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Educação Física para quê e para quem: olhares divergentes nas Escolas

2.1 EDUCAÇÃO FÍSICA E ENSINO MÉDIO

2.1.2 Educação Física para quê e para quem: olhares divergentes nas Escolas

Atualmente, os sentidos da presença e do significado do componente no Ensino Médio podem apresentar distorções entre os sujeitos em relação a como eles vivem as práticas corporais em distintos tempos e espaços. Mas, como pensar nesses aspectos se, na prática, as estruturas criam condições contrárias à prática da Educação Física na escola? Como vimos, no caso das turmas e escolas pesquisadas, o número de alunos presentes nas aulas de Educação Física era muito reduzido, uma vez que eram aulas ofertadas em turno oposto, horário em que muitos estão trabalhando. Além do horário da oferta, o direito à Educação Física no Ensino Médio acaba sendo limitado também em virtude de legislação específica.

No ano de 1971, pelo Decreto nº 69.450, a Educação Física poderia ser facultativa aos estudantes, nos seguintes casos: discente trabalhando 6 horas ou mais diariamente do ensino noturno; ter mais de trinta anos de idade; estar prestando serviço militar, ou outra situação que contenha a obrigatoriedade de práticas de Educação Física; e caso tenha prole. A partir da Lei nº 10.793 de 2003, o âmbito da condição facultativa do trabalho, foi estendido para qualquer discente, desde que se enquadrassem nos mesmos moldes da lei original. Nas Escolas A e B, grande parte dos alunos integrantes das turmas empíricas desfrutava deste direito.

Quanto ao grande número de alunos da TA com atestados facultativos das aulas de Educação Física, o docente da classe narrou para não haver uma visão generalista, pois os alunos em grande parte necessitavam trabalhar. Porém, a pesquisa compreendeu que outra parcela dos discentes era proveniente de atestados contendo documentos falsos e com a conivência paradoxal dos próprios responsáveis dos estudantes, infelizmente. Como uma situação conflituosa presenciada durante uma aula, que descrevo a seguir:

Na aula de hoje, alguns acontecimentos com tensões estiveram latentes. Logo quando o professor chegou, acompanhado dos alunos na quadra, enquanto o mesmo estava pronto para fazer a chamada, alertei-o sobre o seguinte: “professor, aquele seu aluno na quadra do lado (não a que estávamos), tem muita coragem de vir treinar naquele projeto esportivo concomitante com o horário da sua aula de Educação Física. Deve ter um atestado”. O docente não havia se dado por conta, e para localizar o nome deste estudante no caderno de chamadas, deslocou-se até a Secretaria da instituição, para compreender de qual atestado este discente dispunha (trabalhar 6 horas diárias; ter mais de trinta anos de idade; estar prestando serviço militar, ou outra situação que contenha a obrigatoriedade de práticas de Educação

Física; e caso tenha prole). Na volta, o professor conversou com o específico estudante individualmente, para que o mesmo fosse imediatamente à Secretaria resolver sua pendência, pois o seu atestado não era relacionado às práticas de Educação Física e, sim, no campo do dever de estar trabalhando (DIÁRIO DE CAMPO, 06/07/2016).

As indagações que surgiram nesta apreensão foram: estes possíveis estudantes e responsáveis fraudulentos conteriam quais visões da Educação Física no Ensino Médio? Por quê? Dentro da Escola A, o PPP apresentava a Lei 10.793 de 2003, como fato indispensável aos alunos, principalmente, na etapa do Ensino Médio.

O Supervisor Escolar da instituição proferiu críticas ao caráter contemporâneo da área, demonstrando uma espécie de saudosismo quanto à Educação Física do “passado”. A sua visão faz relações com as distorções de significados e funcionalidades da área, que ainda estão amarradas às escolas e à sociedade. Essa percepção foi assim narrada:

Eu acho que a disciplina da Educação Física no Ensino Médio, comparando com o meu tempo, em que eu era aluno, eu vejo assim, que houve uma desqualificação muito grande. Eu lembro, na minha época, que a gente tinha diferentes modalidades esportivas, a gente era estimulado a participar de competições. Não havia matação (sic) de aula de hoje, de atestados que os alunos colocam [...]. (SUPERVISOR ESCOLAR DA ESCOLA A).

O professor da Escola A, ao ter um olhar mais amplo da realidade e dos fatos, indica que o trabalho estudantil deve estar presente na vida dos estudantes, pela própria lei que oferta à prática facultativa do componente. Porém demonstra, também, que existem indícios de atestados falsos apresentados pelos discentes para que não tenham aulas de Educação Física.

