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Educação em Marx e no MST: aproximações possíveis

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 45-49)

IMBRICAÇÕES DA PROPOSTA EDUCACIONAL DO MST COM A PEDAGOGIA SOCIALISTA

3.1.1 Educação em Marx e no MST: aproximações possíveis

Convém estabelecer claramente, antes de nos enfronharmos nessa pesquisa, o campo epistemológico que nos assessorará no percurso que faremos: falaremos aqui do socialismo nos moldes científicos uma vez que,

(...) como assinalou Engels, era necessário superar o caráter utópico que marcava essa visão do socialismo [utópico]. Para tanto, impunha-se captar o modo de produção capitalista em suas conexões e em sua necessidade histórica pondo em evidência sua estrutura interna, ‘seu caráter íntimo’ que ainda se encontrava oculto. Essa tarefa foi realizada por Marx que, com a ‘teoria da mais-valia’, desvendou o segredo da produção capitalista. Por esse caminho foi possível ao socialismo tornar-se científico. Nessa acepção o socialismo, em lugar de ser considerado como um ideal a ser conquistado pelo entusiasmo da vontade pondo em prática planos atraentes, era encarado como produto das leis de desenvolvimento do capitalismo, emergindo como sua negação no processo revolucionário de transição para o comunismo conduzido pelo proletariado. (SAVIANI, 2007. p.1)

Com esse novo e retificador elemento teórico, podemos assinalar uma mudança no que se compreende por pedagogia socialista, entendida agora dentro da concepção materialista, marxista, da história.

Marx & Engels (1968) e Caldart (2004) nos auxiliam com trechos de seus escritos referentes diretamente à educação para que possamos organizar esforços aproximativos entre algumas menções desses pensadores no que tange a educação e o ensino e a concepção de educação para o MST, evidenciando pontos de intersecção entre um e outro modo de entender e vivenciar e educação.

Marx traz no Manifesto do Partido Comunista, a referência de uma “Educação pública e gratuita de todas as crianças, abolição do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da educação com a produção material etc.” (MARX, & ENGELS, 1968. p. 14).

Já Caldart apresenta no ‘Manifesto das Educadoras e dos Educadores da Reforma Agrária ao Povo Brasileiro’, em seu ponto quatro, que tais educadores lutam “por justiça social! Na educação isso significa garantir escola pública, gratuita e de qualidade para todos, desde a

educação infantil até a universidade.” (Manifesto das Educadoras e dos Educadores da Reforma Agrária ao povo brasileiro, In: CALDART, 2004, p. 428)

Para a aproximação desses trechos, destacamos que mais de 150 anos separam uma e outra citação. Uma ocorre em meados do século XIX, outra no alvorecer do século XXI; a primeira na Europa Ocidental, burguesa e industrial, a segunda na América Latina, expropriada e (ainda) colonial. Esta inserida numa realidade agrícola e na sociedade neoliberal, aquela em uma sociedade urbanizada e capitalista.

Ainda assim as mesmas reivindicações, com o mesmo vigor e, inclusive, com as mesmas palavras se apresentam de ambos os lados! Toda essa conjuntura antagônica, que poderia se configurar como um elemento dissociante, na verdade expõe a face da exploração aplicada ontem e hoje com um projeto sócio-econômico duradouro e forte, mesmo que perverso e predatório, e unifica passado e presente em uma luta histórica.

Tal luta é também por uma educação que rompa com a sociedade de classes e converta-se em processo que ajude a gestar uma nova realidade sem exploradores nem explorados.

Ao tratar da ‘Abolição do trabalho das crianças nas fábricas em sua forma atual’, Marx não exclui o trabalho infantil como forma de aprendizado. Na verdade ele é um defensor dessa tese como veremos a seguir, mas denuncia que o modo como essa prática estava acontecendo ultrapassava os limites que justificam a atividade das crianças nas fábricas. O que se questiona é a forma como o trabalho era realizado na época: sem salubridade ou direitos de qualquer espécie, com até 16 horas de trabalho diário, sendo este um trabalho alienado e não vertente da formação humana omnilateral. E, contemporaneamente, esse aspecto da exploração do trabalho infantil ainda é uma constante.

Para o MST, a importância da educação para o trabalho ganha um viés transformador e libertador e tem força organizativa e estrutural, pois ocorre desde cedo quando se insere a escola nesse contexto, fazendo com que tal princípio de educação configure numa das características do Movimento, entendido como

(...) a relação necessária que a educação e a escola devem ter com o desafio de seu tempo histórico. No caso das práticas educacionais que acontecem no meio rural, esta relação não pode, hoje, desconsiderar a questão da luta pela reforma agrária e os desafios que coloca para a implementação de novas relações de produção no campo e na cidade. (MST, 1999, p.7)

Na correlação entre ‘Unificação do ensino com a produção material’, esboçada por Marx, e a proposta educacional-metodológica do MST quanto a esse aspecto, destaca-se não simplesmente a junção de teoria e prática como se pode pensar a princípio, mas algo bem mais refinado e elaborado, algo que atinge patamares de imbricação para além da simples fusão entre os momentos pedagógicos envolvendo prática e teoria cada uma a seu turno. Com isso pode-se afirmar que esse pensamento marxista está presente de forma indissociável na combinação metodológica entre processo de ensino e capacitação, que é um dos princípios pedagógicos do MST.

