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Educação emancipatória: autoridade

No documento LEÔNIDAS MELO SANTOS (páginas 104-107)

3. A PROFISSÃO DOCENTE ANÁLOGA AO TRABALHO DE ARTISTA: REFLEXÃO SOBRE A

3.6 Educação emancipatória: autoridade

Um dos textos de Adorno que contribui para pensarmos a questão da autoridade do professor – e até mesmo a visão acerca deste, que passa a ser compreendida enquanto autoritarismo – é o Tabus acerca do magistério, presente no livro Educação emancipação. Nas suas reflexões, Adorno compreende a figura disciplinadora do professor enquanto um dos principais tabus acerca do magistério. Os tabus, conforme pontua Adorno (1995), embora não possuam uma base real, acabam por gerar uma grande influência nas relações materiais. No tocante à docência, os tabus que envolvem essa profissão acabam por resultar numa imagem negativa do professor, o que interfere no cotidiano do seu ofício.

No texto em questão, Adorno (1995) expressa que a antipatia em relação à carreira no magistério têm motivos reais, tal como a imagem de uma profissão de fome – é importante destacar que Adorno relata sobre a realidade da Alemanha no momento em que viveu –, referindo-se aos baixos salários dos professores. Há outras razões, mas, como expressa o pensador alemão, estas são tão obvias que não é necessário tentar evidenciá-las. O que pretende expor Adorno, de fato, são os motivos subjetivos e inconscientes que geram a aversão à profissão do professor.

Tabus significam, a meu ver, representações inconscientes ou pré- conscientes dos eventuais candidatos ao magistério, mas também de outros, principalmente das próprias crianças, que vinculam esta profissão como que a uma interdição psíquica que a submete a dificuldades raramente esclarecidas. Portanto utilizo o conceito de tabu de um modo relativamente rigoroso, no sentido de sedimentação coletiva de representações que, de um modo semelhante àquelas referentes à economia, já mencionadas, em grande parte perderam sua base real, mais duradouramente até do que as econômicas, conservando-se porém com muita tenacidade como preconceitos psicológicos e sociais, que por sua vez retroagem sobre a realidade convertendo-se em forças reais (ADORNO, 1995, p. 98).

105 Na citação, Adorno refere-se a antipatia em relação ao magistério por parte dos universitários que seguirão a carreira do magistério. Eles sentem-se inseguros em relação ao ofício de professor, não só por questões materiais, mas por preconceitos psicológicos em relação à profissão. Além disso, não se trata apenas de uma aversão existente nos universitários, mas nos professores e demais grupos sociais. No segmento acima, Adorno aponta que há nas crianças um certo receio acerca de seus professores, na medida em que estes representam uma interdição psíquica, imposta sem que haja esclarecimento por parte dos alunos.

Essa situação está vinculada à imagem do professor enquanto aquele que impõe autoritariamente os limites que o aluno deve seguir. Há um aspecto opressivo nesse contexto, principalmente na figura do docente. Se considerarmos a atividade educativa somente nesse aspecto, o professor seria o agente responsável pela adaptação dos alunos à sociedade administrada, logo, não faria parte de uma educação emancipatória, mas sim, para a semiformação.

Outro exemplo citado por Adorno (1995, p. 98) é o caso dos termos degradantes utilizados para designar o professor. Pauker é o mais popular em alemão e seu significado é “aquele que ensina com a palmatória, aquele que treina soldados a marchar pela batida dos tambores”. Esses termos atribuem uma concepção errônea ao professor, vinculada à punição.

Adorno também destaca a existência de um imaginário em que o professor não possui seriedade, sobretudo se compararmos com outras profissões, tais como os médicos e advogados. A seriedade do profissional é fundamental em qualquer profissão, pois, remete à qualificação. Apesar de investir muito em sua formação, o professor dificilmente abandona a imagem de alguém que cuida e pune. Essa ideia não está muito distante da visão falaciosa da escola enquanto um “depósito de crianças”. Isso ocorre principalmente nas séries iniciais, ou nos primeiros anos do ensino fundamental. Já o professor universitário, este possui um prestígio inabalável.

