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EDUCAÇÃO, DEMOCRATIZAÇÃO E CIDADANIA ATIVA

“Ama a incerteza e serás democrático” Adam Przeworski

Propomo-nos tecer uma reflexão analítico-crítica em torno da relação que se opera entre a Educação e a Cidadania, mediada pela democratização no âmbito escolar. Isto supõe visualizar a Educação como uma prática socialmente determinada, não encerrando uma ação pronta e acabada, mas que se efetiva num permanente movimento de vir-a-ser, historicamente situado, refletindo as relações sociais e o momento conjuntural em que se acha inserida.

À luz de categorias teóricas como democracia e participação, faremos uma breve incursão na atual realidade brasileira, sobretudo no período conjuntural demarcado pelo processo de redemocratização política, apreendendo o papel assumido pela educação no macro-sistema, explicitando como a mesma vem se revelandoao longo dos últimos anos.

Procuraremos retraçar a trajetória do processo de democratização das estruturas escolares, caracterizando as diversas formas e mecanismos que vêm sendo implementadas no processo de descompressão do poder no âmbito escolar, na perspectiva dearticulação com o seu projeto pedagógico.

instalação no interior da escola, de um novo padrão de racionalidade administrativa quearticule democratização e qualidade, como imperativos de uma Educação para a Cidadania.

Analisar a Educação Brasileira na perspectiva de uma ação política que se efetivano bojodo movimento orgânico de uma estrutura social tipicamente classista, supõe a explicitação dos interesses que a permeiam. Assim, ao acompanharmos a trajetória histórica da Educação no Brasil, apreendemos as marcas de um projeto burguês de sociedade a serviço de grupos minoritários política e economicamente mais poderosos, em detrimento da ampla maioria da população que se vê marginalizada de uma participação social, política e econômica realmente efetiva.

Nesse sentido, para a nossa realidade educacional, muito mais do que uma necessidade emergente do processo civilizatório, vem se constituindo um fator de reprodução da estratificação e da exclusão social, integrando o processo de dominação capitalista, cujo caráter conservadorse consubstancia na veiculação dos ideais de ascensão social, na expulsão dos alunos das classes menos favorecidas e na aceitação do fracasso escolar como resultante da incapacidade intelectual das classes populares.

Mesmo a Educação sendo um direito assegurado legalmente e se fazer presente nas reivindicações dos movimentos sociais, o próprio Estado, que contraditoriamente declara este “direito de todos , propõe um ensino elitista, seletivo e excludente, fazendo com que este direito não ultrapasse os limites teóricos formais das políticas degoverno.

“o quadro de nossa educação não se revela animador. É um quadro que revela... uma

tendência a um aprofundamento das

disparidades sociais”(1993, p.18).

Vendo o painel da realidade educacional de nosso país, é possível perceber o vínculo que historicamente vem se estabelecendo entre Educação e Cidadania na realidade brasileira, uma cidadania que vem sendo privilégio de uma pequena fração, daqueles que possuem condições políticas e econômicas

favoráveis.

Assistimos em nosso processo histórico uma cidadania demarcada por um Estado forte, com ingerência na sociedade civil, uma cidadania regulada, drasticamente cerceada. A história do nosso país ratifica a restrita participaçao das reivindicações dos segmentos populares na agenda governamental, dado que se avilta pela evidência dos longos períodos de ditadura que tão bem

caracterizam a nossa cultura política.

Cidadania - Participação - Democracia, trinômio que guarda entre si, estreitos laços, formando um todo orgânico. Isto implica afirmarmos que sem democracia, concebida como um valor universal, capaz de apreender elementos essenciais implícitos no ser genérico do homem social - não há cidadania, aquela que articula liberdade política e igualdade social. A exigem a efetiva e consciente participação, entendida como um tema que se inscrito no fazer históricodo homem, compondoa sua própria essenciali

Conceber uma escola democrática supõe pensar uma sociedade num processo de democratização, seus avanços e seus limites, caracterizada pelo fortalecimento da sociedade civil, em que os sujeitos políticos coletivos, pouco a pouco, vão assumindo a condição de atores intervenientes do processo

de formação de sua efetiva cidadania, fundada na igualdade, na liberdade e no pluralismo ideológico.

Esse processo de criação de estruturas sociais democráticas firmadas na prática da efetiva participação, exige o legado da educação. Neste sentido, a prática escolar éconclamada a exercer sua contribuição.

Na condição de uma prática social contraditória, historicamente construída, a educação pode ser reinventada, recriada, constituindo uma instância mediadora de um novo projeto social, engrossando a luta em prol da transformação da sociedade, na perspectiva de uma democratização política, social e econômica. Isto lhe impõe a tarefa de sintetizar na sua prática pedagógica cotidiana, os valores próprios da cidadania, convertendo-se em instância autônoma, livre, feitade participação.

