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CAPÍTULO 4. EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NA ESCOLA

4.5 Educação Escolar e Educação em Direitos Humanos

Os profissionais da Educação foram indagados se a escola desenvolvia Educação em Direitos Humanos. Os dados encontrados são apresentados na Figura 20.

FIGURA - 20 Desenvolvimento da Educação em Direitos Humanos - profissionais da educação

61% 8%

31%

A escola desenvolve educação em DH

119

A maioria dos participantes da pesquisa afirmou que a sua escola não desenvolve Educação em Direitos Humanos e, quando o faz, são ações isoladas e pontuais em sala de aula para resolver conflitos ou em datas comemorativas como podemos analisar nos relatos seguintes:

[...] a gente ensina o aluno a preservar a escola para que ele aprenda a preserva o meio ambiente como um todo, então a gente fala pra ele não jogar lixo no chão [...] Essa semana teve uma aula que um aluno chamou o outro de “piche de asfalto”, aí o aluno chorou eu tive que parar a aula e aí a gente conversou sobre o respeito, sobre a cor da pele que não pode existir preconceitos. [...]Então, assim a gente conseguiu resolver [...] Eu não pego nenhum conteúdo de livro; vão surgindo oportunidades dentro da sala de aula e a gente vai falando sobre direitos humanos (Professora de Geografia ,16. 05. 2012, grifo nosso)

Pra mim a escola só trata de direitos humanos em épocas comemorativas, igual acontece com a consciência negra, não tem nenhum projeto, oficina, nada dessa coisa de interdisciplinaridade [...]. Eu falo porque é uma opção minha. (Professor de História, 01. 03. 2012, grifo nosso).

O Plano (2006) e o Programa (2010) preveem várias ações para a aplicabilidade da Educação e Cultura em Direitos Humanos e uma dessas ações é “combater o preconceito, a discriminação e a violência, promovendo a adoção de novos valores de liberdade e igualdade” (BRASIL, PNDH-3, 2010, p. 185). Ainda segundo o Programa (2010):

A troca de experiências de crianças de diferentes raças e etnias, imigrantes, com deficiência física ou mental, fortalece desde cedo, sentimento de convivência pacifica. Conhecer o diferente, desde a mais tenra idade, é perder o medo do desconhecido, formar opinião respeitosa e combater o preconceito, às vezes arraigado na própria família (BRASIL, PNDH, 2010, p. 185).

Todavia, as ações, ainda que pontuais, desses profissionais da Educação, como a de parar a aula para falar sobre preconceito e racismo como atitudes inaceitáveis, são imprescindíveis para que os discentes tomem consciência de sua importância social como agentes de promoção e defesa dos direitos humanos. Mas, as observações realizadas nos mostraram que as ações dos profissionais são meras advertências do que não se deve fazer, não são discutidos os fundamentos das práticas dos alunos, por exemplo, o racismo e os diferentes tipos de violência.

O professor pede aos alunos que façam a atividade do livro, uns alunos começam a reclamar e outros dizem que não têm o livro. O professor começa a direcionar como os discentes que não estão com livros irão sentar- se. Até que ele pede a um aluno que se sente com uma aluna e esse grita: – Eu não, ontem ela me deu um tapa e a gente foi parar na direção. O professor então fala: - Que coisa feia, vocês dois brigando - depois pede

que ele se sente com outra aluna e aula segue. (Observação n° 13, 14. 06. 2012, grifo nosso).

Professor está explicando sobre o que eram os Zigurates, usado com laboratório para o estudo de Astronomia, quando um aluno à sua frente começa a xingar o outro de nescauzinho; alguns alunos ao redor começam a rir e olham para o professor. O professor imediatamente para a explicação e adverte o aluno: – Eu já não falei pra você que não é pra usar esse tipo de apelido, ele já falou que não gosta, vou ter que te mandar pra fora. –(Observação n° 12 , 14. 06. 2012, grifo nosso).

Durante a aplicação do questionário aos profissionais da Educação, alguns participantes da pesquisa, como a supervisora, secretária escolar e bibliotecária mencionaram que tal Educação deveria acontecer, prioritariamente, durante as aulas de Religião.

