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CAPÍTULO 1: AS CONCEPÇÕES QUE SUSTENTAM A PESQUISA

1.4 EDUCAÇÃO COMPARADA – COMPARAÇÃO DE CURRÍCULOS

A opção metodológica para análise da organização e do funcionamento da PCC nos currículos de formação de professores de História no país foi a Educação Comparada (EC) como possibilidade e perspectiva de análise. A Educação Comparada7 é o conjunto de reflexões e métodos voltados ao trabalho de investigação dedicado a comparar dois ou mais fenômenos educativos. Aqui comparamos as formas e elementos de organização dos currículos de formação de professores de História, em especial o aspecto da Prática como componente curricular nos cursos de licenciatura. Assim também as concepções de história, de educação, de formação de professores e da relação teoria e prática nos currículos.

As finalidades do trabalho comparado podem ser diversas, desde levantamento de dados para elaboração de políticas educativas, ou produção do conhecimento em determinado campo. Neste trabalho especificamente a finalidade é produzir um panorama sobre os modelos de Prática como componente curricular, assim como as concepções e as opções que estruturam as diferentes experiências curriculares de formação de professores de História no Brasil.

A comparação pressupõe que os fenômenos educativos selecionados sejam comparáveis, ou seja, não é possível comparar uma escola de Ensino Médio do Brasil com uma faculdade da Argentina, posto que só é possível comparar

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Para saber sobre Educação Comparada ver:

Sociedade Brasileira de Educação Comparada - http://www.sbec.org.br/ World Council of Comparative Education Societies (WCCES) - http://www.wcces.net/members/index.html

Revista Española de Educación Comparada - http://www.sc.ehu.es/sfwseec/reec.htm

fenômenos semelhantes, dentro de uma mesma lógica. Assim, viabiliza-se a comparação entre os cursos de licenciatura em História no Brasil, os quais, embora possam ser considerados cursos diferentes por contas das normas de cada instituição, estão subordinados à mesma legislação ou regras gerais.

Para a presente pesquisa é utilizada a metodologia da Educação Comparada através de autores como Antonio Gomes Ferreira (2008), Jurgen Schriewer (1990), Tomas S. Popkewitz e Miguel A. Pereyra (2000), Mark Bray (2010), Bob Adamson (2010), António Nóvoa (2009), Ferran Ferrer Juliá (1998, 2002).

Alguns autores dividem a Educação Comparada em diferentes fases. Ferran Ferrer Juliá, um dos principais comparatistas atuais, estabelece a seguinte divisão: período da criação, período da descrição, período da interpretação, período da comparação complexa, observando-se que alguns destes períodos têm outras subdivisões.

a) Período da criação - ainda na Antiguidade encontram-se vestígios de estudos comparados, nas obras de Tucídides, de Heródodo, Xenofonte. Durante o período Moderno, temos os relatos dos viajantes. Entretanto, a EC, como uma metodologia sistematizada, nasceu no século XIX, junto com o Direito Comparado, Literatura Comparada, Anatomia Comparada, etc.

O francês Marc Antoine Jullien8 é considerado o fundador da Educação Comparada, tal como a entendemos na atualidade. Ele “lançou a ideia de uma comparação entre os estabelecimentos e métodos de Educação e de Instrução dos diferentes Estados da Europa”, ainda no primeiro quarto do século XIX (MARCONDES, 2005, p.142). Michael Sadler é considerado por outros comparatistas como o iniciador de uma concepção teórica em Educação Comparada, já no período da interpretação, por volta de 1900. (FERREIRA, 2008, p.131)

b) Período da descrição - neste período, ao longo do século XIX,

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Marc-Antoine Jullien é considerado o “Pai da Educação Comparada”. Nasceu em Paris a 10 de março de 1775. Ocupou vários cargos militares e públicos no governo napoleônico. Depois de escrever várias obras literárias, sem muita repercussão, em 1817 apresentou um trabalho de apenas 50 páginas intitulado: Esquisse et vues préliminaires d’un ouvrage sur ’éducation comparée,

