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II CONHECENDO A DEFICIÊNCIA MENTAL

III. A ESCOLARIZAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL

3.2. Educação Inclusiva

A década de 90 formaliza acontecimentos que principiaram nas décadas anteriores e que provocaram rupturas no campo da educação especial e começaram a modificar preceitos estabelecidos na educação regular.

Santos (2000), afirma que é a partir dos anos 60 que a luta pelos Direitos Humanos se fortalece, sendo explicado pela autora a partir do avanço científico que promove a desmistificação de preconceitos fundados na ignorância sobre as diferenças da espécie humana; um crescente pensar de cunho sociológico, questionando práticas discriminatórias, e um pensar sobre o avanço tecnológico, que aproxima os povos, disseminando mais rapidamente as informações. A autora reflete que, por mais paradoxal que seja, estes aspectos vêm se refletindo conjuntamente nos sistemas educacionais de todos os países. A humanidade prima pela igualdade de valor dos seres humanos e pela garantia de direitos entre

eles. Por outro lado, essa mesma humanidade não comporta mais a existência da ignorância, pois esta pode tornar o ser humano mais dependente, incapacitado para desfrutar seus direitos, ou então, por que ela o exclui de um ritmo de produção cada vez mais competitivo.

Emerge, portanto, a necessidade de indivíduos - cidadãos, sabedores e conscientes de seus valores, direitos e deveres. A educação, nesse sentido, ganha importância, e cresce a necessidade da inserção de todos em um programa educacional que, pelo menos, lhes tire da condição de ignorância. Em conseqüência, surge a necessidade de se planejar programas educacionais flexíveis que abranjam o mais variado tipo de alunado, e que ofereçam o mesmo conteúdo curricular sem perda de qualidade do ensino e da aprendizagem. (Santos,2000)

Nesse espírito, acreditando que a pobreza e a miséria são produtos, em grande parte, da falta de conhecimento a respeito de seus deveres e direitos, e acreditando que a falta de direito à educação constitui fonte de injustiça social, é que a Conferência Mundial de Jomtien sobre Educação para Todos, em 1990, realizada na Tailândia, adotou como objetivo a educação para todos até o ano 2000. Chefes de Estado e ministros da educação do mundo todo assumiram esse compromisso público. Porém, mais de 10 anos se passaram e pouco há para celebrar nos mais diversos países do mundo. As metas estabelecidas pela Conferência Educação para Todos 2000 sofreu um retrocesso para 2015, mas há grande dúvida se a meta irá ser atingida. (Mittler,2003)

Embora os documentos de Jomtien apresentem referências explícitas às pessoas com deficiência, poucos governos relataram novas iniciativas para criar condições para essa clientela freqüentar a escola.

Em 1994, A Conferência de Salamanca foi um marco histórico. Organizada pela UNESCO e pelo governo da Espanha, contou com a participação de 94 representantes de governos e de organizações não governamentais.

No Brasil, a Declaração de Salamanca é o mais importante documento e tem sido o referencial básico para os mais recentes debates sobre Educação para Todos com a denominação de Educação Inclusiva.

As crianças com dificuldades de aprendizagem e com deficiência foram vistas como parte de um grupo mais amplo de crianças do mundo, às quais estava sendo negado seu direito à educação. Esse grupo inclui crianças que vivem nas ruas ou que trabalham; vítimas de guerras, doenças ou abusos; de desvantagem e portadoras de deficiência ou com altas habilidades. (Mittler, 2003)

Uma das conseqüências diretas na educação especial, a partir desse documento, é a ampliação do conceito de necessidades educacionais especiais. Outra conseqüência é a necessidade de inclusão da própria educação especial dentro da estrutura de educação para todos, oficializada em Jomtien.

No que diz respeito ao conceito de necessidades educacionais especiais, a Declaração afirma que:

"a expressão 'necessidades educacionais especiais' refere-se a todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem. Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e têm, portanto, necessidades educacionais especiais em algum momento de sua escolarização." (Declaração de Salamanca e Linhas de Ação, 1994,p.18)

Assim, o conceito de necessidades educacionais especiais passa a incluir, além das crianças com deficiência, uma ampla gama de crianças que por algum motivo social, familiar ou psicológico, esteja necessitando de uma educação especial.