Com essa clareza seremos capazes de entender o valor histórico- social de que se reveste a construção de uma gestão escolar-democrática, a partir dos condicionantes históricos-conjunturais que a engendram.

Assim, torna-se imperativo nos debruçarmos um pouco mais sobre a conjuntura do país, mais precisamente no corte temporal compreendido entre 1975-1993, período este que corresponde ao desabrochar de práticas sociais mais democratizantes. Esta faz emergir, no seio da Educação Brasileira, experiências de democratização das estruturas escolares, como clamor e obra dos educadores. Em sintonia com o amplo movimento nacional pela descompressão do regime autoritário prevalecente no país.

Como sabemos, a partir dos meados de 1970, o modelo

desenvolvimentista chega à sua exaustão - sobretudo na concentração de capital e na exacerbada concentração de renda e de riqueza, caracterizada pela crise do modelo implantado no Brasil e pela fragilidade do poder hegemônico, cuja

consequência maior vai se fazer sentir no afloramento dos antagonismos de classe. É neste momento que a sociedade civil, marginalizada dos processos decisórios e da definição das políticas governamentais, começa a dar sinais de sua organização em defesa de seus interesses, deflagrando movimentos de resistência política, fazendo assim valer as prerrogativas de uma sociedade democrática.

Inicia-se, a partir daí, o processo de rearticulação das classes trabalhadoras - camponeses, metalúrgicos, médicos, professores, funcionários Públicos que vão, crescentemente, engendrando as condições necessárias à conquista de seus interesses, alterando a correlação das forças políticas e sociais. Este fato, mais tarde, vai concorrerpara a adoção, pelas elites dirigentes, de uma política de distensão do regime, como requisito indispensável à manutenção da ordem estabelecida.

Avanços significativos são sinalizados na década de 1975-19B5, no crescente processo de democratizaçãopolítica configurado pelo restabelecimento da liberdade de imprensa, pela anistia política, pela reorganizaçãopartidária, pela realização das eleições diretas para Governador em 1982, não obstante a

nraaiHpnte e do voto vinculado, pela permanência das eleições indiretas par P

■ ~ cicfpmA a exemplo do MDB e de algumas atuação dos partidos de oposição ao sis >

de suas expressivas lideranças.

A oposição institucional da Igreja, através da ação das CEBs, da OAB e da ABI, associadas à organização da Casse trabalhadora, são também exemplos concretos que demarcam o contexto da transição democrática. Esta se

■ face à acelerada modernização se

deu sob os auspícios de um regime impote

, tprrpno fértil ao crescimento político das traduzindo, consequentemente, em terreno

classes trabalhadoras, concorrendo parao crescente processo de ociden ç da realidade brasileira, em que os sujeitos sociais, vão, pouco a pouco,

inscrevendo suas demandas nas políticas governamentais, não obstante as fortes

dificuldades produzidas pelo próprio sistema.

Não obstante os avanços imprimidos pela ação dos movimentos sociais, tal fato não se converteunumefetivo exercício da maioria da população.

É pois no âmbito das contradições emergentes do autoritarismo prevalecente, que se verifica a efervescente rearticulação política da sociedade civil, em cujo processo os trabalhadores em educação marcam presença. Estes, a Partir de um amplo processo de mobilização, que, paulatinamente, atinge os quatro cantos do país, defendem como bandeira de luta, melhores salarios, melhores condiçõesde trabalho, a garantia de umaescola pública de qualidade e a gestão democrática na Educação, mediante o redirecionamento político das escolas, através da participação dos segmentos envolvidosna ação educativa.

Eis aí o nascedouro dos ideais de gestão escolar democrática, pois, não obstante a defesa de uma política de democratização da Educação constituir uma antiga reivindicação dos educadores, mesmo em pleno vigor da d.tadura

- Ha pscola vem se tornando tema dos debates militar, a democratização da escoia

. a nartir dos anos oitenta, sobretudo acadêmicos e sindicais mais precisame

a finurar com maior tônica, nas reformas nos últimos seis anos, quando começ 9

educacionais.

Assim, a luta pela redemocratização da escola se inscreve na luta maisampla peta democratizo da sociedade, sendo, portanto, segundo Moacr

Gadoty:

•uma Ma dentrodo instituído, contra o instituído,

Cabe agora indagarmos: o que é uma gestão escolardemocrática?

Pensar em democratizaçãoda escola significa pensar no projeto de sociedade, sua dinâmica, suas estruturas de poder, a lógica que lhe dá assento, impõe também o repensar de caminhos e mecanismos que possibilitem a superação de relações e espaços de dominação, apontando para a efetiva partilha das decisões, fazendo surgir canais de manifestação do pluralismo, da diversidade, sufocando avontade imperial dos detentores do poder.

da escola, significa ainda conceber a Pensar em democratização

democracia como uma

“...invenção que não só conserva direitos

existentes, mas, sobretudo cria novos, subvertendo

sempre o estabelecido pelas alternativas que produz’’

(1993, p.21).

