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Para se entender a gênese dos Institutos de Educação e Tecnologia no cenário nacional recente, é preciso compreender as especificidades da formação e história do Brasil como nação. Vale dizer que a divisão nas estruturas sociais do país é tão antiga quanto o seu descobrimento por Cabral em 1500, e vai refletir nos mais diversos campos sociais, desde a economia até a educação como política pública (TAVARES, 2012). As decisões sobre os assuntos mais importantes e primordiais que serviriam de base à formação do Brasil contemporâneo, estiveram sempre mergulhadas em uma lógica colonialista eurocêntrica exploradora (SIQUEIRA, 2009). A lógica indolente da desigualdade social no Brasil, pode ser em verificada em diversas dimensões: política, econômica, social, racial, regional e cultural, ao longo da história. O modelo econômico escravagista, que perdurou no Brasil colônia, tinha a principal mão de obra na figura do escravizado, negro ou

mesmo indígena, com valor comercial, mas sem alguma participação na renda produzida por seu trabalho (OLIVEIRA, 2015).

Os reflexos da divisão social e racial com origens no Brasil colônia são visíveis nas políticas públicas voltadas para a área da educação desde o começo do século XX, onde a minoria que compõe a elite hegemônica política, cultural e econômica, têm acesso a cursos universitários. O contexto político, econômico e social da fase da educação profissional voltada aos desvalidos teve como cenário inicial a Primeira República, com forte influência positivista, laica e científica (TAVARES, 2012). Este cenário também incluiu os ex-escravizados libertos pela Lei Áurea, e outras minorias caracterizada pelo como “desvalidos” (BRASIL, 1909, 1888). Segundo Tavares (2012), sobre o papel da educação profissional na época:

Se por um lado o processo de desenvolvimento da indústria nacional ainda não demandava grande quantidade de trabalhadores qualificados, por encontrar-se ainda em fase embrionária, por outro lado a Educação Profissional era vista como alternativa ao problema da ociosidade dos “desfavorecidos da fortuna”, que geravam altos índices de criminalidade e impediam o progresso do país (p. 6).

A grande maioria da população tem apenas o ensino básico precário, que poderia ser complementado com cursos técnicos com objetivos de formação de mão de obra laboral. Com a assinatura do decreto Decreto nº 7.566 em 23 de setembro de 1909 o governo Nilo Peçanha cria 19 as chamadas Escolas de Aprendizes e Artífices, configuração inicial a Rede Federal de Educação Profissional, ou IF’s atualmente. O objetivo das escolas de aprendizes e artífices era o de atender à parcela mais desfavorecida da população brasileira:

Que para isso se torna necessario, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensavel preparo technico [sic] e intellectual [sic], como fazel-os [sic] adquirir habitos de trabalho proficuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime (Brasil, 1909, p. 6975).

O trecho acima foi retirado da lei que criou as Escolas de Aprendizes e Artífices, e analisando o discurso construído fica claro a óbvia inclinação produtivista que associa a falta de ocupação dos filhos das classes mais baixas à criminalidade. A educação profissional desde seu início está associada à divisão do Brasil em classes, formando os aprendizes para ocupações reafirmavam os seus papéis no campo social. Em Santa Catarina, a primeira sede da Escolas de Aprendizes e Artífices foi instalada em 1º de setembro de 1910, em um prédio cedido pelo governo do Estado, na Rua Almirante Alvim, no Centro da capital

catarinense. Posteriormente foi transferida para a rua Presidente Coutinho no ano de 1920 permanecendo neste local até o ano de 1962. A Escola de Aprendizes Artífices de Santa Catarina oferecia o primário, bem como cursos de formação profissional variados, e sua atuação era baseada na tecnologia da época, visando desde sempre os fins do setor produtivo e da sociedade (IFSC, 2020b).

No ano de 1927, o ensino profissional foi tornado obrigatório por decreto, nas escolas em que a União mantinha ou subvencionava (BRASIL, 1927). A Constituição Federal promulgada pelo Governo Getúlio Vargas em 1937, veio tratar da educação profissional e industrial em seu corpo:

Art 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.

O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.

É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público (BRASIL, 1937).

O contexto econômico, político e social da Segunda República traz uma industrialização mais incidente no país, o que vai exigir mão de obra qualificada para atender as demandas da abertura do país ao capital internacional (TAVARES, 2012). O período começa no governo JK, passando pelo período ditatorial militar, encerrando na abertura democrática em 1984. Nas palavras de Tavares (2012, p 7):

A chegada de uma parcela cada vez maior da população ao ensino secundário provoca uma forte pressão por parte destes estudantes pelo acesso ao Ensino Superior, em busca de ascensão social. O Ensino Profissionalizante, muito mais do que qualificar mão-de-obra para a indústria, atua como válvula de escape, aliviando a pressão exercida pela sociedade por vagas nas universidades. Na Ditadura Militar, a ampliação do acesso à universidade pela população representava o risco de se agravar o movimento de contestação ao regime político.

No ano de 1978, as Escolas Técnicas Federais do Paraná, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais foram transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), pela Lei nº 6.545, de 30 de junho (BRASIL, 1978). As outras Escolas Técnicas Federais só viriam a ser gradativamente transformadas em

Cefets com a instituição do Sistema Nacional de Educação Tecnológica, integrado pela Rede Federal e pelas redes ou escolas congêneres dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal (BRASIL, 1994).

