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Para subsidiar as discussões e a apresentação da Educação Histórica, escolhemos alguns escritos de Isabel Barca, pesquisadora e docente da área, que atua como coordenadora do Projeto Hicon/Consciência Histórica – teorias e práticas, na Universidade do Minho, em Portugal.

A partir da década de 1970, pesquisadores do Reino Unido, ligados ao ensino de História, realizam estudos voltados para a cognição histórica. Desses estudos, surgiu uma nova área dentro do ensino de História: a Educação Histórica.

Esse campo contempla a “Epistemologia da História, a Metodologia de Investigação em Ciências Sociais, a Psicologia Cognitiva e a História” (BARCA, 2005, p.15), priorizando, também, a metodologia qualitativa em suas pesquisas, pois a História, enquanto ciência que não se limita a considerar a existência de uma só explicação, é multiperspectivada (Barca, 2007).

Nesse sentido, a autora aponta as primeiras contribuições de pesquisadores em relação à cognição histórica:

(...) autores que participaram dos primeiros estudos em Cognição Histórica, os britânicos Hilary Cooper e Martin Booth, nas décadas de 70 a 90, tiveram papel de destaque: Booth (1980) levou a cabo segundo a lógica do saber histórico, no âmbito das tarefas propostas aos alunos utilizou conjuntos de imagens sobre a História Contemporânea a que os jovens participantes teriam que atribuir sentido. Este elemento a integrar os instrumentos de recolha de dados revelou-se muito frutífero na indagação das ideias históricas (...) Saliente-se ainda os trabalhos de H. Cooper com enfoque em ideias de crianças em História (ideias substantivas e de segunda ordem), que têm merecido um acentuado destaque em muitos países. (BARCA, 2011, p. 24)

O campo da Educação Histórica classifica, a partir dos estudos de Cooper, e de acordo com Barca (2011), os conceitos fundamentais para o aprendizado em História em dois tipos, a saber:

Os conceitos de ‘segunda ordem’, também designados conceitos estruturais ou meta-históricos, exprimem noções ligadas à natureza do conhecimento histórico, tais como a compreensão empática, explicação, evidência, significância, mudança em História. Os conceitos ‘substantivos’ referem-se a noções ligadas aos conteúdos históricos, como monarquia, democracia, feudalismo, revolução industrial, Renascimento, descobrimentos. (BARCA, 2011, p.25)

Alguns conceitos são axiais no campo da Educação Histórica, dentre eles os de consciência histórica, narrativa histórica, evidência, significância e literacia histórica. As pesquisas realizadas demonstraram que, ao adentrarem na escolarização, as crianças já possuíam conhecimentos prévios com relação à História, difundidos pelo meio social em que estavam inseridas, assim como pelo contato com diferentes sujeitos, espaços, meios de comunicação, entre outros.

Desse modo, ganha densidade a importância da “consciência histórica”, que traz no seu bojo a preocupação com a formação do pensamento histórico, por meio do convívio social de cada individuo. Barca define-a

como uma atitude de orientação de cada pessoa no seu tempo sustentada reflectivamente pelo conhecimento da História. Distingue- se de uma simples resposta do senso comum às exigências práticas dessa mesma orientação temporal, baseada exclusivamente em sentimentos de pertença – de identidade local, nacional, profissional ou outra. (BARCA, 2007, p. 116)

A autora, baseada, sobretudo, nos estudos de JörnRüsen, afirma que esse conceito é sustentado pela consciência social, trazendo contribuições de outras áreas do conhecimento, como das Ciências Sociais e da Antropologia. No exposto, ainda se nota a preocupação em não confundir essa consciência histórica com a identidade social.

Interessa-nos as possibilidades da Educação Histórica na EJA, pois, por meio dela, como corrobora Barca (2011), é possível atender

as exigências de formação de uma consciência social neste actual neste ambiente de informação caótica, complexa e controversa, a exigir uma leitura (e opção) selectiva crítica, mas sempre provisória. Esta é, acima de tudo, uma proposta de dar “poder” (empowerment) às pessoas, ao criar gente livre, com ideias próprias e atentas ao que se passa a sua volta em vez de simples ‘cidadãos robôs’, muito competentes tecnicamente, mas que pensam o que os media (e outros poderes) lhes ‘propõem’ pensar. (BARCA, 2011, p.40)

Nossa pesquisa procura entender como os(as) alunos(as) da Educação de Jovens e Adultos concebem a História, por meio de suas narrativas, e como relacionam as histórias de suas vidas práticas na busca de uma orientação temporal. Tal interesse surgiu da nossa atuação enquanto educadores da Educação de Jovens e Adultos, no contato com jovens possuidores de diferentes culturas e, também, de nossa preocupação em romper com um ensino da História desconexo de suas realidades. A impressão que a História é feita para grandes homens, geralmente ligados ao campo da política e da economia, precisa ser questionada.

Tal preocupação não é nova e perpassa os principais movimentos historiográficos do século XX, como os Annales e a Nova Esquerda Inglesa, que resgataram temas importantes, como a História do Cotidiano, as relações entre a História e memória, entre outros. Por meio dos estudos desenvolvidos pela área da Educação Histórica, é possível compreender a estrutura das narrativas produzidas pelos sujeitos, cujas ideias provêm do contato com a modalidade de ensino regular e que mantêm relação com a História no momento em que frequentam a EJA.

A finalidade é que tais sujeitos identifiquem-se com a História, consigam estabelecer relações entre essa ciência e suas vidas e percebam-se enquanto sujeitos que a constroem e dela participam. Estabelecida a relação do passado com o presente, é possível que essas reflexões forneçam condições para a constituição de uma consciência a respeito do futuro. Rüsen faz referência à “consciência utópica” e expõe que ela

Baseia-se num superávit de carências com respeito aos meios dados de sua satisfação [e] possui a função vital de orientar a existência humana por representações que vão, por principio, além do que é, empiricamente, o caso. Utopias funcionam como sonhos da consciência histórica sempre que se trata de articular conscientemente (despertas), como orientadoras do agir, representações de circunstâncias de vida desejáveis. As utopias são, pois, os sonhos que os homens têm de sonhar com toda a força de seu espírito, para conviver consigo mesmos e com seu mundo, sob a condição da experiência radical da limitação da vida. (RÜSEN, 2007, p. 138)

Essas ideias atendem à teoria/fundamentação de um projeto de humanização, desenvolvida por Freire, que leva ao conceito do ‘ser-mais’. Por isso, pretendemos abordar a concepção de História formulada por esse pensador em algumas de suas obras.