• Nenhum resultado encontrado

A educação (matemática) está em todo lugar, está nas coisas

CAPÍTULO 2: EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PELA ARTE: UMA

2.6 A educação (matemática) está em todo lugar, está nas coisas

A arte de uma criança, conforme já destacado, é seu passaporte para a liberdade, para a fruição plena de todos os seus dotes e talentos, para a sua felicidade verdadeira e estável na vida adulta (READ, 1986). E ela está em todo lugar, assim como a educação e a educação matemática estão em todos os lugares e em todas as ações da pessoa humana, estão nas coisas e nas coisas que fazemos diariamente, pois vivemos num mundo de coisas.

Para ampliar essa discussão, iniciada na seção 2.3, a respeito de a educação estar nas coisas, recorremos a Read (1986, p. 48-49), que, citando as Cartas de Eric Gill, coloca

Existe por um lado: educação pelos livros – portanto: pensamentos, palavras, conceitos, leituras sobre eles, escrever sobre eles, aprender sobre eles, e exames sobre eles (disciplina mental, disciplina intelectual);

e por outro existe educação por jogos – portanto: movimentos, desenvolvimento físico, entusiasmo combativo, desenvolvimento da lealdade – “o espírito e equipe”. Coragem pessoal, orgulho de si mesmo – respeito por si mesmo.

Vivemos num mundo de coisas, fazer coisas ocupa grande parcela das nossas ações diárias desde trabalho, lazer e entretenimento. Mas de forma alguma existe educação nas coisas. Não há educação na experiência poética. O intelecto é exercitado quase inteiramente por livros e a vontade é exercitada quase inteiramente por jogos.

Pegamos uma idéia, um conceito, uma abstração, uma representação, exercitamos nossos intelectos. Pegamos bolas, bastões e os tornozelos uns dos outros no beisebol, ou seja, exercitamos nossas vontades. No entanto não pegamos uma coisa. Nenhuma coisa enquanto tal e por si mesma, nenhum ser – só pensamento sobre coisas, apenas ações em relação a coisas. Poeta, poiesis, fazedor – captador de coisas, realidade enquanto reconhecível pela experiência. Arte, talento artístico (de cultivar flores a construir catedrais), é tudo uma questão de poesia, de captar a realidade, de captar as coisas (READ, 1986, p. 49)

Na educação matemática, podemos dizer que a matemática está nos livros, em forma de pensamentos, palavras, conceitos e, ao mesmo tempo, está nos jogos, ou seja, nos movimentos, no desenvolvimento físico, no entusiasmo combativo, no desenvolvimento de lealdade, no espírito de equipe, no sentimento de conquista. Coragem pessoal, no orgulho e respeito de e por si mesmo. Mas de alguma forma a educação matemática estará nas coisas, estimulando, além do intelecto e o raciocínio lógico, a vontade, a sensibilidade, a imaginação, a intuição, a descoberta.

Quando falamos que a educação matemática também está nas coisas, devemos interpretar do ponto de vista epistemológico, ou seja, significa não só estar nos objetos, no mundo físico, na prática, na dimensão social e econômica, mas, fundamentalmente, deve ser extraída das coisas do mundo sensível e imaginável. A educação matemática nas coisas precisa ser rítmica, ritualística e interpretativa. Ela deve ser construída também sob a égide de Dionísio (que põe em evidência a desordem, a imprecisão, o absurdo, o irracional, o sentimental, a

agitação, a tensão, a assimetria), além da égide de Apolo (que se pauta na ordem, na clareza, na certeza, na perfeição, no equilíbrio, na calma, na simetria) e, também, precisa ser um processo contínuo de liberdade e de espontaneidade.

Nesse contexto, a arte pode intervir, pois temos que viver a arte, se quisermos ser permeados por ela. No âmbito da educação matemática, temos que fazer matemática ao invés de repetir modelos já pré-estabelecidos. A matemática deve ser vista como construção humana, aprende-se matemática praticando-a, matematizando-a.

A educação matemática pode ser provedora de uma competência básica para qualquer cidadão. Pode permitir a entrada para um mundo magnífico de ideias e teorias, com valores de relevância estética e tecnológica, como recursos para a imaginação. Pode ser que tal imaginação seja um pré-requisito para identificação de novas técnicas e para construção do conhecimento. No entanto, pode, também, significar que a educação matemática participa de processos de exclusão. Assim, a educação matemática deve estar preocupada com o que está acontecendo nas escolas e que tipo de oportunidades elas estão oferecendo aos alunos. Deve estar preocupada, ainda, com o desenvolvimento de competências matemáticas, bem como, com o seu ensino. Deve, também, estar consciente da situação dos alunos e considerar seus solos pretéritos de experiências, mas também seus horizontes futuros (SKOVSMOSE, 2007).

Muitos são os experimentos e pesquisas que indicam caminhos para o processo pedagógico, Herbert Read (1986, 2001) defende que um desses caminhos é a educação pela arte, educação da sensibilidade. Porém, contra esse movimento, se coloca não só o sistema educacional vigente, com todas as suas ramificações, todas as suas vantagens adquiridas e práticas tradicionais, mas também o próprio sistema social, econômico, político, com seus códigos profissionais, seus padrões de retidão e saber.

Decorrentes de nossa sociedade industrial, as condições de mercado influenciam o tipo de educação a que estamos submetidos, a qual contribui, sem contestação, para a formação desse tipo de pessoa que, compartimentada, movimenta-se entre sua vida profissional e um cotidiano sensível, cotidiano para o qual parece não possuir o menor treinamento com base no desenvolvimento e refinamento da sensibilidade (DUARTE JR, 2010, p. 166).

Um ensino baseado em princípios conformistas e em práticas docentes já estabelecidas – que temos hoje, na maioria dos sistemas educacionais – envolve, em alguma medida, o emurchecimento da inspiração, da imaginação e da criação, ingredientes fundamentais para o desenvolvimento da educação pela arte e para o desenvolvimento do próprio ser humano integral (READ, 1986). Tais ingredientes são fundamentais, também, à educação matemática pela arte. O ser humano precisa ser visto como um ser humano total e seu modo de vida uma contínua celebração de sua força e imaginação.

Num processo pedagógico que se baseia nesses princípios conformistas, dá-se maior importância ao fim do que aos meios. Por outro lado, quando se dá maior importância aos meios, podemos dizer que a educação está nas coisas, na experiência poética, e que, portanto, a educação é estética.