De um lado, o professor universitário como a profissão de maior prestígio; de outro, o silencioso ódio em relação ao magistério de primeiro e segundo graus; uma ambivalência como esta remete a algo mais profundo (ADORNO, 1995, p. 99).

A atividade docente, quanto mais ligada à infância mais é menosprezada. No outro extremo, o ensino superior reveste o docente de uma postura de autoridade, de alguém que

106 possui uma qualificação específica e assim é respeitado profissionalmente. Contudo, há uma consideração importante a ser realiza: a infância. Os professores dos anos iniciais do ensino fundamental exercem suas atividades com crianças, do outro lado, o docente universitário exerce sua autoridade sobre alunos mais velhos, ou seja, adultos. Portanto, o professor universitário exerce algum poder sobre as pessoas de mais idade, diferente do professor em outros níveis, cuja autoridade ocorre sobre jovens e crianças. O que está em discussão é o poder e a autoridade exercida pelo docente, esta reflexão envolve a relação entre poder e conhecimento.

Para se compreender as raízes do desprezo ao professor, Adorno (1995) recorre à história. Segundo ele, o professor é herdeiro do escriba, cujo ofício remete a uma figura subalterna, encarregada de copiar textos e atividades semelhantes. O escriba, apesar de possuir um grande nível de conhecimento, não possuía nenhum nível de poder. Portanto há uma cisão entre poder e saber.

[...] Como já assinalei, o menosprezo de que é alvo tem raízes feudais e precisa ser fundamentado a partir da Idade Média e do início do renascimento; como, por exemplo, na “Canção dos Nibelungos”, onde se expressa o desprezo de Hagen, que considera o capelão um débil, justamente aquele capelão que a seguir escaparia com vida (ADORNO, 1995, p. 101).

Os cavaleiros feudais, conforme pontua Adorno, também possuíam uma formação que passava pelos livros, contudo, há um contexto diferente na sua função, uma peculiaridade que os distinguem dos escribas. Eles possuem, com legitimidade, o poder real imperante na sociedade adaptada: a força física. Esta pode vir à tona nos momentos mais extremos e trata-se da violência necessária e legitimada socialmente. Os cavaleiros feudais também integravam a nobreza e sua função vinculava-se à defesa do feudo. Adorno também cita a Antiguidade Clássica, onde os escravos mais estudados eram designados professores. O que se conclui é que “o intelecto encontrava-se separado da força física” (ADORNO, 1995, p. 102).

Essas reflexões esclarecem a relação entre poder, autoridade e conhecimento. A autoridade está vinculada ao poder exercido sobre os demais, seja pela possibilidade de gerar consenso ou até mesmo a coerção. Estas são, na verdade, duas forças atuantes na sociedade adaptada, importantes na medida em que integram os sujeitos ao seu meio, seja através da imposição heterônoma de normas e valores ou através da coerção mediante a força física. A autoridade do professor ocorre no ambiente educativo e se desenvolve sobre

107 as crianças, isso os diferencia de profissões como a dos advogados, dos médicos e dos policiais.

[...] os juízes e funcionários administrativos têm algum poder real delegado, enquanto a opinião pública não leva a sério o poder dos professores, por ser um poder sobre sujeitos civis não totalmente plenos, as crianças. O poder do professor é execrado porque só parodia o poder verdadeiro, que é admirado (ADORNO, 1995, p. 103).

O poder do professor se limita aos muros da escola, além disso, reproduz um sistema normativo que é exterior ao âmbito educativo. Há um outro tabu nessa relação de poder, expresso na imagem do professor enquanto aquele que castiga o mais fraco, o que não parece um jogo limpo. Adorno (1995) esclarece e enfatiza a questão disciplinar enquanto um dos principais tabus acerca do magistério. Na essência dessa imagem depreciativa do professor está a figura de um homem mais forte que castiga o mais fraco. Essa percepção do professor permanece mesmo na inexistência desses atos.

Portanto, há no docente uma imagem disciplinadora e autoritária, uma questão de poder que insiste em suprimir qualquer tipo de ação que foge aos “padrões” normativos estabelecidos. Essa situação, de certa forma, é existente no meio social e ocorre através do consenso e da coerção. Estes são elementos essenciais na sociedade adaptada.

No documento LEÔNIDAS MELO SANTOS (páginas 104-107)