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CAPÍTULO 4 – GESTÃO POPULAR E DEMOCRATIZAÇÃO DA

4.2 A educação infantil como espaço sócio-educativo de cuidado e educação

Concebidas como “espaços sócio-educativos, de caráter coletivo, diferentes e complementares à família”, as creches e NEIs, na perspectiva adotada pela SME/DEPE, deveriam “oferecer às crianças os instrumentos sócio-culturais necessários para a sua inserção na cultura e sociedades adultas” (PMF, 1996a, p.17), cabendo a elas a função de cuidar e educar as crianças. Para dar conta dessa tarefa, a DEPE, seguindo a mesma orientação da SME101, assentou suas bases teóricas nas contribuições de autores da Psicologia Histórico- Cultural, em especial Vygotsky, estando essas orientações sistematizadas em um “caderno” voltado à educação infantil. Esse documento ou “caderno” de orientação destacava a brincadeira e a linguagem como dimensões essenciais do trabalho pedagógico com as crianças, afirmando ainda a intencionalidade que deveria orientar as práticas pedagógicas dos professores na educação infantil. A matriz curricular proposta articulava-se a partir de três conceitos: Natureza, Cultura e Sociedade, envolvendo as áreas de conhecimento, de modo a fornecer instrumentos de organização da prática e, dessa forma, alimentar os projetos de trabalho das Creches e NEIs.

Nas palavras da então chefe da DEPE, a proposta curricular para a educação infantil revelava “um pouco do nosso desejo de assegurar às crianças de 0 a 6 anos uma educação e um cuidado que respeitassem os direitos fundamentais”, além de destacar o desejo de que o documento fosse transformado num “currículo real102” (PMF, 1996a, p.6).

A compreensão local a respeito das crianças e do trabalho efetivo com elas nas instituições de educação infantil, expressa nos documentos e destacada acima, foram possivelmente influenciadas por pesquisas que se intensificavam naquele período e por debates travados em eventos de destaque nacional. Em 1994, por exemplo, realizou-se em Brasília o I Simpósio Nacional de Educação Infantil, de onde saíram recomendações/indicações importantes e que provavelmente produziam efeitos também em nível local. Naquele mesmo período, o MEC/COEDI produziu um conjunto de publicações, já mencionado, encomendado às pesquisadoras Fúlvia Rosemberg e Maria Malta Campos (FCC), que tratavam de diversos aspectos relativos à educação infantil (política, financiamento, organização e funcionamento, formação dos profissionais, práticas concretas,

101 A SME adotou como perspectica teórica o Materialismo Histórico-Dialético, claramente expressa nos

documentos que produziu.

102 O currículo, segundo a proposta curricular para a educação infantil, era concebido não como uma carta de

intenções, mas como uma intenção materializada que aparece como resultado de decisões previstas pelo coletivo das Unidades e que se concretiza na forma de organização do espaço, na seleção dos conteúdos e na natureza das interações presentes nas instituições.

etc), com vistas a estabelecer patamares mínimos de qualidade nessas instituições. Esse material foi amplamente divulgado nas instituições de educação infantil. Também nesse sentido destaca-se que, na Constituição de 1988, a criança de 0 a 6 anos ganhava um novo estatuto social, sendo reconhecida como “sujeito de direitos”, dentre estes o direito à educação, conforme já analisamos no capítulo 1.

Nessa mesma direção de análise, Ostetto (2000, p.144) afirma que:

A Proposta Curricular de 1996 é representativa do momento pelo qual passa a educação infantil nos anos 90. Primeiro por uma questão conceitual: trata de “educação infantil” e não mais de “educação pré-escolar”, tendo a dupla função de “cuidar e educar103”; segundo, pelas questões colocadas em

destaque: brincadeira e linguagem, pressupostos marcadamente dos anos 90 para a educação infantil, influenciados por uma orientação também diferenciada das propostas já existentes (grifo no original).

