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Skovsmose (2007, p. 73) apresenta o conceito de educação matemática crítica por meio da seguinte redação:

Educação matemática crítica não é para ser entendida como um ramo especial da educação matemática. Não pode ser identificada com certa metodologia de sala de aula. Não pode ser constituída por um currículo específico. Ao contrário, eu vejo a educação matemática crítica como definida em termos de algumas preocupações emergentes da natureza crítica da educação matemática.

Interessante observar que o autor apresenta nove pontos que guiam as suas reflexões. São eles: a matemática, o conhecimento, a reflexão, a aprendizagem, o aprendiz, o conflito, a matemácia, a guetorição e a globalização.

Skovsmose (2007) introduz o neologismo Matemácia, inspirado em Paulo Freire, quando este amplia o conceito de alfabetização para que os indivíduos não só saibam ler e escrever, mas se sintam cidadãos críticos participantes do processo político. Matemácia seria uma forma de letramento matemático, provendo o suporte matemático e lógico para o exercício de uma cidadania crítica. Essa crença reforça a ideia de que a Matemática é uma das ciências que pode auxiliar no processo da construção da cidadania, contribuindo para a autonomia do aluno relativamente às questões de natureza financeira.

Nesse sentido, por meio da educação crítica, pode-se orientar o aluno para a reflexão acerca da sua conduta de aluno e de cidadão que participa de sua sociedade, a qual está constantemente em processo de transformação. As mudanças econômicas não fogem a essa regra.

Tudo que se relaciona com a Matemática e com o cotidiano dos alunos se constitui em uma importante abordagem da educação crítica. É fato que existe uma estreita relação entre os modelos matemáticos, o consumo e as finanças das pessoas. Sobre isso, Simon e Blume (2004, p. 21) ressaltam:

Durante os últimos 30 anos, a matemática emergiu como a ‘linguagem da economia’. Hoje em dia, os economistas veem a matemática como uma ferramenta inestimável em todos os níveis de estudo, abrangendo desde a expressão estatística de tendência do mundo real até o desenvolvimento de sistemas econômicos completamente abstratos.

Todavia, o que se constata é um distanciamento entre essa realidade e a necessidade de o aluno-cidadão aparatar-se do instrumental matemático com objetivo de melhor lidar com as questões econômico-financeiras em seu dia a dia.

O que a educação matemática crítica propõe é um novo paradigma: é possível desenvolver no aluno a capacidade de gerenciamento das questões que se lhe apresentem? É possível desenvolver no estudante a capacidade crítica que possibilitará a paulatina construção de sua autonomia?

Uma estratégia que pode ser usada na educação crítica é a tematização. Busca-se um problema de relevância para os alunos, ligado às suas experiências.

Assim, como afirma Skovsmose (2006, p. 18): “o engajamento dos estudantes na

situação-problema e no processo de resolução deveria servir como base para um engajamento político e social (posterior)”. Esse é um elemento fundamental na concepção das situações didáticas que nortearão a formação dos professores pretendida.

D’Ambrósio (2002 apud SÁ, 2011), no prefácio da obra Matemática Financeira para Educadores Críticos, se refere ao texto apresentado na

Teleconferência no Programa PEC – Formação Universitária, patrocinado pela

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em 27 de julho de 2002, fazendo uma pergunta: que matemática deve ser ensinada na escola de hoje? À qual D’Ambrósio responde:

Cidadania tem tudo a ver com a capacidade de lidar com situações novas. Se lida com situações conhecidas e rotineiras a partir de regras que são memorizadas e obedecidas. Mas o grande desafio está em tomar decisões sobre situações imprevistas e inesperadas, que hoje são cada vez mais frequentes. A tomada de decisão exige criatividade e ética. A matemática é um instrumento importantíssimo para a tomada de decisões, pois apela para a criatividade. Ao mesmo tempo, a matemática fornece os instrumentos necessários para uma avaliação das consequências da decisão escolhida. A essência do comportamento ético resulta do conhecimento das consequências das decisões que tomamos. (D’AMBROSIO apud SÁ, 2011, p. 3).