Após a reabertura democrática, inicia-se um novo período para a Educação Tecnológica no Brasil, marcado pela reforma do Estado de viés neoliberal, onde a expansão da rede estagna até o ano de 2002 (TAVARES, 2012; THORSEN; LIE, 2006). A década de 1990 foi marcada por cortes de gastos, encolhimento da prestação estatal, privatizações, inflação e pela expansão do ensino superior privado no Brasil. Nesse sentido, Tavares (2012) complementa que caberia à educação tecnológica:

(…) formar o “trabalhador de novo tipo”,em sintonia com as novas formas de organização e gestão do trabalho e com os interesses do mercado. Contudo, transfere-se para o próprio trabalhador a responsabilidade pelo domínio das competências profissionais exigidas pelo mercado e, portanto, pela sua empregabilidade (p. 8).

Do 2003 a 2010 a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica passou por uma retomada de sua expansão, resultado do plano de nação do governo que estava no à época, com forte posição progressista oposto às medidas neoliberais. Além de expandir a rede, ela é profundamente reformulada, como pode ser visto na Lei 11.892/08 que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (BRASIL, 2008). Tal legislação também vem a criar os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, onde os Cefets ou Escolas Técnicas Federais poderiam optar por migrar para a nova configuração. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de todos os estados da federação fazem parte de uma única autarquia, oferecem cursos técnicos com objetivo profissionalizante, mas também podem agora ofertar cursos superiores com prioridade para licenciaturas, concorrendo com as Universidades Federais (TAVARES, 2012). O cenário político, econômico e social que se insere essa fase expansionista da Rede Federal, é o do governo Lula (2003-2010) na transição para o governo Dilma, com a economia estável, descoberta do pré-sal e otimismo a curto e médio prazo. É nesta fase que o decreto 2.208/97 que impedia a expansão da rede é derrubado (BRASIL, 1997).

Segundo Tavares (2012, p. 10) vai dizer que nesta fase o papel da educação profissional é:

Promover o desenvolvimento do país por meio da oferta à população de ensino, pesquisa e extensão, em sintonia com as demandas dos Arranjos

Produtivos Locais. Formar professores para suprir a carência de profissionais habilitados enfrentada pela educação básica, sobretudo na área de Ciências. Formar técnicos, tecnólogos e engenheiros em áreas específicas, de modo a contribuir para o desenvolvimento de setores estratégicos da economia nacional.

A última fase de análise da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica compreende os anos de 2010 a 2020, num cenário político, econômico e social de rupturas democráticas e crises estruturais. Em 31 de agosto de 2016 a Presidenta Dilma sofre impeachment em seu segundo mandato, por questão processual de responsabilidade fiscal e, em meio à grande comoção midiática. Isso levou seu Vice-presidente Michel Temer a ocupar a presidência de 31 de agosto de 2016 a 1º de janeiro de 2019, curto período de um governo reformista nos moldes neoliberais de redução de gastos do Estado. Eleito em outubro de 2018, o próximo presidente a assumir o Palácio do Planalto foi Jair Bolsonaro, em meio a escândalos de fakenews, corrupções e supostas conexões com a milícia carioca. A pauta de Bolsonaro desde o início era essencialmente neoliberal, conservadora e voltada à satisfação do mercado como ente concreto da realidade. O marco legal do governo Temer está na chamada PEC do teto de gastos, que impactou diretamente nos investimentos de expansão da Rede Federal de Educação Profissional. Bolsonaro manteve e apoia a PEC 55, que culminou no corte abrupto e profundo nas receitas federais afetando a manutenção da estrutura já consolidada, fazendo com que os gestores tivessem de escolher entre quais princípios cumprir.

Esta última fase também trouxe mudanças legais quanto ao Plano Nacional de Educação e quanto à LDB. Em 2014, a Lei 13.005/2014, que aprovou o novo Plano Nacional de Educação prevê “oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional” (BRASIL, 2014). Já em 2017, foi sancionada a Lei nº 13.415/2017, que introduziu alterações na LDB (Lei nº 9394/1996), incluindo o itinerário formativo "Formação Técnica e Profissional" no ensino médio (BRASIL, 1996, 2017). A nova redação da LDB refere-se aos critérios a serem adotados pelos sistemas de ensino em relação à oferta da ênfase técnica e profissional, a qual deverá considerar “a inclusão de vivências práticas de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos

estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional”, bem como “a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade”.

A expansão da rede federal de ensino como política pública nacional da educação acontece na relação e cooperação entre os demais entes federativos. Os princípios e objetivos dos institutos em estudo entendem que a formação integral do indivíduo deve ser anterior à formação profissional para o mercado de trabalho simplesmente. Busca-se a autonomia no sentido da capacidade desenvolvida pelo indivíduo de dar continuidade à sua formação além da sala de aula. Neste sentido:

Assim, a concepção de educação profissional e tecnológica que deve orientar as ações de ensino, pesquisa e extensão baseia-se na integração entre ciência, tecnologia e cultura como dimensões indissociáveis da vida humana e, ao mesmo tempo, no desenvolvimento da capacidade de investigação científica, essencial à construção da autonomia intelectual. (Pacheco, 2010, p 14)

O projeto educacional em que se encerram os IF’s conecta-se com dimensões socioeconômicas locais e regionais a educação profissional e tecnológica se caracteriza uma política pública justamente por trazer em seu cerne o compromisso com o todo social (PACHECO, 2010).