entrepris d’abord pour les vingt-deux cantons de la Suisse, et pour quelques parties de l’Allemagne et de l’Italie”. Esta seria a obra que o consagraria, foi o primeiro a usar o termo “educação

encontram-se pesquisas realizadas em vários países, como EUA, França, Inglaterra, Alemanha, considerado um período de trabalhos comparativos descritivos entre as nações. No período da descrição destaca-se uma prática relativamente nova até aquele momento, quando o Estado começou a financiar viagens para que pessoas indicadas fossem a outros países a fim de realizar estudos, e um dos objetivos de tais viagens era observar os sistemas educativos e identificar o que poderia ser aproveitado/implantado em seu próprio país. Ainda não tinham consciência de estar contribuindo a uma ciência, uma vez que era um trabalho completamente subjetivo, sem o devido preparo (já que eram normalmente políticos que realizavam as viagens). Ao final deste período, o inglês Michael Sadler destacou-se justamente por perceber que a mera descrição dos sistemas educacionais das outras nações não eram suficientes para a compreensão do fenômeno da educação.

c) Período da interpretação - também chamado de “explicativa” ou “analítica”. Antonio Gomes Ferreira (p. 130, 2008) considera o ano de 1900 como o início deste período por conta da organização de um curso universitário de Educação Comparada, realizado na Universidade de Columbia, onde James E. Russel definiu que a abordagem dos sistemas educativos se fizesse sempre em estreita associação com as condições socioculturais das sociedades em que se inseriam. Outro marco foi a publicação de um texto de Michael Sadler no qual defendia que cada sistema de educação devia ser estudado em relação com o contexto social. “O valor prático de estudar o funcionamento dos sistemas educativos estrangeiros, no seu verdadeiro espírito e com precisão científica, é que, como resultado disso, estaremos melhor preparados para estudar e compreender o nosso” (SADLER, 1900, p. 313-314 Apud FERREIRA, 2008). A partir de Sadler, a EC toma uma postura mais explicativa.

Dentro do período interpretativo encontramos algumas tendências na pesquisa: interpretativo-histórica, interpretativo-antropológica, interpretativo- filosófica.

A abordagem interpretativo-histórica tem como principais representantes Isaac L. Kandel, E. H. Epstein, H. J. Noah, Nicholas Hans. Kandel. Epstein e Noah insistem na importância da coleta de dados confiáveis, na necessidade de se indagar o contexto histórico-cultural de cada sistema educativo, na necessidade da explicação. Para Hans, os fatores determinantes dos sistemas educativos nacionais

são: fatores naturais (raça, língua), religiosos (catolicismo, etc.), seculares (humanismo, socialismo).

Na abordagem interpretativo-antropológica, os representantes são Friedrich Schneider e Arthur H. Moehlman. Para os autores, o estudo comparado só tinha sentido se fossem analisados os diversos fatores que constituem um sistema educativo: o caráter nacional, o espaço geográfico, a cultura, a ciência e a filosofia, a estrutura social e política, a economia, a religião, a história, as influências estrangeiras e as influências decorrentes da evolução da pedagogia.

A abordagem interpretativo-filosófica, cujos representantes são Joseph A. Lauweris e Sergius Hessen, não desconsidera as abordagens anteriores, mas acrescenta que “a perspectiva do historiador, do sociólogo, do antropólogo, entre outras, são tidas como pertinentes desde que seja confiada à abordagem filosófica a síntese crítica que conferirá a cada uma das outras disciplinas o lugar exacto da sua contribuição”. (FERREIRA, p. 132, 2008)

d) Período da comparação complexa - período de revisão de todos os debates anteriores. Distinção entre a comparação como “operação mental” e a comparação como “prática científico-social” (SCHRIEWER, 1992). Diversidade de abordagens: historicista, positivista, modernização, resolução de problemas, crítica, sistema mundial, sócio-histórica (NÓVOA, 2009).

