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No marco do debate sobre as relações étnico-raciais no país e assunção dos déficits sociais e escolares, bem como a iminência das discussões sobre os prejuízos do preconceito e discriminação a partir da cor e a inferiorização da imagem e cultura do negro, é promulgada a Lei Federal 10.639/2003 (BRASIL, 2003), que surge concomitante com as primeiras experiências de ações afirmativas nas universidades públicas.

Por meio dela, foi alterada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), sendo incluídos três artigos. Dentre eles, firma-se que “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”. (art. 26-A). Tendo como centro o estudo da história da África e dos Africanos, o conteúdo programático nas escolas de educação básica deve contemplar “a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas diversas áreas (...)”. (§ 1º).

Considerada um marco, expressa o reconhecimento do Estado brasileiro “que há correlação entre pertencimento etnicorracial e sucesso escolar”, determinando, assim, “que a diversidade cultural brasileira passe a integrar o ideário educacional não como um problema, mas como um rico acervo de valores, posturas e práticas”, além de ter objetivo de cumprir uma função pedagógica “com o intuito de orientar e balizar os sistemas de ensino e as instituições correlatas na implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008”. (BRASIL, 2013, p. 12-13). Reconheceu que

há evidências de que processos discriminatórios operam nos sistemas de ensino, penalizando crianças, adolescentes, jovens e adultos negros, levando-os à evasão e ao fracasso, resultando no reduzido número de negros e negras que chegam ao ensino superior, cerca de 10% da população universitária do país. (idem, p. 13)

Foi uma das primeiras leis assinadas pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, juntamente à criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR (BRASIL, 2009, p. 14; 17) e já em 2004 foram promulgadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de

História e Cultura Afrobrasileira e Africana, através da Resolução CNE/CP nº. 01/2004 (BRASIL, 2004c). No entanto, após o decurso de seis anos, era “percentualmente pequeno o número de escolas já adaptadas à nova grade curricular. Os principais problemas residem na formação de professores e na conscientização a respeito da nova temática” (SEPPIR, Portal, Notícia página central, 2013).

Essa legislação vem impulsionando práticas no âmbito das escolas de educação básica no Brasil e, também, nos estados do sul do país, muitas delas representadas no I COPENE SUL - Congresso dos/as pesquisadores/as Negros/as da Região Sul, ocorrido em julho de 2013, que teve como temática principal a Lei 10.639/2003: “Dez anos rompendo fronteiras territoriais, identitárias, culturais, sociais, acadêmicas e políticas no âmbito das relações étnico-raciais na região sul” (NUNES et al., 2013 – Cadernos de Resumos do COPENE-SUL).

No entanto, o texto da Lei 10.639/2003 não incluiu a mesma obrigatoriedade à educação superior. É nas Diretrizes Curriculares (BRASIL, 2004c), art. 1, § 1, que há a indicação de que essas instituições devem incluir conteúdos em disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram relacionados à temática. Já no Parecer CNE 3/2004 (BRASIL, 2004b), como ações educativas de combate ao racismo e às discriminações é indicada

Inclusão de discussão da questão racial como parte integrante da matriz curricular, tanto dos cursos de licenciatura para Educação Infantil,os anos iniciais e finais da Educação Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, como de processos de formação continuada de professores, inclusive de docentes no Ensino Superior.

De forma complementar e a partir da necessidade de traçar orientações mais específicas aos sistemas de ensino, no ano de 2009, foi aprovado pela SEPPIR e MEC o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana (BRASIL, 2009), que estabelece atribuições mais específicas à educação superior, com ações amplas que envolvam outros cursos de graduação nas instituições:

5.2 INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR (...)

3. Principais ações das Instituições de Ensino Superior

b) Desenvolver atividades acadêmicas, encontros, jornadas e seminários de promoção das relações etnicorraciais positivas para seus estudantes.

(...)

e) Fomentar pesquisas, desenvolvimento e inovações tecnológicas da temática das relações etnicorraciais, contribuindo com a construção de uma escola plural e republicana;

f) Estimular e contribuir para a criação e a divulgação de bolsas de iniciação científica na temática da Educação para as Relações Etnicorraciais.

(...)

7.1.4. EDUCAÇÃO SUPERIOR (...)

Ações principais para a educação superior

a) Adotar a política de cotas raciais e outras ações afirmativas para o ingresso de estudantes negros, negras e indígenas no ensino superior;

b) Ampliar a oferta de vagas na educação superior, possibilitando maior acesso dos jovens, em especial dos afrodescendentes, a este nível de ensino;

(...)

e) Construir, identificar, publicar e distribuir material didático e bibliográfico sobre as questões relativas à Educação das Relações Etnicorraciais para todos os cursos de graduação;

g) Incluir os conteúdos referentes à Educação das Relações Etnicorraciais nos instrumentos de avaliação institucional, docente e discente e articular cada uma delas à pesquisa e extensão, de acordo com as características de cada IES (idem, p. 53)

As indicações de ações na educação superior no âmbito do ensino da graduação são indiretas e referem com mais força os cursos de formação de professores, tangenciando a formação dos demais profissionais graduados na educação superior nas diversas áreas, tal como refere o Parecer CNE 3/2004 que indica a inclusão de conteúdos de Educação das Relações Etnicorraciais nas disciplinas e atividades curriculares dos cursos dos estabelecimentos de Educação Superior, respeitada sua autonomia (BRASIL, 2004b).

Esta questão se evidencia de forma mais concisa nas Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-raciais, no esquema que apresenta, aqui reproduzido:

Figura 22 - Processo de Circularidade da Inserção das Diretrizes Étnico-Raciais nas IES

Fonte: BRASIL, 2006, p. 133.

Objetiva-se mapear as ações promovidas pela UFRGS a partir da Lei 10.639/2003 em termos de ensino e extensão, bem como ações no curso de Medicina e sua pertinência na perspectiva docente, as quais promovam a educação das relações étnico-raciais, a fim de analisar suas configurações neste campo.

Concebe-se neste estudo a importância da promoção de ações no âmbito das propostas da referida legislação, pois superam a primeira etapa deste processo, que é o acesso de estudantes negros pelas políticas afirmativas, rompendo com invisibilidades a priori e colocando em pauta novas invisibilidades e antigas sistemáticas de gestão. Almeja- se como prosseguimento do processo de inclusão a valorização da cultura e história afrobrasileiras no ambiente acadêmico e a efetivação de intercâmbios de conhecimentos e culturas trazidos pelos alunos negros, tarefas desafiadoras em um ambiente resistente às ideias de inclusão racial, como veremos.

P E S Q U I S A E X T E N S Ã O ENSINO

4.2 Ações Institucionais a partir das indicações das Diretrizes Étnico-Raciais na