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Feito um breve resgate sobre os papéis da escola pública para a classe dominante e para as camadas populares, nesta seção objetiva-se cercar alguns elementos presentes na relação entre a atual concepção de educação brasileira e a sua correspondência com a escola pública. Embora as tendências educacionais do século XX tenham sido fundamentais no delineamento da escola pública brasileira, nos deteremos na história mais recente da educação, em especial nas seguintes questões: a ação dos organismos multilaterais na definição das políticas educacionais e a perspectiva da educação enquanto atividade mercantil.

Iniciemos pela relação entre governo brasileiro e agências multilaterais por compreender que esta relação influencia sobremaneira as outras questões aqui elencadas. De acordo com Maria Abadia da Silva, a relação do Banco Mundial13 com o governo brasileiro iniciou em 1946, com financiamento de projeto para o ensino industrial da escola técnica de Curitiba, Paraná, na gestão Eurico Gaspar Dutra.

13. Não apenas o Banco Mundial financia projetos para o Brasil. Outros organismos multilaterais como Fundo Monetário Internacional, Unesco, Organização Mundial do Comércio (OMC) também interferem na política educacional brasileira. Neste trabalho vamos destacar a relação com Banco Mundial por definirem as diretrizes das macro políticas brasileiras no campo da educação.

Criado em 1944 na Conferência de Bretton Woods, o Banco Mundial assumia o papel de assistência técnica na área econômica e social, de cooperação e de “ajuda”

aos países em desenvolvimento. Nos anos de 1970, o Banco Mundial assume uma

“política estratégica de diversificação setorial de empréstimos, redimensionando-os de acordo com seus interesses políticos, ideológicos e econômico para alcançar a economia dos países devedores” (SILVA, 2003, p.286). Esta nova estratégia resulta na complexificação da relação entre países devedores e o Banco Mundial, com o advento das macropolíticas elaboradas pelo Banco Mundial e encaminhada aos países devedores. Esta relação inclui desde simples recomendações a exigências severas institucionais a serem cumpridas pelos Estados para obtenção de novos empréstimos. Considerando que o Brasil, desde a década de 1940, assume empréstimo das instituições financeiras internacionais e

historicamente depende de recursos externos para levar adiante os seus compromisso educacionais, está colocada a difícil tarefa de cumprir os acordos externos assinados e afirmar o lugar que o país ocupa no cenário internacional e, ao mesmo tempo, cumprir com os compromissos assumidos com a população que o elegeu (SILVA, 2003, p.289)

Por meio de um monitoramento intenso da capacidade do pagamento da dívida pelo país devedor e incidindo diretamente para a desregulamentação das políticas sociais com redução de gastos nas políticas públicas básicas, tais como educação, saúde, cultura e produção científica a fim de garantir recursos para o cumprimento do pacto firmado, o Banco Mundial determinou ao país as seguintes diretrizes para a educação na década de noventa:

1) focalização do gasto público no ensino básico, com ênfase no ensino fundamental; 2) descentralização do ensino fundamental, o que vem sendo operacionalizado através do processo de municipalização do ensino; 3) estímulo à privatização dos serviços educacionais e à criação de verdadeiras indústrias em torno das atividades educacionais; 4) ajuste da legislação educacional no sentido da desregulamentação dos métodos de gestão e das instituições educacionais, garantido ao governo central maior controle e poder de intervenção sobre os níveis de ensino (através dos sistemas nacionais de avaliação e fixação de parâmetros curriculares nacionais, por exemplo), mas sem que ele mesmo participe diretamente da execução dos serviços.(MINTO.

p.03)

É fundamental destacar que o conselho de diretores do Banco Mundial é composto por representantes dos países capitalistas desenvolvidos, e a macropolítica por eles elaborada é encaminhada aos governos solicitantes de

empréstimos, em geral, países com complexas questões sociais e com fragilidade econômica. As decisões também partem dos governos dos países ricos e dos donos de empresas multinacionais instaladas nos países da América do Sul e do Oriente (SILVA, 2003). Podemos então facilmente estabelecer, amparados na primeira seção desta reflexão, a correlação das imposições colocadas pelo Banco Mundial aos países devedores, em particular o Brasil, e a formação da mão de obra local a ser absorvida pelo capital transnacional presente nos países em desenvolvimento.

No bojo destas diretrizes está o discurso liberal de ineficiência do governo federal na administração da educação, com pouco controle público sobre a máquina estatal, e em consequência, impedindo o crescimento econômico desejado. Neste modelo de administração racional legal caracterizado pela centralização, controle de processos, negação da subjetividade e rigidez de processos, foi proposto o modelo de administração pública gerencial. Este modelo, efetivado por uma reforma do Estado, tal como orientava o Banco Mundial, propôs a diminuição da intervenção do Estado na economia e que segundo seus defensores

é orientada para o cidadão e para o controle dos resultados, e deposita sobre os administradores e demais servidores públicos um certo grau de confiança, incentiva a criatividade e a inovação, e implementa a descentralização e o contrato de gestão como formas de controle da administração empreendida pelos gestores públicos. (ZANARDINI, 2007, p.249)

Para Zanardini, no entanto, a implementação deste modelo gerencial de administração pública busca a reorganização do Estado com a redução de custos, cobrança e controle de resultados. “Esse controle afirma a implementação do caráter ideológico da reforma diante da necessidade de reafirmação do estagio atual de desenvolvimento capitalista e sua logica de internacionalização econômica”

(ZANARDINI, 2007, p.252). Para isto o Estado respondeu com as seguintes ações: a descentralização e disputa pelas diferentes esferas de governo pelos recursos da educação, a privatização do ensino superior com ampliação do setor privado e a dissociação entre atividades do ensino, pesquisa e extensão, a valoração de eficiência e eficácia do ensino e parcerias entre Estado e setor privado, a avaliação como medida de controle na otimização de recursos e não de qualidade da educação, entre outras ações concretizadas e alinhadas à privatização do ensino, em todos os sentidos. Este rumo fatalmente, para Minto “trata-se de um movimento histórico que efetivamente retira a educação do campo dos direitos sociais –

construído historicamente e subordinado ao controle social – e submete ao campo das atividades mercantis”. (MINTO, p.05)

A estes contexto dado, a escola pública vincula-se funcionalmente ainda mais ao mercado de trabalho ao ponto da educação ser reconhecida como mercadoria adquirida: substancia-se no processo educacional o crescimento do capital e não do desenvolvimento social e humanos, é conferida importância para resultados/rendimentos escolares e não para se o aluno, de fato, apropria-se dos saberes e de conhecimentos que se traduzam em processos emancipatórios e de cidadania, impõe-se o tempo do mercado e não o tempo do aprender, inviabiliza-se a participação das camadas populares na defesa por uma educação para as classes ao impor projetos e práticas pré-definidas de cima para baixo.