Dessa forma, em uma releitura da unificação ensino/produção material, podemos também entendê-la como uma combinação entre os processos de ensino e capacitação que vise uma produção material. Tal assertiva é encontrada na proposta do MST quando se trata do ensino que tem como a principal característica o conhecimento vindo antes da ação e na capacitação dando- se o seu contrário, a ação antecedendo o conhecimento.

De modo que quem ensina é o educador e o ensino resulta em saberes teóricos, mas quem capacita é a atividade objetiva, mediada pelo educador, e resulta em saberes práticos, entendidos como saber fazer – habilidades, capacidades – e saber ser – comportamentos, atitudes, posicionamentos (MST, 1999, p.12). Especificamente, o MST afirma que “na educação que fazemos sejam combinados os processos de ensino com os de capacitação. Ou seja, ambos são importantes, porque dão conta de dimensões diferenciadas. A questão é de priorizar ora um ora outro, dependendo dos objetivos formativos que estão em jogo” (MST, 1999, p.12-13).

Continuando a relação entre o pensamento marxista e a proposta pedagógica do MST, observamos que

no segundo momento (1866-67), Marx se manifesta, no texto das “Instruções”, sobre o conteúdo pedagógico que, a seu ver, deve constituir o ensino de caráter socialista:

Por ensino entendemos três coisas: Primeira: ensino intelectual;

Segunda: educação física, dada nas escolas e através de exercícios militares; Terceira: adestramento tecnológico, que transmita os fundamentos científicos gerais de todos os processos de produção e que, ao mesmo tempo, introduza a criança e o adolescente no uso prático e na capacidade de manejar os instrumentos elementares de todos os ofícios. (MANACORDA, 1991, p.26-27)

A imbricação entre mente (ensino intelectual) e corpo (educação física) é propositadamente colocada nessa citação para lembrar de uma característica vital da pedagogia socialista: a educação ominilateral. Do latim: ‘Omini’ = todo ‘latere’ = lado, educação ominilateral: educação para todos os lados, ou seja, educação que deve atingir o ser humano na sua totalidade e não apenas torná-lo especialista em alguma coisa.

Aqui está posta a possibilidade de interlocução entre as propostas, pois, nesse mesmo sentido, os Sem Terra defendem que a educação no MST

(...) assuma o caráter de ominilateralidade, trabalhando em cada uma de suas práticas, as várias dimensões da pessoa humana e de um modo unitário ou associativo, em que cada dimensão tenha sintonia com a outra, tendo por base a realidade social em que a ação humana vai acontecer (MST, 1999, p.8).

O terceiro e último momento destacado por Manacorda quanto aos escritos de Marx referentes diretamente à educação ocorre quando ele faz uma intervenção no Programa de 1875 dos dois partidos operários alemães no que observa:

Educação popular (ou ensino elementar) para todos? O que se quer dizer com essas palavras? Acredita-se, talvez, que na sociedade atual (e apenas dessa se trata) o ensino possa ser igual para todas as classes? Ou, então, pretende-se que as classes superiores devam ficar coativamente limitadas àquele pouco de ensino – a escola popular – única compatível com as condições econômicas, tanto dos trabalhadores assalariados quanto dos camponeses?[...] Ensino geral obrigatório, instrução gratuita [...]O parágrafo sobre as escolas deveria, pelo menos, pretender escolas técnicas (teóricas e práticas) em união com a escola popular[...] Proibição (geral) do trabalho das crianças[...] Sua efetivação – se fosse possível – seria reacionária porque, ao regulamentar severamente a duração do trabalho segundo as várias idades e ao tomar outras medidas preventivas para a proteção das crianças, o vínculo precoce entre o trabalho produtivo e o ensino é um dos mais potentes meios de transformação da sociedade atual. (MANACORDA, 1991, p.26-27)

Essa é uma análise contundente feita em termos críticos e analíticos que coloca a desnudo como Marx concebe a realidade e, nesta, a realidade da educação. Comentando sobre alguns trechos de Programas partidários alemães, sua intenção é que se encontre um todo harmônico em todas as áreas vitais para a transformação social. Desse modo a educação não poderia ficar de fora. O ponto mais destacado, a nosso ver, se encontra na relação trabalho e infância: em outras palavras, Marx coloca sua crítica em relação à fragmentação trabalho manual e trabalho intelectual em que a criança primeiro aprende sem trabalhar e depois trabalha sem aprender , entender o que está fazendo, tal como na lógica industrial.

É latente, também em relação ao MST (1999), essa não disjunção de trabalho manual e trabalho intelectual quando este afirma que: a) “A própria ação (Trabalho) tem uma dimensão educativa que nenhum estudo teórico pode substituir” (p.07); b) A educação para o trabalho cooperativo é indicador de uma prática real de “uma educação que vise à construção de novas relações sociais”. (p.8); c) O processo nomeadamente entendido pelo MST como trabalho de educação tange exatamente a co-relação aqui proposta trabalho e educação (p.10). Assim, “O que educa/transforma a pessoa não é apenas o discurso, a palavra, a teoria, por melhor que sejam. É sim a vivência concreta do novo” (p.10).

Essas são as análises possíveis que ajudam na compreensão de como o MST possui, no aparato teórico pesquisado, aproximações possíveis com a pedagogia socialista dentro do pensamento marxista da história.

Seguindo o percurso de análise, trataremos agora de investigar como se dão essas aproximações também com um outro teórico que nos ajuda a entender as possíveis relações da proposta pedagógica do MST e da Pedagogia Socialista.

3.1.2 Pedagogia socialista em Suchodolski e no MST: princípios filosóficos norteadores

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (páginas 45-49)