Acho que essa Educação em Direitos Humanos caberia no Ensino Religioso, porque o Ensino Religioso em si trabalha com valores e ética, mas isso aí parcialmente a professora trabalha, mas isso muito superficialmente. Eu acho que se fosse mais aprofundado teria mais êxito com os alunos (Supervisora, 17. 05. 2012, grifo nosso).

Eu acredito que aqui na escola todos os professores de alguma forma trabalham com os direitos humanos, principalmente a professora de Religião que, basicamente, tem que ensinar valores para esses alunos. (Secretária escolar, 05. 04. 2012, grifo nosso).

Olha, pra mim, o certo era a professora de Religião trabalhar com esse tema, já que ela tem que falar mesmo sobre respeito, amor ao próximo. Isso não é direitos humanos? (Bibliotecária, 10. 04. 2012, grifo nosso). Tais afirmações evidenciam que os profissionais da Educação, acreditam que preceitos do cristianismo são fundamentais para uma cultura de direitos humanos, como por exemplo o amor ao próximo. Nessa visão, aquele que ama não pecará contra Deus ou contra o seu semelhante, ou seja, respeitará os direitos humanos. Nesse sentido, delegam à disciplina de Religião a tarefa de educar em direitos humanos, isentando-se do compromisso de fazê-lo diretamente em suas aulas, pois entendem que a função das aulas de Religião é justamente a de ensinar valores desejáveis ao cidadão para uma convivência pacífica e harmoniosa, visão essa que não foge à concepção daqueles que pensam a prática do Ensino Religioso na escola:

Toda a ação educativa se situa num contexto filosófico e de valores [...]. Toda proposta de Educação é também uma proposta de valores, de um tipo de homem e de um tipo de sociedade [...] um processo de humanização, expressão de um projeto utópico, o homem novo e a nova sociedade, que impulsiona para a transformação do mundo de opressão (CNBB, 2007, p. 62).

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Vale destacar dois aspectos importantes sobre o tema Religião e Direitos Humanos. Primeiro, como apresentado no Capítulo 2 deste trabalho, existem autores como Lafer (2001), Comparato (2003), Miranda (1991) e Villey (2007) que afirmam que, ao se traçar uma evolução histórica do desenvolvimento da noção de direitos humanos, é preciso fazê-lo em paralelo com a História do Cristianismo, que contribuiu para a noção dos direitos humanos, por meio da pregação de Jesus Cristo, que ensinava sobre o valor humano perante Deus e seus semelhantes. Mas isso não significa restringir os espaços de Educação em Direitos Humanos, limitando-as às aulas de Ensino Religioso.

No entanto, é preciso lembrar que o Estado Brasileiro é laico, ou seja, não professa nenhuma religião ou culto e a Constituição de 1988, ao assumir um compromisso com os direitos humanos, garante a liberdade religiosa de todos os cidadãos brasileiros; como registrados no artigo 5o, inciso VI: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

O Plano (2006) e o Programa (2010) afirmam que nenhuma disciplina deve ser privilegiada como espaço para a prática da Educação em Direitos Humanos, mas, sim, que a Educação em Direitos Humanos é uma missão de todos. Uma das ações do Programa é justamente “estabelecer diretrizes curriculares para todos os níveis e modalidade de ensino da Educação Básica para a inclusão da temática de Educação e cultura em Direitos Humanos” (BRASIL PNDH-3, 2010, p. 191).

Outro aspecto desse debate é que algumas religiões cristãs, principalmente setores das religiões, católica e a protestante, não veem com bons olhos a laicidade do Estado brasileiro e, especialmente, a criação de novos valores anunciados pelo Plano (2006) e pelo Programa (2010), quando esses documentos tratam do respeito à livre orientação sexual e da identidade de gênero.

O Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos aborda temas polêmicos e que estão constantemente em debate em nossa sociedade e são repudiados pelas religiões cristãs, como:

[...] apoiar projeto de lei que dispunha sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, promover ações voltadas a garantia do direito de adoção por casais homo-afetivos, reconhecer e incluir nos sistemas de informação do serviço publico todas as configurações de familiares constituídas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, com base na desconstrução

da heteronoramatividade, garantir o uso do nome social de travestis e transexuais (BRASIL, PNDH-3, 2010, p. 121)

No entanto, o Ensino Religioso pode contribuir, assim como todas as outras disciplinas escolares, para a Educação em Direitos Humanos, quando deixa de lado as práticas de catequese e apresenta práticas pedagógicas que busquem contribuir para a formação cidadã do educando.