Como já mencionamos no item anterior, o MRC teve um impacto político na rede como um todo, sendo sentido também na educação infantil. Construir e implementar uma nova proposta curricular na rede implicava um forte trabalho coletivo, motivo pelo qual os Grupos de Formação constituíram-se e fortaleceram-se como espaços privilegiados para o debate, troca de experiências, deliberações coletivas104. No entendimento de Fernandes (2000, p.98):

[...] nos Grupos de Formação [...] os professores foram conquistando a sua protagonização. Apesar de iniciados de um jeito mais “clássico”, os Grupos de Formação estavam inseridos numa política de formação cuja fundamentação teórico-metodológica de referência não só aceitava como estimulava a participação ativa dos sujeitos envolvidos no processo. O governo da Frente Popular, na gestão 93/96, declarou-se animador de todo o processo do Movimento de Reorientação Curricular e pretendia que todas as suas ações, inclusive nos Grupos de Formação, fossem coletivas e participativas.

Como resultado da reflexão promovida pelos Grupos de Formação, foi elaborado um primeiro documento no qual foram explicitados os objetivos para essa etapa educacional e posteriormente discutido em um grande encontro com o coletivo dos educadores (reuniu cerca de 750 profissionais) da educação infantil da RME, sob a coordenação da equipe da DEPE:

Este Documento Preliminar, apresentado e discutido com todos os profissionais que atuavam nas Creches e Neis no dia 05/12/95, sintetizava as discussões e reflexões oriundas de todas as ações do MRC e continha os

103 Sobre o cuidar e educar, o caderno de educação infantil assinalava que: “em razão e em consequência dos

debates e fóruns realizados nos últimos dez anos, o atendimento infantil tende a unir ações de cuidado e educação numa mesma instituição, como já ocorre em alguns países da Europa, como a Itália e a Suécia, por exemplo” (PMF, 1996a, p.8).

104 Os Grupos de Formação aconteceram quinzenalmente durante três anos, envolvendo professores e auxiliares

de sala e constituíram-se como “um espaço de troca de experiências profissionais entre os educadores, para uma reflexão articulada entre a teoria e a prática educativa”. (PMF, 1996a, p.12).

princípios que orientam e fundamentam a prática educativa para as crianças de 0 a 6 anos (PMF, 1996a, p.13).

No entanto, ainda segundo Fernandes (2000), um dos aspectos contraditórios da experiência com os Grupos de Formação foi a impossibilidade de que todos os professores participassem, pois não havia vagas suficientes e, nesse caso, aqueles que puderam participar ficaram com a responsabilidade de fazer o repasse aos demais. Apesar desse limite, o momento foi vivido por aqueles que dele participaram como de “efervescência democrática”:

[...] naquele período nós estávamos muito entusiasmados com tudo. Era muito bom! Um processo de construção que nós estávamos vivenciando. Nós estávamos sendo ouvidos, estávamos tendo a possibilidade de pensar mais, estávamos tendo mais vontade, nos sentindo contemplados em mais coisas [...]. Nós estávamos muito tempo em silêncio, muito tempo sem ser ouvidos (Entrevista em 28 de novembro de 2007 com uma das professoras que participou desses Grupos de Formação).

Além da formação oferecida pela rede, a aproximação com as universidades, tanto em momentos organizados institucionalmente, como por iniciativa individual dos profissionais da rede, auxiliavam na atualização dos conhecimentos que vinham sendo produzidos na área com a conseqüente repercussão no trabalho desenvolvido junto às crianças. Conforme assinalou uma das professoras daquele período:

[...] nós não perdíamos o vínculo com a universidade. Então eu sempre estava estudando, participando. Estava sempre próxima. Ia acontecer um curso, em tal dia, e todo mundo ia pra lá.. Então isso nos dava um pouco mais de sustentação (Entrevista em 28 de novembro de 2007).

Reafirmar o caráter educativo das creches e NEIs, além da defesa da autonomia das unidades e dos profissionais no seu interior por meio de instrumentos que garantissem maior participação, foi um dos grandes objetivos da SME nessa gestão, segundo compreendemos. Esse intento engendrou um movimento sem precedentes até então na rede de educação infantil, mobilizando um coletivo de educadores a refletir de maneira fundamentada e num processo contínuo sua prática cotidiana em busca de maior autonomia intelectual. Ainda que na gestão anterior a formação coletiva também estivesse presente de maneira acentuada, na gestão da Frente Popular a formação realizada especialmente por meio dos Grupos de Formação constituiu-se num espaço importante de construção coletiva do projeto de educação da rede.

4.3 Novas tarefas da DEPE e unidades de educação infantil: surgimento do