Na verdade, a democracia segundoBobbio

“é subversiva no sentido mais radical da palavra porque, onde chega, subverte a concepçãotradicional

do pode?’ (1983, p.37).

. _ qpia oartilhado e exercido pelos segmentos Faz com que o poder seja pannnd

o al ifnnomia das vontades individuais de forma organizados, fundamentando-se na auto

, rniPtivo Nela a participação supõe a criação de

harmonizada com o interesse coletivo. Nei , h

influir nas decisões que dizem vínculos entre indivíduos autônomos capaz

respeito à vidacoletiva.

A construção de uma gestão democrática se coloca, assim, como exigência e contingência mesma de um processo de afirmação da cidadania, na medida em

que contnbui para a conquista da autonomia política, superando relações verticalistas e padrões de gestão tecnocrática, engendrando mecanismos de exercício do poder firmados no compromisso com os reais interesses da maioria. Isto conduz necessariamente à criação de novas concepções e práticas de organização e funcionamento da escola, fazendo surgir, em seu interior, um novo Padrão de comportamento administrativo e pedagógico.

Nesta perspectiva, ratificando Bordignon,

“a escola precisa ser concebida não como

organização burocrática, mas como instância de

articulação de projetos pedagógicos partilhados pela

direção, professores, alunos e comunidade. Para isso

devem ser estabelecidos fluxos decisórios como num

jogo, em que os participantes ao redor da mesa têm

vez e cartas a jogar segundo a natureza de sua

posição, partilhando responsabilidades e resultados"

(1993, p.62).

Por outro lado, vale lembrar que novos processos de produção lmPõem, nos dias atuais, o redirecionamento da política de formação dos quadros Profissionais, traduzindo uma nova lógica nas relações de produção, calcada no

avanço da ciência e da tecnologia. Por conseguinte no processo educacional avidencia-se a necessidade de novos encaminhamentos e novas abordagens Pedagógicas.

O processo de globalização da economia está a exigir a efetiva e eficiente contribuição da educação na ampliação de bases científico-tecnológicas caPazes de superar os padrões econômicos arcaicos, respondendo aos Operativos imprimidos pelo atual estágio de desenvolvimento das forças Produtivas. Consequentemente, cresce o processo excludente das classes menos

favorecidas e as relações pessoais tornam-se cada vez mais técnicas, rápidas, Precisas, distantes e indiferentes.

A elevação dos níveis de qualidade de ensino se revela como condição e exigência à descoberta de alternativas políticas e econômicas viáveis a uma dada realidade, visto que a educação escolar significa um poderoso •nstrumento de inserção produtiva do cidadão num mundo cada vez mais envolto Pelo predomíniodo espírito científico e tecnológico.

Não pretendemos tecer uma mera crítica à educação da "qualidade total, que simplesmente ratifica a ordem econômica e política prevalecente, mas, queremos desvendar o verdadeiro papel que ocupa o sistema educacional no desenvolvimento, sobretudo do processo de educação que se coloca a serviço da classe trabalhadora, na medida que atende aos seus reais interesses, garantindo- fae a apropriação de um saber que lhe permita desvelar a realidade social, suas contradições e antagonismos, conferindo-lhe a condição de sujeito histórico engajado na luta pela superação dos padrões sociais alicerçados na injustiça e desigualdade.

Queremos, sim, que a qualidade na educação passe, necessariamente, pela redefinição de conteúdos e de métodos que permitam o ecesso a elementos culturais imprescindíveis à produção da existência humana material e social. Que ela se estabeleça sob bases relacionais de diálogo e de solidariedade e se faça num crescenteprocesso coletivo. Que esta qualidade seja capaz de fundamentar o projeto político-pedagógico das escolas, contribuindo na transformação das estruturas de poder.

Grande é o propósito de construção de uma escola democrática e de qualidade feita na e para a cidadania ativa. Necessário se faz recuperar o ethos dos profissionais da educação, um posicionamento co-responsável e fazer

do ato pedagógico uma ação eminentemente libertadora e compartilhada, firmada em relações de conhecimento, dimensão esta que integra a essencialidade da Própria democracia.

Democratizar a escola constitui, pois, um processo de criação e de recriação permanente, forjado no embate de forças e interesses, articulando o Pensar e o agir, possibilitando a socialização do exercício do poder e a democratização do saber, dimensõesfundamentais que atribuem aos partícipes a condição de sujeitos concretos, conscientes do seu ser histórico, do seu papel

social e político.

Educação, democratização e cidadania ativa, temas impregnados de riquezas, desafios e perspectivas, para tal, reais rupturas precisam acontecer Para torná-los mais aproximadosda realidade desejada.

É preciso repensar a educação, rearticulá-la e sobretudo firme convicção, paixão e fé para se construir consistentemente um novo projeto, que seja político-pedagógíco transformador.

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