras recursos para exercer seus (des)mandos.

Quinze dias após ser sancionada a Lei 5.540/68 (28 de novembro de 1968), foi decretado o AI-5, o que provocou a edição de duas novas leis complementares, as de nº 464 /69 e 477/69. Ambas as leis promoveram o aniquilamento do movimento estudantil, a cassação de professores, a total submissão das universidades frente ao poder militar. As ASI - Assessorias de Segurança e Informações, que atuavam nas

universidades, constituíam um dos tentáculos do SISNI – Sistema Nacional de Informações, que tinha como órgão central o SNI – Serviço Nacional de Informação, conforme assinalamos anteriormente.

Caberia indagar acerca de qual visão sustentava as medidas tomadas pelos militares para o setor educacional. A resposta a esta indagação vamos encontra-la no campo econômico, onde prevalecera uma visão empresarial da educação, alicerçada na teoria do capital humano. Através dela entendemos o porquê não somente da reforma universitária – Lei nº 5.540/68, mas sobretudo a relativa ao 1º e 2º graus – 5.692/71, aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional, no dia 11 de agosto de 1971.

O pensamento acolhido pelos intelectuais do regime militar para sua política educacional era a Teoria do Capital Humano. Propunha então estabelecer relação direta e imediata entre educação e produção, de forma a submeter a primeira a esta última. Portanto, o que passava a influir de fato era a formação e conservação de um modelo educacional inteiramente a serviço do capital econômico, a serviço de uma sociedade de classe anti-democrática e associada a interesses internacionais.

Semelhanças várias podem ser identificadas entre as leis do ensino editadas pelos militares. Os dois principais pontos presentes nessa lei são os seguintes: a extensão da escolaridade obrigatória, transformando o antigo primário e ginásio em 1º Grau, com duração de oito anos, ou oito séries; a generalização do ensino profissionalizante de nível médio. Dessa forma o ensino médio acentuava um caráter terminal nos estudos, buscando conter a demanda pelo ensino superior.

O ensino profissionalizante viria assim a complementar as intenções da lei da reforma do ensino superior. Para que este fosse aliviado da pressão que sobre ele incidia, o ensino médio teria que ser um filtro

eficaz que desviasse potenciais pretendentes ao ensino superior. O ensino médio profissionalizante contraporia à liberalização formal do vestibular a efetiva contenção num degrau anterior. (GERMANO, 1994, p.95).

Nesse período, ao contrário do que seria necessário, o investimento público destinado à educação, além de insuficiente foi sofrendo gradativos cortes. Como resultado imediato grassaram os prédios escolares sem condição de funcionamento, verificando-se um aumento no número de professores leigos, sobretudo nas regiões mais pobres (Norte e Nordeste), o correlato crescimento nas taxas de repetência e evasão nas escolas.

Ao separar a formação profissional da intelectual e humanista a proposta de profissionalização do 2º Grau cometeu um dos piores equívocos da história educacional brasileira. Fundamentou-se numa errônea atribuição de setores destinados a uma formação intelectual mais completa, o das elites dirigentes, e um outro mais numeroso, ao qual bastaria uma formação básica e a capacitação técnica-profissional, a classe trabalhadora.

Dessa forma o ensino prático-profissionalizante passaria a se contrapor ao modelo humanista de educação, sendo este substituído por elementos práticos. Diferenciava-se assim dos ideais escolanovistas democráticos, que almejavam tornar a escola uma instância inteiramente direcionada à vida (Dewey, Freinet, Anísio Teixeira entre outros).

O evidenciado fracasso desse plano foi constatado por todos aqueles que, na década de 1970 puderam vivenciá-lo, fosse na qualidade de professor, de aluno ou mesmo de observador externo. O Parecer do CFE 45/72 flexibilizou o caráter de obrigatoriedade do ensino profissionalizante, introduzindo um amplo rol de

“habilitações básicas”. Finalmente, com Lei nº 7.044/82, a obrigatoriedade foi revogada. Segundo Germano (1994) as principais causas que levaram ao fracasso da profissionalização foram as seguintes:

- Limitação dos recursos financeiros. Na escola profissionalizante o custo/aluno seria 60% mais alto do que no secundário padrão. No ano de 1980 o Estado gastava apenas 8,4% do montante necessário;

- A profissionalização universal e compulsória era considerada anacrônica naquele período, porquanto países mais avançados exigiam de seus trabalhadores uma formação geral mais completa;

- Ocorria uma discrepância prática e uma crônica desatualização do sistema educacional em relação ao ocupacional (empregatício);

- Não se deu uma implantação efetiva de cursos profissionalizantes nas escolas da rede pública;

- Não se deu tampouco a esperada diminuição da demanda pela universidade;

- Por fim, o reconhecimento pelo MEC do malogro do projeto, através do Parecer CFE 45/72 e da Lei nº 7.044/82.

Um outro grave prejuízo provocado pela fracassada proposta de profissionalização do 2º Grau atinge diretamente a esfera da formação de professores. Anteriormente o Curso Normal tinha duração de quatro anos, sendo constituído por um currículo mais completo e satisfatório. A partir da Lei 5.692/71, foi ele transformado em Habilitação Magistério, constituído por um ano de estudos comuns aos demais alunos do 2º Grau, seguido de dois anos de estudos específicos à formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental.

Ocorreu que considerável parcela de alunos que ingressavam no 2º Grau não conseguiam vagas em outros cursos, dado desempenho insatisfatório nos testes, acomodando-se então no Curso de Magistério, não raro sem propensão a exercê-lo de fato. Concluindo o curso, na falta de oportunidades mais compensadoras, terminavam ingressando na carreira docente.

Substancial parcela de professores que a partir da década de 1970 começaram a lecionar nas séries iniciais do ensino fundamental foram formados naqueles cursos. Dessa forma, na capital potiguar, o Instituto Kennedy, em atendimento às diretrizes traçadas pela nova LDBEN, reestrutura o Curso Normal em Curso de Habilitação ao Magistério.

Através do ciclo de reformas da educação brasileira, do qual resultou a Lei 5692/71, fixando diretrizes para o ensino de 1º e 2º Grau, o Instituto de Educação Presidente Kennedy passa a se denominar Escola Estadual Presidente Kennedy – 1º e 2º graus, sob a autorização nº 394/76, transformando o curso normal em uma das habilidades de 2º grau, ou seja, curso de Magistério. (AQUINO, L.C.; DANTAS, O . A., mimeo).

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