Seguindo em nossa análise, sobre essa tarefa delegada por alguns profissionais da Educação em promover uma Educação em Direitos Humanos especialmente nas aulas de Religião, a professora dessa disciplina argumentou:

Trabalhar com valores humanos é um processo que começa primeiro com a família e tem sua continuidade na escola. Mas aqui (na escola) não dá pra falar; você gasta tanto tempo pedindo disciplina em sala de aula. A teoria não parece com a realidade. Como eu vou trabalhar com isso? Tudo muito bonito no papel, mas na teoria nada é realizável, pois apesar do professor ter boa vontade para trabalhar com essa temática, o sistema não disponibiliza as ferramentas necessárias como livros, recursos multimídia e outras coisas. Tudo fica só no escrito e nos papéis nesse Plano e Programa (Professora de Religião, 07. 06. 2012, grifo nosso). A Educação em Direitos Humanos é percebida por esses profissionais da Educação, de maneira fragmentada, ou seja, específica de uma disciplina, de um determinado conteúdo, ou de um dado momento, sem ter uma relação direta com o cotidiano das práticas escolares. A ausência de uma Educação em Direitos Humanos é, frequentemente, atribuída à falta de recursos pedagógicos. Essa justificativa se completa também quando os profissionais da Educação indicam não apenas a falta de materiais pedagógicos para educar em Direitos Humano, mas, principalmente, a necessidade de cumprir os conteúdos exigidos em sua disciplina por ano letivo. O excerto que se segue exemplifica tal situação:

[...] o professor não trabalha isso em sala de aula porque o professor do Estado, especificamente do Estado, se preocupa muito com conteúdo, porque o Estado cobra. Não é por ele. A Superintendência cobra da supervisão e a supervisão cobra do professor e se ele não fizer é punido. Então ele tem que mostrar resultado. Por ter que mostrar resultados não tem como ele trabalhar com isso aí, se você for falar com o professor pra trabalhar com isso, ele vai falar “não dá eu preciso passar conteúdo” e, resultado, isso aqui não tem nada a ver não (Supervisora, 17. 05. 2012, grifo nosso).

Entretanto, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos apresenta vários princípios que deveriam nortear a Educação em Direitos Humanos na Educação Básica, transversalizando os conteúdos escolares:

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e ) a Educação em Direitos Humanos deve ser um dos eixos fundamentais da Educação Básica e permear o currículo, a formação inicial e continuada dos profissionais da Educação, o projeto político pedagógico da escola, os materiais didáticos, o modelo de gestão e a avaliação (BRASIL, PNEDH, 2006, p. 32)

Além disso, rememoramos que esses documentos ressaltam que a Educação em Direitos Humanos “deve permear todo o currículo não devendo ser reduzida à disciplina ou à área curricular especifica” (BRASIL, PNEDH, 2006, p. 17).

Da mesma forma que os profissionais da Educação foram questionados sobre a existência de Educação em Direitos Humanos na Escola Pública Flores, os alunos também manifestaram sobre tal questionamento citando em qual momento presenciaram a discussão da temática direitos humanos. A figura 21 apresenta as informações obtidas a esse respeito.

FIGURA - 21 Desenvolvimento da Educação em Direitos Humanos - discentes

A maioria dos discentes, 84%, não reconhece a existência de ações em sua escola que promova a Educação em Direitos Humanos. Eles acreditam existirem ações voltadas para os direitos humanos nas aulas dos professores de História, de Ciências e de Educação Física, nas exortações da vice-diretora para que haja disciplina e respeito no ambiente escolar. Um aluno citou o Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD)54 como espaço de debate sobre direitos humanos.

54 Esse programa foi implantado em 1992, pela Polícia Militar e hoje é adotado em todo o Brasil. Militares

Constatamos que, da mesma forma que os profissionais da Educação da Escola Pública Flores entendem a Educação em Direitos Humanos em uma perspectiva fragmentada, também os discentes a compreendem assim.

Desse modo, a Educação em Direitos Humanos para os alunos é compreendida nas práticas pontuais de alguns profissionais da Educação quando tratam sobre o respeito em sala de aula, quando falam da disciplina no ambiente escolar e quando alertam sobre o que é certo ou errado, como no caso mencionado das oficinas sobre o uso das drogas realizadas pelo PROERD.