Pode-se concluir que se a matemática se traduz, segundo D’Ambrósio (apud

SÁ, 2011), em um importante instrumento para o processo de tomada de decisão, a matemática financeira atende plenamente a essa demanda, haja vista a sua natureza e aplicabilidade quanto a esse processo, bem como na formação de cidadãos críticos que se associam ao comportamento ético do consumir, ao cobrarem seus direitos e analisarem seus deveres.

Preparar o jovem para uma vivência plena e cidadã na comunidade exige da escola e dos seus conteúdos programáticos, contemplados nos livros didáticos, a implementação de competências e habilidades que propiciem uma postura autônoma diante dos problemas a serem enfrentados.

1.8.1 Conexões entre educação financeira e educação matemática crítica

Após terem sido discutidos os papéis da educação financeira e da educação matemática crítica, entende-se ser oportuna a reflexão acerca da conexão existente entre ambas. Apontar conexões entre elas significa, em última análise, identificar ideias que estão em consonância, ou mesmo que apresentam aspectos comuns para essa discussão à luz dos preceitos de educação financeira e de educação matemática crítica. Identificar conexões, por sua vez, também significa apontar características, de uma ou outra perspectiva, que se caracterizam por sua complementaridade.

Skovsmose (2007) chama a atenção para a “Matemática em ação”, discutindo o que chama a ideologia da certeza como a atitude dominante daqueles que praticam a matemática referindo-se à relação entre matemática e poder. Com exemplos, mostra como a matemática pode ser decisiva na tomada de decisão apontando como a matemática se insere, enfim, em todo o fazer cotidiano.

Evidentemente que as ideias consideradas pelo autor se colimam em relação àquelas que norteiam a educação financeira, na medida em que essas também fazem parte do cotidiano das pessoas, além de contemplarem o processo de tomada de decisão.

Outro aspecto conector a ser mencionado se refere ao destaque do papel da linguagem que a educação matemática crítica utiliza para interpretar o mundo. Vale lembrar que a educação financeira também se utiliza do mesmo expediente em seus conceitos. O uso de códigos, símbolos e a existência de uma estrutura própria são exemplos dessa consonância.

A complementaridade se faz presente nas maneiras pelas quais as duas perspectivas abordadas lidam com questões relacionadas à política. No caso da educação matemática crítica, por enfatizar a reflexão acerca dos usos que são feitos dos conhecimentos matemáticos nos diferentes setores da sociedade. Percebe-se que as diversas estruturas sociais são usadas como um ponto de orientação, não os diferentes contextos culturais.

A educação financeira como uma estratégia coordenada nacionalmente para aumentar o poder dos consumidores, foi estabelecida por um Decreto Presidencial. Dessa forma, trata-se de uma política pública da mais alta relevância. A inclusão financeira é tratada na Parceria Nacional para Inclusão Financeira (PNIF), que representa um compromisso de alto nível com a promoção de inclusão financeira adequada no Brasil.

2 EDUCAÇÃO FINANCEIRA – ESTUDO DO OBJETO

Neste capítulo pretende-se realçar a importância da educação financeira, objeto central desta tese, bem como estreitar ainda mais as conexões com a matemática financeira, com a matemática crítica e com o letramento financeiro, assuntos estudados no capítulo anterior. Ressaltam-se pontos de convergência, contribuição e complementaridades.

Discute-se a recente iniciativa governamental para a implantação de uma política pública denominada Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), detalhando-se em relação a ela, a sua metodologia, objetivos e mecanismos de acompanhamento e implementação.

A tarefa aqui é argumentar que sem um razoável domínio dos conteúdos de matemática financeira, por parte do professor que leciona no Ensino Médio, torna-se potencialmente difícil ensinar educação financeira ao nível necessário e satisfatório para o pleno exercício da cidadania, no que tange à esfera financeira.