A perspectivas historicista representa uma das primeiras tradições da EC. Os trabalhos procuram descrever os sistemas educativos estrangeiros para comparar com o seu próprio sistema. Em termos metodológicos, a referência principal é a abordagem histórica – no sentido descritivo e factual.

Na perspectiva positivista defende-se o projeto da formulação de leis gerais, objetivas e científicas a respeito do funcionamento dos sistemas educativos. Há a convicção de que a construção de uma “abordagem científica” é o objetivo final da EC. Até os anos 70, a teoria de referência é o funcionalismo estrutural, que atribui à educação uma função de suporte e reprodução de dada estrutura social e nega os conflitos no interior da educação. (FERREIRA, 2009)

A perspectiva da modernização concebe a educação como fator de modernização e desenvolvimento. Aborda-se a EC como um momento de tomada de decisões, ou seja, a construção de tipologias e classificações destinadas a orientar a formulação de políticas educativas. Marcados fortemente por um discurso

economicista, os sistemas educativos nacionais são a principal unidade de comparação. Os exemplos mais conhecidos dessa perspectiva são as pesquisa da UNESCO (BRAY, 2010), com suas sofisticadas abordagens quantitativas.

Na perspectiva da resolução de problemas, evidencia-se por preocupações científicas e utilitárias (função política). “Em termos teóricos, estamos perante concepções neo-relativistas, fortemente influenciadas pelo pragmatismo de John Dewey e pelos métodos hipotético-dedutivos tal como foram apresentados por Karl Popper”. (NÓVOA, 2009, p.44)

A perspectiva crítica representa uma ruptura teórica e ideológica com as perspectivas anteriores, especialmente ao funcionalismo estrutural (base da EC da década 1970) e uma mudança nos objetos de estudo. Em termos metodológicos, a ruptura manifesta-se pela crítica a utilização exclusiva dos modelos quantitativos e pela adoção de uma diversidade de referências qualitativas: estudo de caso, métodos etnográficos, etc.

Perspectiva do sistema mundial, em que “A crença fundadora do campo da EC – a ideia de que o mundo é constituído por uma quantidade de sociedades regionais ou nacionais com autonomia própria e histórias distintas – é posta em questão” (NÓVOA, 2009, p. 47). Nesta perspectiva, entende-se que a crescente globalização/ mundialização torna impossível a análise de um fenômeno no plano nacional. Um sistema educativo não é mais determinado apenas por características nacionais (composição racial ou religiosa), mas fortemente influenciado pela localização do país no sistema mundial.

A perspectiva sócio-histórica procura reformular o projeto de comparação por meio da passagem da análise dos “fatos” para a análise do “sentido histórico dos fatos”. “Estamos perante uma nova epistemologia do conhecimento, que define as perspectivas de pesquisa centradas não apenas sobre a materialidade dos fatos educativos, mas também sobre as comunidades discursivas que os descrevem, interpretam e localizam em dado espaço” (POPKEWITZ, 1998, Apud NÓVOA, 2009). O objeto de comparação deixa de ser apenas definido por contornos geográficos ou políticos, para abordar “contextos definidos segundo a invisibilidade das práticas discursivas que lhes conferem sentido”. A perspectiva sócio-histórica conduz os comparatistas a dar mais atenção à história e à teoria e menos à pura descrição e interpretação, aos conteúdos da educação e não apenas aos seus resultados, aos

métodos qualitativos e etnográficos em vez do uso exclusivo da quantificação e da estatística.

Dentro da Educação Comparada existem alguns modelos de comparação predominantes: comparação de espaços (unidades geográficas), comparação de sistemas de educação, comparação de tempos, comparação de culturas, comparação de valores, comparação de rendimentos educativos, comparação de políticas educativas (este é o modelo mais comum), comparação de currículos (modelo em que se encaixa a presente pesquisa), comparação de organizações educativas, comparação de maneiras de aprender ou ensinar, comparação de inovações pedagógicas.