No Brasil, uma série de leis federais, estaduais e municipais, foram formuladas para efetivar o compromisso assumido na Declaração de Jomtien, em 1990:

"Ao participar da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia (em 1990), e assinar a Declaração dela resultante, o Brasil assumiu como compromisso, perante a comunidade internacional, combater a exclusão de qualquer pessoa do sistema educacional. Tal compromisso representou um esforço qualitativo importante no segmento populacional constituído de pessoas com deficiência, ao qual a Constituição Federal já

garantia desde 1988, o direito à educação, preferencialmente no ensino regular." (MEC/SEESP, 2001,p.14)

Para efetivar o objetivo proposto, 3 aspectos relacionados entre si trouxeram conseqüências inevitáveis à educação especial: o estabelecimento de metas claras que aumentem o número de crianças freqüentando a escola, a tomada de providências que assegurem a permanência da criança na escola para que se obtenha um real benefício da escolarização, o início de referenciais educacionais significativos que façam as escolas repensarem suas atividades e currículos, e que ofereçam serviços que correspondam às necessidades de seus alunos, famílias e da comunidade local.

Altera-se, nessa trajetória, pelo menos uma certeza que se estabelecia em relação à educação especial. A relação direta deficiente - educação especial se modifica. O termo necessidades educacionais especiais abrange a população deficiente, mas não se restringe somente a ela.

É importante destacar que, ao trazer um avanço ao incluir a educação das pessoas com deficiência no âmbito da educação, não se pode negar que elas possuem características diferentes das demais categorias que compõem o que a Declaração chama de necessidades educacionais especiais. É preciso que se estabeleça uma política de inclusão que atenda, de fato, as reais necessidades dessa população, entendendo que muitas dessas necessidades são semelhantes às dos alunos não deficientes, mas, outras, não o são, pois repercutem as especificidades originárias de algum déficit. Tratar a todos igualmente não significa apenas promover a igualdade de oportunidades, mas sim, que se considere, no âmbito das políticas públicas e no das práticas sociais, as necessidades específicas que caracterizam a cada um como pessoa humana em seu contexto histórico, social, cultural e econômico. Buscar a igualdade, ignorando as diferenças, apenas perpetua a desigualdade.

A Declaração de Salamanca, do ponto de vista educacional, vem propor uma escola que na prática ainda não existe: a escola inclusiva, que resgata a idéia da educação para todos.

No Brasil, a influência das duas Declarações está bem caracterizado na legislação vigente, embora, de fato, sua implementação esteja apenas começando, uma vez que, a inclusão de todos os alunos na rede regular de ensino não se efetua por decretos ou leis, mas requer uma mudança profunda na forma de encarar a diferença no sentido da despatologização e da desculpabilização do sujeito.

Na prática, lidamos com as dificuldades que as escolas públicas enfrentam ao receber a clientela com deficiência: o desconhecimento, o preconceito e a falta de recursos para realizar um trabalho efetivo de inclusão.

A escola pública passa a se defrontar com um número cada vez maior de alunos que requerem seu direito de freqüentar a sala de aula. Mas, defrontam-se, também, com uma ação cotidiana cristalizada na exclusão do fracasso escolar, no conhecimento de práticas pedagógicas que priorizam a competição entre os melhores, e pouco valorizam o aprendizado criativo e individual. A homogeneidade ainda é tida como benéfica ao processo ensino-aprendizagem e as diferenças ainda incomodam aos educadores.

A inclusão escolar de crianças com deficiência mental traz inúmeras perguntas e dúvidas em relação não apenas à socialização, mas, principalmente, à capacidade de aprender que estes alunos têm. As angústias dos educadores são legítimas e devem ser ouvidas e problematizadas. Muitas ainda não têm respostas e estas virão ao longo do processo de inclusão.