Martins (2015) corrobora que tais tensões da Educação Física nas escolas podem ser influenciadas pelo ponto facultativo da frequência nas aulas do componente, mas o Estado tem o dever de garantir e zelar pelo direito da Educação Básica a todos os indivíduos, assim como o aluno, nas aulas do componente, caso necessite realmente, pode e deve fazer o uso desta prática facultativa legalmente.

No contexto geral da “matação” dentro da realidade da Escola A, o professor ponderou:

Alguns alunos que não estão na aula, porque realmente estão trabalhando, então têm motivo de verdade para não estar. E esses alunos eu acho que eles estão ganhando, porque estão trabalhando, estão aprendendo. Mas têm aqueles que não vêm porque não querem. Esses eu acho que perdem, porque da totalidade, não fazem nada de atividade física, tem a questão de misturar com a gurizada, de socialização que perdem também. Porque a Educação Física é um momento

divertido, onde os alunos dão risadas, correm, pulam e vão cada vez superando outros novos desafios e aprendendo (DOCENTE DA ESCOLA A)17.

Da mesma forma, o número de discentes nas aulas de Educação Física da Escola B e TB era muito alto. O professor da TB disse que havia alunos que trabalhavam no turno oposto, mas estavam presentes nas aulas de Educação Física porque as aulas de outras turmas – que não fizeram parte da pesquisa empírica – eram organizadas no turno regular. Outros estudantes da TB, que tinham aulas de Educação Física no turno oposto, não vinham às aulas por estarem realmente trabalhando. Mas havia um caso peculiar na instituição: alunos que tinham aulas de Educação Física e trabalhavam no turno oposto, mas somente no dia das aulas do componente estavam presentes na escola, e não no ambiente de trabalho. Nesse âmbito, percebi que a ideia de trabalho ou “matação” estava relacionada ao modo de organização dos horários das aulas de Educação Física nas escolas. Além de, logicamente, da necessidade de grande parte dos estudantes estarem nessa condição social desde cedo.

A vida escolar de um jovem de escola pública, que estuda e trabalha concomitantemente, é muito diferente de um estudante que não realiza nenhum serviço. A visão do professor da TB é de que, realmente, os estudantes têm uma vida complicada desde cedo, e que acabam se distanciando das aulas e vivências da cultura corporal do movimento do componente.

Teve um dia que fiquei indignado, e perguntei ao aluno: pô cara, por que tu não vens na Educação Física? Ou se tu vens, mas não quer fazer? Aí, ele me explicou como era o dia dele. Acordava às 7 horas da manhã, vinha à escola até ao meio-dia. Após, começava às 13h30 minutos e trabalhava até às 20h-21h. Eu pensei um monte de coisas, como as oportunidades na frente que seriam barreiras, pela falta de tempo para estudar. E acontece bastante isso no colégio aqui, não é todo mundo que vai à faculdade (DOCENTE DA ESCOLA B)18.

Além da condição estudante-trabalhador e de um possível futuro desconectado dos estudos, de acordo com Souza Júnior e Darido (2009), alguns pontos fazem relação a esta cultura das dispensas: aulas do componente curricular fora do horário regular dos demais componentes, semelhantes às TA e TB (DIÁRIO DE CAMPO); falta de critérios mais rígidos ao interpretar e controlar os atestados apresentados pelos discentes, sendo a mesma percepção visualizada pelos docentes das Escolas A e B (DIÁRIO DE CAMPO); as expressões de resultados da avaliação, sejam em notas e/ou conceitos, não apareceriam em muitas escolas aos alunos amparados pela Lei nº 10.793, do ano de 2003, fazendo a cultura corporal

17 Entrevista com o professor de Educação Física da Escola A, Santa Cruz do Sul, 05/08/2016.

18 Entrevista com o professor de Educação Física da Escola B, Santa Cruz do Sul, 03/08/2016.

enquadrar-se contraditoriamente numa invisibilidade pela própria legislação, e por sua própria (des)função.

Conforme Souza Júnior e Darido (2009), as escolas poderiam criar estratégias avaliativas para não ausentar os conhecimentos da cultura corporal da vida desses estudantes, sejam legalmente ou não amparados. Uma sugestão dos mesmos autores seria a escola e o componente adotarem uma avaliação paralela; fato esse que apenas o docente da TA concedeu somente no 1º trimestre. O professor da Escola B relatou que fez um trabalho compensatório, mas o modelo nunca chegou às mãos do pesquisador, apesar da frequente indagação do autor sobre o documento no campo observacional. Esta relação avaliativa paralela do componente no Ensino Médio está inserida no próximo subcapítulo, especialmente conectada ao ENEM.

2.1.3 A Influência do ENEM e da pedagogia das competências na avaliação da Educação