Bob Adamson e Paul Morris (2010) apresentam algumas possibilidades para pensar os estudos comparados de currículo. Em relação ao propósito o estudo pode ser: analítico, científico, especulativo, histórico, normativo, narrativo, teórico, etc. Em relação à perspectiva pode-se citar: avaliativa (um pai avaliando escolas para matricular o filho, os professores selecionando livro didático, nível de aprendizagem dos alunos por escolas, etc.); interpretativa ou hermenêutica (tenta analisar e explicar fenômenos nos currículos); crítica (principalmente pesquisas interessadas em questões de igualdade, justiça, reconstrução social).

O ponto central do currículo para análise pode ser dividido da seguinte forma: as ideologias, o desenvolvimento, a implementação curricular (análise do PPC, que é documento público), as experiências. Nesta pesquisa podemos definir, conforme estas orientações, os seguintes pontos: o propósito é teórico, a perspectiva é interpretativa, o foco são os PPC das licenciaturas em História, as manifestações são a organização da Prática de Ensino.

A metodologia da Educação Comparada “quando rigorosamente efectuada, a leitura dos aspectos comuns e das diferenças relativas a uma problemática fornecem informações mais interessantes que as resultantes de uma leitura dessa mesma problemática num só contexto” (FERREIRA, 2008, 125). Na Educação Comparada a ideia é sempre relacionar o que se estuda com o contexto em que tal objeto estudado se encontra.

A comparação em educação gera uma dinâmica de raciocínio que obriga a identificar semelhanças e diferenças entre dois ou mais factos, fenómenos ou processos educativos e a interpretá-las levando em consideração a relação destes com o contexto social, político, económico, cultural, etc. a

que pertencem. Daí a necessidade de outros dados, da compreensão de outros discursos. (FERREIRA, 2008, p. 125)

É importante ressaltar que o trabalho com a Educação Comparada pode ser útil para se debruçar comparativamente sobre contextos distintos, neste caso diferentes instituições de Ensino Superior no país, que pensaram de forma diversa o currículo de formação de professores, de modo a conhecer elementos que não seriam possíveis alcançar a partir da análise de um só contexto. Antonio Ferreira (2008, p. 136) argumenta que o objetivo último da Educação Comparada não é apenas de encontrar semelhanças ou diferenças entre os objetos estudados, “mas o de encontrar sentido para os processos educacionais”.

A comparação convida os pesquisadores a colocar em múltiplas perspectivas as sociedades, os contrastes, os excessos e o secreto, inicialmente, sem fronteiras de tempo ou de espaço. Isto porque, ao colocar em comparação várias experiências, produzem-se freqüentemente espaços de inteligibilidade e de reflexão nova. (THEML; BUSTAMANTE, 2007, p.11)

Utilizar esta metodologia requer do pesquisador ir além da descrição dos elementos observáveis em primeira instância e passar para a explicação dos elementos encontrados na comparação. Ou seja, para além das primeiras impressões, fazer sínteses dos fenômenos estudados que possam contribuir com a área de formação de professores.

A investigação comparativa deve partir para a compreensão, interpretando, indagando e construindo os factos, e não restringir- se a descrevê-los. Podemos, assim, perceber uma mudança paradigmática que se caracteriza por uma maior atenção à história e à teoria, em detrimento da pura descrição e interpretação, aos conteúdos da educação e não somente aos resultados, aos métodos qualitativos e etnográficos em vez do uso exclusivo da estatística [...] (FERREIRA, 2008, p.135)

Os estudos comparativos são um esforço de contextualização, de análises pormenorizadas das circunstâncias que rodeiam uma realidade educacional concreta, análise necessária para explicar, ao menos em parte, o porquê da realidade estudada. (SCHRIEWER, 1990, p. 133). Este projeto se desenvolve dentro da perspectiva sócio-histórica da comparação complexa.