Amiralian (2001b), ao discutir os termos integração e inclusão, usados como antagônicos por muitos teóricos da educação e inclusão, refere que o termo inclusão contempla uma “idéia de compreensão, além dos fenômenos e atos de envolver e pertencer.” O termo integração, por sua vez, “é um conceito que assegura a inteireza. Integrar é uma condição para se completar, para tornar inteiro.” (p.3 )

A partir desse ponto de vista, o termo inclusão escolar se remete a uma situação em que é imprescindível uma compreensão do aluno com deficiência, para que ele passe a pertencer à escola e a fazer parte integrante dela. Para Amiralian (2001b), essa condição assegurará a inteireza da escola, a completará e a transformará em uma escola integrada/inclusiva. A autora ressalta, ainda, que

para a educação especial o processo de integração, em determinado momento histórico, era compreendido como a colocação de alunos em classes especiais, e exigido dos mesmos que se adaptassem às condições da escola, deixando muito a desejar, na medida em que não atingia os objetivos propostos – a integração dos alunos com deficiência. Refere a autora que poucas eram as escolas realmente integradas, talvez porque faltasse a inclusão, isto é, “a compreensão sobre os alunos com deficiência, de tal forma que possibilitassem a esses que efetivamente pudessem sentir-se como parte integrante da escola, assim como são todos os alunos, sem exceções.” (p.3 )

Para que esses processos se realizem, cada vez mais, sente-se a necessidade de uma ação no cotidiano escolar, para que os mesmos não sejam interrompidos e cristalizados no discurso da impotência e do fracasso.

Mittler (2003) afirma que a inclusão somente sobrevive como um assunto enquanto alguém é excluído. Para o autor, inclusão e exclusão começam na sala de aula, não importando quão comprometido um governo pareça estar com os pressupostos inclusivos. São as experiências cotidianas de crianças nas salas de aula que definem a qualidade de sua participação e as experiências de aprendizagem oferecidas pela escola. O mesmo peso têm as interações e as relações sociais que as crianças têm umas com as outras e com outros membros da comunidade escolar. “As formas através das quais as escolas promovem a inclusão e previnem a exclusão constituem o cerne da qualidade de viver e aprender experimentado por todas as crianças.”(Mittler, 2003, p.139)

Se a inclusão de alunos com deficiência mental na escola regular vem denunciar práticas tão excludentes, mantendo um papel da denúncia de um sistema psicopedagógico hegemônico, vem, também, apontar algumas soluções através de inúmeras práticas da qual a escola pública tem sido alvo. Mas, sem dúvida, ainda estamos muito distantes do que preconiza a Declaração de Salamanca - a escola inclusiva, mesmo por que, muitos estudiosos consideram, atualmente, a inclusão uma jornada sem fim, sendo que cada escola deverá encontrar obstáculos e soluções diferenciadas, porém, todas acharão que as barreiras mais difíceis de enfrentar emergem de dúvidas e preconceitos mais arraigados.

Ao auxiliar as escolas nos processos de inclusão escolar de crianças com deficiência mental, percebo que sem a atenção necessária e uma política educacional comprometida de fato com a inclusão, sem perder de vista a qualidade do ensino, os alunos estarão freqüentando a escola, usufruindo do mesmo espaço físico, mas continuarão sem acesso aos conhecimentos construídos e propagados nestes espaços. Assim como, se não forem trabalhados os preconceitos e as concepções cristalizadas acerca da deficiência mental no cotidiano da escola, e com o envolvimento de toda a comunidade escolar, o isolamento e a segregação permanecerão portão adentro dos prédios escolares e das salas de aula regulares.

Na construção desse trabalho de pesquisa, a atividade lúdica é o recurso utilizado pelas estagiárias de Terapia Ocupacional durante a intervenção no recreio da escola , foco deste trabalho.

O brincar, considerado uma atividade da infância, muitas vezes não tem o espaço necessário na escola, seja como potência para o processo ensino- aprendizagem, seja como potência para a comunicação e relação entre os indivíduos nesse ambiente.

Acredito ser necessário um olhar para a construção do conceito de brincar, antes de relatar a experiência propriamente dita.